Esboço (1 Samuel 1.1-2.11)
História de Samuel
v
Nascimento e Consagração (1.1-2.11)
o
Elcana e Ana (1.1-8)
A figura de Samuel é certamente uma das mais relevantes na
literatura do Primeiro, assim com Moisés, Josué que o antecederam e Davi, Elias
e Eliseu que o precederam. Ainda que nos livros bíblicos que levam o seu nome
ele seja o protagonista em parte do primeiro e provavelmente não tenha escrito
nenhum dos dois volumes, sua participação no desenvolvimento da história
israelita é fundamental.
Ele será um dos poucos a exercer uma tripla função: foi o último
dos juízes, sacerdote e exerceu também a função de profeta. Mesmo contrariado
foi o instrumento de Deus para fazer a transição de um modelo de governo teocêntrico
para um governo monárquico. Não se trata de uma simples mudança de modelo de
governo, mas retrata a desvalorização que os israelitas deram em relação a
aliança estabelecida com Yahvé. Quando Deus quebra a resistência de Samuel para
que faça a transição, promovendo a unção (ordenação, posse) do primeiro rei
(Saul), o Senhor deixa claro: eles não estão rejeitando você Samuel, mas
rejeitam a Mim. Esta rejeição do governo divino será a marca nefasta dos
governos subsequentes, com raríssimas exceções e o preço será sempre muito alto
a ser pago por todo o povo (qualquer semelhança com a situação da história
brasileira não será mera coincidência).
Conforme o esboço acima, o primeiro livro inicia com os relatos que
envolveram a concepção, nascimento e consagração do menino Samuel, deixando
claro que esse menino esta destinado a grandes coisas.
Houve certo homem
Estas palavras introdutórias não significam que esta história é a
continuação cronológica do Livro dos Juízes ou de qualquer outro escrito
anterior. É uma fórmula introdutória histórica comum ao inicio de uma nova
narrativa: Josué, Juízes, Rute, 1 Reis, Ester, Esdras, Ezequiel, etc.
Elcana e Ana (1.1-8)
Elcana é um descendente piedoso da
tribo de Levi, que vive na região montanhosa de Efraim. Por causa de seu local
de residência, ele é conhecido como um efraimitas, embora ele seja realmente da
tribo de Levi (cf. 1Cr 6.33-38). Os sacerdotes e levitas estavam mais
preocupados do que quaisquer outros israelitas, em preservar sua descendência
clara e em ser capaz de prová-la; porque todas as honras e privilégios de
seu cargo dependiam de sua descendência. O comentário de Richard Pratt Jr sobre
o texto de Crônicas é esclarecedor: “A
menção do bem conhecido Elcana (6.25) e Samuel (6.27,28) focaliza a linhagem
coatita sobre o homem que ungiu Davi como rei de Israel (ver ISm 1.20;
16.7,12,13). Em 1 Samuel 1.1, Elcana é identificado como o efraimita, mas o
cronista esclareceu aqui que Elcana e seu filho Samuel eram levitas vivendo
entre os efraimitas” (2008, p. 116).
A região de Ramataim-Zofim[1]
deve ser entendida como Ramá na terra de Zufe na região montanhosa de Efrata como
se referindo que a cidade havia sido edificada sobre dois montes (Ramataim) e
seus moradores eram uma espécie de vigias/atalaias (Zofim), perfazendo um dual
de Ramá nome pelo qual ficou conhecida posteriormente (1.19; 2.11).
Interessante o fato de que na cidade dos vigias/atalaias (Ramá) veio a ser
estabelecida uma escola de profetas.[2] Sua localização especifica
é muito discutida e não há um consenso sendo oferecidas diversas localizações. O
mais provável é que estava localizada entre os montes de Efraim, que se
estendia ao território de Benjamim, em cuja tribo ficava a cidade de Ramá.[3] Havia cinco cidades com
esse nome, todas em terreno alto, de maneira que a expressão do “Monte Efraim” é acrescentada para
distingui-la de outras “Ramás” em várias tribos, como em Benjamim, Naftali,
etc.
