sábado, 17 de fevereiro de 2018

EVANGELHO SEGUNDO MARCOS: Personagens Anônimos (1.21-28)


                   Quando lemos os textos bíblicos nos empolgamos com alguns personagens que se sobressaem como Abraão, Moises, Davi no Primeiro Testamento, Pedro e Paulo no Segundo Testamento. E como esses tantos outros nomes vão surgindo no transcorrer da nossa leitura bíblica. Todavia, quer seja no Primeiro ou Segundo Testamentos surgem diversos personagens que apesar de vivenciarem situações específicas na narrativa eles não são identificados pelos nomes – ficam anônimos. (lista de personagens anônimos na Bíblia).
                   No evangelho redigido por Marcos encontramos uma pequena lista de personagens cujos nomes ficaram desconhecidos. Na literatura extra bíblica alguns desses personagens têm sido identificados e nomeados, todavia, na maioria das vezes são no mínimo questionáveis, quando não totalmente inverossímil.  Abaixo indicamos esses personagens anônimos e as respectivas referências.
Personagens Anônimos no Evangelho Segundo Marcos
Um homem endemoninhado na Sinagoga (1.21-28)
A Sogra de Pedro (1. 29-30)
O Geraseno endemoníado (5.1-20)
Uma mulher com fluxo de sangue (5.25-34)
A mãe de Herodias (6.24, 28)
Um soldado da guarda de Herodes (6.27)
Uma mulher síria-fenícia (7.24-30)
Dois dos discípulos de Jesus (11. 1-7; 14. 13-16)
Um escriba (12. 28-34)
Um dos discípulos de Jesus (13.1)
Uma Mulher que unge a cabeça de Jesus (14.3-9)
Um escravo do sumo sacerdote (14.47)
Um jovem que foge do Getsêmani nu (14.51-52)
Uma serva do sumo sacerdote (14.66-69)
[dois discípulos anônimos] - ([somente 16. 12-13], cf. Lucas 24. 13-35)

