Todos os filmes além dos atores principais há sempre um
numero expressivo de “figurantes”, aquelas pessoas que passam pelas cenas, mas
normalmente não falam absolutamente nada e por isso seus nomes acabam não sendo
mencionados. Mas sem a participação destes “figurantes” as cenas ficaram vazias
e sem sentido.
No evangelho redigido por Marcos encontramos uma pequena
lista de personagens cujos nomes ficaram desconhecidos. Mas alguns deles
participam efetivamente das cenas, todavia ficamos sem saber quem eram. Na
literatura extra bíblica alguns desses personagens têm sido identificados e
nomeados, todavia, na maioria das vezes são no mínimo questionáveis, quando não
totalmente inverossímil.
O
fato deles não serem identificados nominalmente significa que pode qualquer
pessoa, ou seja, estes personagens em seu anonimato tipificam as mais diversas
pessoas e situações da vida cotidiana.
Abaixo indicamos esses personagens anônimos e as respectivas
referências.
Personagens
Anônimos no Evangelho Segundo Marcos
|
Um
homem endemoninhado na Sinagoga (1.21-28)
|
A
Sogra de Pedro (1.29-30)
|
O
Geraseno endemoniado (5.1-20)
|
Uma
mulher com fluxo de sangue (5.25-34)
|
A
mãe de Herodias (6.24, 28)
|
Um
soldado da guarda de Herodes (6.27)
|
Uma
mulher síria-fenícia (7.24-30)
|
Dois
dos discípulos de Jesus (11.1-7; 14.13-16)
|
Um
escriba (12. 28-34)
|
Um
dos discípulos de Jesus (13.1)
|
Uma
Mulher que unge a cabeça de Jesus (14.3-9)
|
Um
escravo do sumo sacerdote (14.47)
|
Um
jovem que foge do Getsêmani nu (14.51-52)
|
Uma
serva do sumo sacerdote (14.66-69)
|
[dois
discípulos anônimos] - ([somente 16.12-13], cf. Lucas 24.13-35)
|
O
Geraseno Endemoniado (5.1-20)
Nada chama mais atenção do que um milagre e quando
envolve um exorcismo fica ainda mais atrativo. Os casos de possessão são enumerados
com várias doenças, mas sempre tratado de forma distinta delas. Outra
característica é o fato de que Jesus Cristo lida com esses casos, não como alguém
que sofre de insanidade mental, mas como uma pessoa que se encontra submisso a
um poder espiritual distinto dele próprio. De todos os casos registrados na
literatura evangélica não há outro descrito de forma tão minuciosa quanto este
registro de Marcos. Seus dois colegas sinóticos também registram esse
acontecimento (Mt 8.28-34; Lc 8.26-39), mas nenhum deles o faz de forma tão
completa e detalhada quanto Marcos.[1]
A
bíblia não explica como ocorre o processo da possessão, mas nas páginas do
Segundo Testamento o fato é tratado como algo real[2] e não psicológico (como
alguns querem explicar) e Jesus teve que tratar com essa situação muitas vezes
durante seu ministério terreno, mas como tudo o mais os evangelistas fizeram
uma seleção de quais situações registrariam. Essas narrativas não são
aleatórias, mas cada um dos evangelistas as utiliza dentro de seus propósitos
literários em harmonia aos seus leitores primários.
Um
aspecto importante é que o ser humano tornou-se sujeito aos poderes malignos
somente após a queda. O pecado não somente destruiu a imagem e semelhança que o
ser humano tinha com Deus, como escancarou sua vida para as ações dos espíritos
malignos, que assim como seu chefe mor somente entram na vida das pessoas para
– matar, roubar e destruir. Esta
narrativa marqueana ilustra de forma clara as consequências da atuação maligna
na vida humana.
Este acontecimento
ocorre logo após Jesus ter acalmado a grande tempestade que por pouco não levou
o pequeno barco ao naufrágio. Assim como Jesus tem pleno domínio sobre a
natureza, acalmando a violenta tempestade apenas com uma palavra, igualmente
possui autoridade plena sobre as coisas espirituais, incluindo os espíritos
malignos.