O nome Elcana significa literalmente «Deus se apossou ou Deus criou», era
levita (1Cr 6.33-38) da família de Coate[4] descendentes da tribo de
Efraim, portanto, um efratita, ou habitante de Belém (1Sm 17.12; Rt 1.2) e do
território da tribo de Efraim (1Rs 11.26). Há razão para acreditar que Elcana o
pai de Samuel, representa a quinta geração de israelitas em Canaã e, portanto,
Samuel nasceu cerca de 130 anos após a entrada em Canaã – quatro gerações
completas, ou 132 anos - e cerca de 40 anos antes de Davi. Também pode ser
vista certa ironia divina no fato de que Samuel era descendente de Coré (1Cr
6.33-38), que fez um levante e foi punido com morte porque se opôs a decisão do
Senhor de escolher como sacerdotes os
descendentes de Arão (cf. Nm 16). Mais uma vez Deus deixa claro que os filhos
não herdam os pecados de seus pais, mas cada um morre em decorrência de seu
próprio pecado (Dt 24.16).
Elcana tinha duas esposas uma
chamava-se Ana (graça, graciosa, bonita, encantos) e a outra Penina (pérola, joia, pedra
preciosa – um nome muito popular nas mulheres do Oriente). “Ana parece ter sido sua primeira esposa; e
como ela se mostrou estéril, ele foi induzido, é provável, através de seu
sincero desejo de filhos, tomar outro, como Abraão, pelo consentimento de Sara”
(Comentário de Benson). Uma situação muito semelhante à de Abraão e Sara.
Antes de qualquer crítica é preciso lembrar que naqueles tempos
alguns costumes eram tolerados e até protegido pela Lei (Dt 14.26),[5] o que limitava a pratica
apenas àqueles que podiam cumprir com todas as responsabilidades familiares.
Mas tudo que foge ao padrão estabelecido por Deus em Gênesis – um homem e uma
mulher – acaba gerando muito mais problemas do que benefícios (é só olhar a
realidade social atual). A prática da poligamia com frequência produzia muitas
complicações, ciúmes e fracassos tanto nos haréns reais quanto nas famílias,
como Elcana descobriu. Esta pratica “gradualmente
se tornou menos frequente, e nenhum caso está registrado na história bíblica
após o Cativeiro [Babilônico], mas foi reservado para o cristianismo
restabelecer o ideal primevo” (Cambridge Bible for Schools and Colleges). Nas
literaturas paulinas do Segundo Testamento quando orienta as lideranças das
comunidades cristãs resgata-se o princípio da monogamia estabelecida em Gênesis
e rejeita-se qualquer tipo de poligamia (1Tm 3.2, 12).
Elcana morava não muito distante do
tabernáculo de Silo e como era levita certamente participava das três
principais festas anuais do calendário religioso israelita (cf. Ex 23.14-17; Lv
23.2), sendo a primeira e mais importante a páscoa (primavera do hemisfério
norte). Era o momento de se resgatar a identidade nacional, pois relembrava o
resgate efetuado por Deus através de Moisés. Posteriormente essa festa da
páscoa foi moldando a mensagem messiânica e o cordeiro que era sacrificado
durante a principal refeição da festa se revestiu da tipologia do Cordeiro
messiânico que haveria de surgir e que se cumpre plenamente no sacrifício de
Jesus Cristo na cruz do calvário e assim como Moisés havia libertado os
israelitas da escravidão do Egito, Jesus Cristo haveria de libertar os
pecadores da escravidão do pecado (1Co 5.7).
Silo (descanso) tornou-se o ponto de referência religioso de Israel
ainda nos dias de Josué (14.6; 18.1) que armou a tenda do Tabernáculo ali. Desta
forma Silo se constituiu em sede permanente da Arca e do Tabernáculo e assim se
constituindo no primeiro centro religioso de Israel durante todo o período dos
juízes (18.31). Em raras ocasiões, o Tabernáculo e toda ou parte da
mobília sagrada parece ter sido temporariamente transferida para lugares como
Mispá e Betel, mas seu lar habitual sempre foi Silo.
Embora não fossem necessários seus
serviços de levita Elcana subiu ao local de culto com sua família como um exemplo
para as demais famílias da sua vizinhança. Como vimos uma maioria dos
israelitas havia se “esquecido” de
seus compromissos religiosos e se ajustados à religiosidade ao se derredor
(contexto do livro de Juízes). Mas Elcana permaneceu fiel aos seus princípios
religiosos e observações da Lei mosaica e fazia questão de ir às festas para
oferecer suas ofertas e adoração. Em Silo as coisas não estavam bem, pois Hofni
e Finéias, filhos do velho sacerdote Eli, eram corruptos e depravados e este
comportamento deles era notório a todos os moradores da região. A
espiritualidade de Elcana e sua família se destacavam neste ambiente religioso
decadente, assim como a fé de Rute, a narrativa que antecede, e posteriormente
a fé e esperança messiânica de Ana e Simeão que se sobressai na religiosidade
secularizada e politizada dos dias de Jesus Cristo.