Um homem endemoninhado na Sinagoga (1.21-28)[1]
                   Logo após seu batismo e recolhimento no deserto por quarenta dias, Jesus inicia seu ministério terreno chamando seus primeiros discípulos às margens do Mar da Galileia. Suas atividades na região da Galileia perdurarão por um período provável de um ano, quando então subira à Judeia e Jerusalém, quando haverá de celebrar a primeira Páscoa com seus discípulos (cf. João 2.1-4, 43).
                   De acordo com a narrativa Jesus vai com seus discípulos para a cidade de Cafarnaum, que será por algum tempo sua base de atividades.[2] No sábado ele vai à Sinagoga[3] e lhe é dada a oportunidade para ensinar,[4] mas seu conhecimento da Torá e autoridade com que ensina logo chama atenção dos ouvintes (assim como ficaram extasiados os sacerdotes no Templo, quando ele tinha apenas doze anos), pois logo perceberam de que ele não era um simples mestre, pois tinha poder em suas palavras. Suas formulações eram como setas vindas diretamente de Deus mesmo. Maravilharam-se não apenas com suas palavras, mas também a forma como as proclamava, pois estavam acostumados com as repetições ritualísticas dos fariseus e escribas[5] que semanalmente por ali desfilavam seus parcos conhecimentos. Diferente da autoridade dos escribas, que se utilizavam somente das ideias de rabinos importantes, a autoridade de Jesus emanava dele mesmo, não era emprestada!
                   Em algum momento em que Jesus está ensinando, com autoridade e poder, manifesta-se um homem “com espírito imundo”, controlado pelo poder do espírito imundo (demônio) e começa a gritar e pedir que Jesus se retire daquele lugar: “Que temos nós contigo,[6] Jesus, nazareno?[7] Vieste destruir-nos?[8] Bem sei quem és: o Santo de Deus” (1.23-24). A presença de Jesus começa a desalojar os domínios de Satanás! Não há compatibilidade entre Jesus e os demônios. A autoridade de Jesus é plena de maneira que os demônios não têm como resistir – saem imediatamente – mesmo a contragosto (se contorcem e urram).[9] São eles os primeiros a reconhecerem a divindade de Jesus: “o Santo de Deus”.[10] Os próprios discípulos somente compreenderam realmente isso após a ressurreição e a propagaram a pleno pulmões somente após o Pentecostes – aqui a declaração em alto e bom som sai da boca dos demônios, que Tiago (2.19) posteriormente dirá que o inferno sabe exatamente quem é Jesus e o temem – ainda que jamais haverão de crer para a salvação.
                   Então Jesus ordena que se cale e o repreende: “Cala-te, e sai dele” (1.25), e imediatamente o espírito imundo convulsionando-o e clamando com grande voz saiu daquele homem (1.26). O fato de Jesus expulsar o demônio somente com uma ordem, sem qualquer ritual ou ação mágica, intensifica o caráter sobrenatural e a autoridade de seu ensino (vv. 22, 27). Hoje quando os pseudos evangélicos brasileiros se moldam com todo o sistema mundano e diabólico, o fato de Jesus em nenhum momento aceitar o “testemunho” dos demônios, ainda que estejam falando palavras verdadeiras, deveria servir de alerta e Jesus mesmo será mais enfático quando declara que naquele dia do juízo final muitos dirão que pregaram e ensinaram, cantaram e fizeram coreografias, até fizeram milagres e exorcismo em seu nome, mas ouvirão as terríveis palavras de condenação eterna: não vos conheço! Jesus não conhece e não reconhece esse evangelicalismo brasileiro secularizado, mundanizado e hedonista, pois estão associados ao inferno e não ao céu, são filhos de belial e não de Deus, são discípulos de Satanás e não discípulos de Cristo - não vos conheço!
                   Diante desta cena todos os presentes ficam extasiados e comentam entre si: “Que é isto? Uma nova doutrina com autoridade! Pois ele ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem! (1.27)”. Os evangelistas Mc/Lc interpretam esse milagre por duas vertentes: uma é que a partir desse momento o nome de Jesus passou a ser conhecido por toda aquela região e adjacências, de modo que pessoas de toda sorte começaram a se deslocar para Cafarnaum; a outra é que mais do que o exorcismo em si, o impacto sobre os presentes se deu pelo fato da “nova doutrina” e/ou “nova interpretação” trazida por Jesus ao texto sagrado, tanto em seu conteúdo quanto em seu método, pois estava “revestido de autoridade” (Lc 4.32; cf. Mt 7.28, 29).
Esse primeiro milagre tem dois objetivos nas narrativas Mc/Lc – apologético e escatológico. Ao exercer autoridade sobre o “espírito impuro” Jesus revela seu domínio sobre o reino do mal e a “nova doutrina” implica em que o reino “messiânico” já está em andamento (Mc 1.27; 2.21; Jo 13.34; 2Co 3.6; 5.17; Gl 6.15; cf. Jr 31.31).
                   Quem era esse homem endemoniado? Nada se informa sobre ele, apenas que estava no sábado na sinagoga, o que nos leva a crer que era frequentador das reuniões semanais que ali aconteciam. Pelo impacto causado nos demais ali presentes podemos inferir que fosse uma pessoa conhecida ou talvez até mesmo proeminente da comunidade, pois Cafarnaum não era tão grande a ponto da pessoa não ser reconhecida e a fama de Jesus ainda não tinha se espalhado por outras regiões, como ocorrera a partir deste episódio, atraindo multidões de desconhecidos para a cidade.
Quantas pessoas se assentam nos bancos das igrejas semanalmente, mas nada tem haver com Jesus. O culto lhes é totalmente indiferente e inócuo. Mas quando a mensagem evangélica é pregada com poder e autoridade advinda do Espírito Santo, só lhes resta se afastarem, mesmo a contragosto.
Desde o início Jesus não se permitia ser apenas um tópico de debate ou mesmo de admiração. Ele esperava que, aqueles que se aproximassem, cressem nele ou o rejeitassem. Ele nunca aceitou um termo intermediário, que representa a indecisão.      

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas
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TUYA, Manuel de. Biblia Comentada – Evangelios. Texto de la Nácar-Colunga, Parte Va.
UTLEY, Bob. Marcos, I e II Pedro – comentários. Marshall, Texas: 2003. [Série Guia de estudos e Comentário].