A
narrativa se inicia delimitando o espaço geográfico do acontecimento que será
narrado: “chegaram ao outro lado do lago,
o território [país] dos gerasenos [gadarenos]”.
Os romanos deram o nome de Decápolis (que significa 'dez cidades') a uma
extensa região situada em grande parte ao sul e a leste do mar da Galileia.
Seus habitantes eram principalmente gentios. Os evangelistas mencionam duas de
suas localidades, Gadara e Gerasa, e certas ocasiões em que Jesus visitou a
região.
Marcos nos oferece
muitos detalhes: o endemoniado vem “imediatamente”
ao encontro de Jesus e se prostra, não para adorar, mas em um gesto de vencidos
de guerra, reconhecendo a vitória de Jesus e rogando clemência: “Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?”,[3] mas como em outras
ocasiões
Jesus rejeita, ainda que correta, essa expressão proferida pelos
espíritos malignos.[4]
A degradação desse homem é total: vivia “entre
as sepulturas” e ninguém “podia
prendê-lo mesmo utilizando cadeias”;
perambulava sem direção, dia e noite, entre as montanhas e túmulos (nas
cavernas)[5] gritando e se autoflagelando, totalmente sem
roupas. Mateus (8.28) diz que ele era "excessivamente
feroz, para que ninguém passasse por aquele caminho", ele era o terror
de toda aquela região. Humanamente falando aquele homem não tinha nenhuma
esperança, mas Jesus veio para aqueles que não têm esperança de salvação por si
mesmo. Todos que o conheciam queriam se livrar dele, mas Jesus buscar e salvar
os párias da sociedade. Como o homem não tem seu nome identificado ele torna-se
uma perfeita representação do ser humano sem Deus e totalmente à mercê das
ações malignas.
Como de
vezes anteriores Jesus não toca e nem se utiliza de rituais (teatrais) como é
comum nos antigos e atuais “exorcistas”. Ele expulsa os demônios unicamente com
uma ordem (cf. Mt. 8.16), assim como fizera quando com apenas uma ordem fez
sossegar a imensa e destrutiva tempestade “sossegai”.
Mas
o evangelista torna a cena ainda mais dramática quando Jesus pergunta: “Qual é o seu nome?” e a resposta vem
imediata: “Meu nome é legião, pois somos
muitos”.[6]
O fato de não desejarem sair da região: “não
nos envia para fora desta região” demonstra que as ações desses demônios
não se restringiam apenas àquele homem, mas agiam por todo aquele espaço
geográfico, assim como as legiões romanas impunham violentamente a vontade do
Império sobre todas as pessoas e lugares. Que situação miserável deste homem!
Que situação desgraçada do ser humano sem Deus!
O
caráter desses seres infernais fica evidente no pedido que fazem
a Jesus, pois sabiam que teriam que abandonar o corpo daquele homem e que não
podiam resistir ao poder de Jesus: “envia-nos
para aqueles porcos”, pois havia uma vara de porcos próximo deles. Os
demônios temiam que Jesus os mandasse para o abismo (Lc 8.31; Ap 9.1-2; 9.11;
20.1-3), o que para eles teria significado tormento eterno e o fim de sua
liberdade de ação. Eles sabiam quem era Jesus e o que poderia fazer com eles.
O
texto nos revela que Jesus tem plena consciência da existência dos seres
malignos; de que eles apenas operam para o mal e que para eles uma vida humana
vale tanto quanto a de um porco (animal irracional). Informados imediatamente
por seus funcionários, a atitude dos proprietários da vara de porcos, que
possuídos pelos seres malignos se lançam de um despenhadeiro ali próximo, é
semelhante às dos demônios; ao invés de se alegrarem pelo pleno
restabelecimento da vida daquele homem, roga/suplica que Jesus saia de suas
terras, pois lhes causou um grande prejuízo financeiro. O dinheiro era mais
importante que a cura daquele homem ou a salvação de suas próprias almas, pois
ao rejeitarem Jesus estavam rejeitando a libertação que somente Ele poderia
lhes proporcionar e permaneceram reféns das artimanhas e influencias do diabo. Há
um sentimentalismo barato que tem prevalecido nos dias atuais, em que se
entristece e se compadece de um animal, mas não reação igual quanto à situação
miserável de milhões de pessoas. Na escala de valores de Deus, não nada tão importante
quanto uma alma humana.