Além de sua própria oferta Elcana
distribuía para todos os membros de sua família uma porção para que eles
pudessem também sacrificassem ao Deus dos
Exército[6](Yahweh sebã’ôt) é usada
aqui pela primeira vez nos textos veterotestamentário em ligação com o
santuário de Silo, ocorrendo depois frequentemente nos livros de Samuel (cf. 1
Sm 1.11; 4.4; 15.2; 17.45; 2 Sm 5.10; 6.2, 18; 7.8, 26, 27). Mas como que para
consolar Ana, pelo fato de ser estéril, lhe dava uma porção dobrada,[7] como se ela tivesse um
filho, demonstrando assim todo seu carinho para com ela. Como Von Gerlach
coloca, “Tu és tão querida para mim como
se tu tivesses me dado um filho”.
Provavelmente por causa desta
demonstração pública de Elcana para com Ana, a outra esposa Penina enciumada
não perdia oportunidade para zombar (extremamente barulhenta e clamorosa com
suas repreensões e zombarias) e humilhar Ana pelo fato dela ser estéril. As
versões antigas, a Septuaginta, a siríaca e a Vulgata, que são todas três mais
antigas que as vogais massoréticas, traduzem: “E assim ela (Penina) fez ano após ano”. Com que facilidade fazemos
das bênçãos de Deus (Penina tinha filhos) uma arma para ferir e humilhar
aqueles que não receberam as mesmas bênçãos. A exultação pelo infortúnio de
outrem é uma das formas mais detestáveis de malícia e o orgulho espiritual é
tão infernal quanto qualquer outro tipo de orgulho carnal.
Por isso Ana chorou e não comeu - sentindo-se oprimida pela
tristeza ela não estava disposta a comer nessa ocasião festiva, nem se
considerava preparada para partilhar da comida consagrada, tomada que estava
pela tristeza e pela humilhação continua de Penina. Muitas são as ocasiões em
que nos deixamos tomar pela tristeza e frustrações da vida ou pelas críticas e
humilhações impostas (Sl 42.3), de maneira que deixamos de nos alegrarmos na
presença de Deus, o que não nos trás nenhum beneficio e ainda aumenta a nossa
dor.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http.//historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Testamento: Literatura Histórica - 1º Samuel – Contexto Histórico
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[1] Ramathaim-zophim pode significar
"as duas colinas (cf.1Sm 9. 11-13) dos vigias", assim chamado por ser
um posto de onde os vigias observavam.
[2] O Targum faz uma interpretação
interessante no qual as palavras são parafraseadas assim, "e havia um
‘homem de Ramá’, dos discípulos dos profetas;”.
[3] Cidade situada a 8 quilômetros ao
norte de Jerusalém; local onde Raquel, mãe de José, e, portanto das tribos de
Efraim e de Manassés foi sepultada (Gn 35.19 e 48.7; Mt 2.18).
[4] A família dos coatitas, tinha o mais
alto nível sacerdotal, sendo a família que fornecia os sumos sacerdotes (cf. 1
Crônicas 6: 2). 15 ).
[5] As leis de Moisés - como no caso de
outra prática universalmente aceita, a escravidão - simplesmente procuram
restringi-la e limitá-la por meio de regulamentos sábios e humanos.
[6] O Senhor dos Exércitos - Este título
de Yahweh que, com algumas variações, é encontrado mais de 260 vezes no Primeiro
Testamento, ocorre aqui pela primeira vez. Inclui todas as miríades de santos
anjos que povoam as esferas celestes (1Rs 22.19). “Esta expressão, que não foi usada como um nome divino até a idade
de Samuel tinha suas raízes em Gênesis 2:1, embora o título em si fosse
desconhecido no período Mosaico e durante os tempos dos juízes. Representava
Jeová como governante das hostes celestes (isto é, os anjos, de acordo com
Gênesis 32.2, e as estrelas, de acordo com Isaías 40.26), que são chamados de
"exércitos" de Jeová no Salmo 103.21; Salmos 148.2; ... É
simplesmente aplicado a Jeová como o Deus do universo, que governa todos os
poderes do céu, visíveis e invisíveis, como Ele governa no céu e na terra”
(KEIL e DELITZSH, 1857). Ezequiel é o único profeta que não o usa, assim também
como não aparece no livro de Jó. No Segundo Testamento, a frase só ocorre uma
vez que (Tg 5.4).
[7] Uma escolha maior, de acordo com o
costume oriental de demostrar respeito a convidados queridos ou distintos.
(Veja em [232] 1Sa 9:24; veja também em [233] Gên 43:34).
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