[1] Esse é o primeiro milagre registrado por Marcos e Lucas em suas narrativas evangélicas, mas que foi omitida por Mateus.
[2] Cafarnaum: No hebraico (povo de Naum) e alguns entende ser por causa do ministério profético de Naum. Ela não é mencionada no Primeiro Testamento e tudo que sabemos dela é extraído dos textos evangélicos. Esta cidade, situada na costa noroeste do lago da Galileia, foi o cen­tro das atividades de Jesus na região da Galileia. Cafarnaum era um centro de comércio e distribuição de peixes; com um centurião (8.5) e uma coletaria de impostos (Mt 9.9), não deixava de ter sua importância para os romanos. Nos dias de Jesus a cidade tinha adquirido certa relevância e sua Sinagoga tinha muito prestígio (Mc 1.21; Lc 7.5); após sua rejeição em Nazaré Jesus faz de Cafarnaum sua base de atividades (Mt 4.13; Jo 2.12), que passou a ser sua casa e sua cidade (Mc 2.1; 9.33; Mt 9.1). Muitos aceitam que Pedro e André são desta cidade (Mt 8.14; Mc 1.29; Lc 4.38). Além desse acontecimento na Sinagoga outros fatos ocorreram tendo Cafarnaum como palco (Jo 6.16-59; Mt 9.9; Mt 17.24ss; Lc 7.5; Mt 8.5-13; Jo 4.46ss; Mt 11.23; Lc 10.15). Após os acontecimentos evangélicos a cidade perdeu sua importância comercial e se tornou apenas ruínas. Atualmente tem sido um sítio arqueológico muito importante para os pesquisadores.
[3] As sinagogas ficaram populares após o cativeiro babilônico e se espalharam pelo mundo inteiro e também por toda região da Palestina judaica, mesmo nas pequenas vilas. Têm sido resgatados, através de um sítio arqueológico, vestígios de uma grande sinagoga na antiga cidade de Cafarnaum.
[4] As reuniões consistiam em oração, louvor, leitura das Escrituras e exposição feita por um mestre ou doutor ou pessoa competente – primeiro da Lei (Genesis-Deuteronômio)  e outra dos Profetas (Josué-Ester e Isaias-Malaquias). Lucas registra (4.20) Jesus lendo e devolvendo o rolo de Isaías ao ministro, ou assistente ou bedel que era responsável pela preservação e segurança do manuscrito e/ou rolo. Assim como Jesus o apóstolo Paulo também utilizou está prática de aproveitar as reuniões nas sinagogas para anunciar o Evangelho por todo o Império Romano.
[5] Os escribas eram os intelectuais (mestres e doutores) da época, no que se referia aos estudos da Torá. Apesar de não serem necessariamente adeptos de alguma seita judaica, uma maioria acabou se ajustando entre os fariseus por afinidades de ideais quanto ao valor intrínseco da Lei e suas interpretações.
[6] Esta expressão é usada com frequência no Primeiro Testamento (1Rs 17.18; 2Rs 3.13; 2Cr 35.21; etc), significado sempre uma inteira distinção de interesses, ou seja, não temos nada em comum, não te queremos. Um mesmo linguajar em Mateus 8.29, um dativo ético.
[7] Este epíteto era utilizado como pejorativo, porém em Jesus tornou-se  um título honroso para seus discípulos (Lc 18.37; Atos 2.22).
[8] Temos uma melhor compreensão do sentido desta frase se em lugar de se considera-la como uma oração interrogativa, a lermos como enunciativa. A chegada do reino de Deus implica no fim do poder dos demônios.
[9] E Isaías diz que o mal, representados nas potestades e demônios (cf. Paulo – Ef 2.2; 6.11, 12), serão no final aprisionado e julgado por Deus (Is 24.22 ss). Desta forma passou a ser um atributo do Filho do Homem quando da inauguração do reino messiânico. Isso explicação as palavras temerosas dos demônios.
[10] Essa denominação não era o título oficial ou usual do Messias, embora pudesse ser facilmente chamado disso. Na visão de Daniel (7.25) o povo de Deus é santo e, portanto, o Messias seria o santo por excelência (Atos 4.27; Ap 3.7). Foi assim identificado por Pedro também (Jo 6.69).

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