Outro
detalhe interessante aqui é a reação de medo/temor de todas aquelas pessoas ao
verem aquele homem, que era o terror de toda aquela região, “assentado, vestido e em perfeito juízo
(com a mente saudável ou em suas perfeitas faculdades mental)”. Temeram a sanidade mental dele! Assim
como os discípulos se “espantaram”
quando Jesus acalmou a terrível tempestade, agora é de a vez daquela pequena
multidão ficar “espantados” com o
poder Jesus sobre os demônios.
Aquele
homem vendo-se agora completamente libertado da possessão demoníaca expressa
seu desejo de servir e seguir a Jesus, a reação imediata de todos que
experimentam uma genuína libertação do pecado. Todavia, a orientação de Jesus é
que ele permaneça naquela região e seja uma testemunha do que Jesus está
fazendo em favor das pessoas oprimidas pelo diabo, junto aos seus familiares e
demais moradores da cidade. E aqui temos uma
dupla dose de ironia:
enquanto
no território eminentemente judaico Jesus não incentivava as pessoas a anunciarem
suas ações (cf. 1.25, 34 e 44; 3.12), para não antecipar os eventos
relacionados à sua missão messiânica, mas aqui Ele orienta o homem liberto a
anunciar/proclamar/pregar a todos o que lhe havia acontecido, pois anunciar o
Evangelho não se trata apenas de dogmas teológicos, mas de compartilhar fatos
concretos que Jesus produziu na sua vida, na sua história;
a outra é que Jesus atende
aos pedidos dos demônios e dos moradores daquele lugar, mas não atende ao
pedido daquele homem que desejava ir com ele e servi-lo. Ser missionário para
Cristo, na região onde ele era tão conhecido e temido há tanto tempo, era um
chamado muito mais nobre do que segui-lo onde ninguém jamais ouvira falar dele.
E assim que Jesus partiu com os discípulos aquele homem liberto começou a anunciar
- não apenas entre seus familiares e amigos, mas "em Decápolis" – as dez cidades que perfazem toda aquela
região.
Essa
é a marca distintiva de uma genuína conversão – falar do que Jesus fez na sua
vida – e não apenas usufruir dos benefícios da salvação. O evangélico
materialista e hedonista apenas deseja “levar
vantagem” através do Evangelho, mas não tem o mínimo compromisso em
anunciar o que Jesus fez por ele, pois na verdade jamais experimentou uma real
conversão.
A
grande tática do diabo é ficar invisível ou imperceptível aos olhos humanos. O
ceticismo que predomina na mentalidade moderna e pós-moderna dos dias atuais
ignora completamente as ações malignas, bem como a própria existência de Deus.
O ceticismo é a melhor terra para Satanás lançar seu joio, de maneira que as
colheitas de vidas serão abundantes. Nunca se viu a maldade em escala tão
crescente como nesses últimos tempos; nunca se viu tanta violência (o numero de
homicídios extrapola todas as estatísticas) e miséria humana, da qual a “cracolândia”
é apenas um pequeno lampejo da destruição de vidas pelo caminho das drogas – é
impossível olhar tais cenas e não pensarmos neste homem descrito aqui no texto
evangélico de Marcos. As legiões tem se multiplicado por todas as cidades
brasileiras! Não há uma família que não tenha ao menos uma pessoa envolvida com
as drogas ou álcool.
E da
mesma forma que aconteceu naqueles dias, ainda hoje, somente Jesus pode
libertar o ser humano da escravidão de Satanás e do pecado. Somente a mensagem
simples do Evangelho ainda continua sendo o único poder para salvação de todo
aquele que crê.
Mas
enquanto as pessoas estão sofrendo horrivelmente debaixo das influências
malignas do inferno, os evangélicos brasileiros estão preocupados com seu time
de futebol, com a seleção brasileira, com a construção de novos templos (mais
confortáveis), com a troca do carro, da casa e alguns até dos cônjuges.
Da
mesma forma com que os sacerdotes alojados confortavelmente no suntuoso templo
que foi enriquecido por nada menos do que Herodes e que viviam à custa dos
ofertantes; assim como os fariseus, saduceus e escribas se digladiavam em
discussões teológicas inúteis e estéreis de amor ao próximo e semelhantemente
aos herodianos e zelotes que estavam preocupados em impor seus sistemas de
governo e dispostos a matarem por isso, o evangelicalismo brasileiro está
totalmente alienado da terrível realidade em que milhões de brasileiros vivem
debaixo das ações malignas e mortíferas das hostes infernais. É preciso ler e
reler continuamente essa passagem evangélica marqueana e que é repetida pelos
dois outros evangelistas que enfatiza por si só a importância de sua mensagem.
Quando
ouvirem o grito: “O Noivo chegou!”
Os evangélicos materialistas e hedonistas entraram em desespero, pois
verificaram que o azeite de suas lâmpadas está se acabando e desesperados irão
correr atrás de mais óleo, mas quando retornarem a porta [estreita] estará
fechada e eles ouviram as terríveis palavras: “Não vos conheço!” Despertai vós que dormes!
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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BETÂNIA: Lugar de Refrigério
e Vida
Referências Bibliográficas
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TUYA, Manuel de. Biblia
Comentada – Evangelios. Texto de la Nácar-Colunga, Parte
Va.
[1] Mateus nos informa que dois homens
possuídos por demônios vem ao encontro de Jesus (Mt 8.28), mas Marcos e Lucas
se concentram suas narrativas apenas em um deles, provavelmente por causa de
sua disposição de ir com Jesus e ser seu discípulo.
[2] Os evangelistas utilizam termos
específicos: Mateus afirma
expressamente que eles eram "possuídos
pelo diabo", ou “endemoniado”,
(δαιμονιζομενοι); Marcos diz que ele tinha "um
espírito impuro", isto é, um espírito caído; e Lucas afirma que ele "tinha
demônios por muito tempo", e era chamado de Legião, "porque muitos demônios
entraram nele".
[3] A expressão “Filho do Altíssimo” está
dentro do contexto judaico-helênico e na versão grega da Septuaginta está
sempre sendo proferida por pagãos em referência ao Deus de Israel (Gn 14.18-20;
Nm 24.16; 2Sm 22.14; Ex 15.1; Is 14.14; Jr 5.18, 21), o mesmo ocorrendo nas
literaturas do Segundo Testamento (Atos 16.17; Hb 7.1), bem como nos textos
produzidos pelos judeus da Diáspora.
[4] O primeiro ato de atividade pública
de Jesus é o confronto com o espírito maligno. O primeiro em uma sinagoga
judaica e agora em um espaço de predominância gentílica. Jesus vem para
realizar a Nova Criação, trazendo ordem e beleza onde há apenas caos e
escuridão.
[5] Os judeus não mantinham seus
sepulcros dentro das cidades, para que não fossem contaminados; portanto, eles
enterravam seus mortos nos campos ou montanhas. Seus sepulcros eram
frequentemente escavados na rocha nos lados das colinas de calcário, e eram
elevados e espaçosos, com câmaras de várias
dimensões, algumas com mais de 20 pés quadrados, com recessos nas laterais para
os corpos; para que os vivos pudessem entrar neles e ali depositarem
seus entes queridos.
[6] Uma legião romana nos dias de Augusto
poderia ter quase seis mil homens. Para todos os povos dominados pelo Império
Romano (em si mesmo um símbolo do mal cf. Apocalipse), aqui especialmente para
os judeus e posteriormente os cristãos, as legiões romanas eram símbolo de dor,
sofrimento e morte - um grupo bem organizado, armado, pronto para a guerra e
com grande poder de destruição. Perfeita ilustração do que representa Satanás e
seus demônios.
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