Todos os evangelistas compõe sua
narrativa dentro de suas perspectivas e livremente enfatizam aspectos
peculiares objetivando comunicar uma mensagem especifica para seus leitores
primários. Abaixo começamos a listar algumas características peculiares da
narrativa lucana:
Evangelho
do Espírito Santo: Desde as primeiras
linhas Lucas enfatiza a ação continua do Espírito Santo na vida e no ministério
de Jesus Cristo. O Precursor (João Batista) será cheio do Espírito (1.15);
Maria é fecundada pelo Espírito (1.35); Isabel, Zacarias e Simeão são cheios do
Espírito (1.43; 1.67; 2.25-28); no batismo o Espírito desce sobre Jesus (3.22);
Jesus inicia seu ministério público cheio do Espírito (4.1); Jesus cumpre a
profecia de Isaías relacionadas ao Espírito Santo (4.18); o Espírito capacita
Jesus a suportar a tentação e vencer o mal (4.1-2, 14); Jesus se alegra no
Espírito no retorno dos setenta (10.21); Jesus ensina que os discípulos
receberiam o Espírito (11.13; 24.49). Esta presença do Espírito na narrativa
lucana leva alguns a denominá-lo: “O Evangelho do Espírito Santo”.
Ênfase
no Templo: O templo é frequentemente
mencionado, não apenas na conexão dos relatos da Paixão, mas também
nas narrativas exclusivas da Natividade (1.8, 21-22; 2.27,
37), incluindo o material exclusivo da visita na puberdade (2.41-51). Após a
ascensão de Jesus os discípulos frequentam o Templo (24.53), como que
preparando o leitor para a importância central do Templo na vida da igreja
primitiva (Atos 2.46; 3.1).
Ministério
dos Anjos: As frequentes
referências aos anjos (mais de 20 vezes) servem para acentuar a consciência
da divindade do evento do Cristo (1.11,26; 2.9, 13).
Ênfase
na Oração: Mais do que em Mt e Mc
a oração tem papel proeminente no ensino e no exemplo de Jesus. Na seção
11.1-13 tendo Jesus orado (11.1), ele dá aos discípulos um modelo de oração “Pai nosso” (11.2-4) e
acrescenta duas parábolas (do amigo insistente e a do pai bondoso)
que indica ao que ora perseverança e confiança (11.5-13). Outras duas parábolas
completam esta quadro destacando a perseverança e a humildade (a viúva
importuna 18.1-8 e a do fariseu e do publicano 18.9-14). Em relação
à sua Segunda Vinda Jesus exorta seus discípulos a orar (21.36). Além das
referências comuns aos Sinóticos, Lucas cita ao menos mais nove vezes em que
Jesus orou: por ocasião de seu batismo (3.21); após a cura do leproso Jesus
orou no deserto (5.16); antes de escolher os Apóstolos (6.12); antes da
confissão de Pedro (9.18); por ocasião da Transfiguração (9.18s); antes de
ensinar a oração dominical (11.1s); antes da Paixão (22.32); crucificado, orou
pelos inimigos (23.34) e em oração pronuncia suas últimas palavras
(23.46). Se isto não é suficiente para nos motivar a orar, então nada
mais o será.
O
Evangelho do Louvor e da Alegria: Somente
Lucas registra uma das mais extraordinárias séries de Cânticos inspirados do
NT: o de Maria (Magnificat) 1.46-55; o de Zacarias (Benedictus)
1.68-79; o dos anjos (Glória in encelsis Deo) 2.14; o de Simeão (Nunc
dimittis) 2.29-32. Também Lucas utiliza uma expressão peculiar (MT e Mc não
utilizam) “louvar ‘bendizer’ a Deus”
ou “dar louvor (a Deus)” (cf. 1.64;
2.13,20,28; 18.43 [Mc 10.52]; 19.37 [Mc 11.7-10]; 24.53). A alegria é expressa
nestes cânticos e também o próprio Jesus exulta de alegria (10.21) e exorta
seus discípulos a se alegrar também (10.20). Lucas observa que o povo se
alegrava quando Jesus realizava seus sinais e maravilhas (13.17; 19.37). Ao
concluir seu escrito mais uma vez Lucas declara que os discípulos “voltaram cheios de alegria para Jerusalém, e
estavam continuamente no Templo louvando
a Deus” (24.52s).
O
Evangelho dos Pobres e Abandonados: Em
aberto contraste com a luxúria e riqueza ansiada pela sociedade em todos os
tempos, o Evangelho segundo Lucas destaca a atenção especial de Jesus para com
os pobres e rejeitados. Muitas passagens em Lucas contrastam a riqueza e a pobreza: (1.48-52) Maria é uma mulher pobre e simples; (2.7) Jesus
nasce numa estrebaria; (2.8-12) é aos pobres pastores que o nascimento é
anunciado primeiramente; (2.24) seus pais cumpre a Lei oferecendo a oferta dos
pobres [Lv 12.8]; (3.10-14) João Batista ensina uma atitude simples e pobre;
(4.18-21) em seu primeiro sermão Jesus diz que veio para “anunciar a Boa Nova aos pobres”;
(6.20-24) no Sermão do Monte onde Jesus faz referência ao pobre, Lucas inclui
um “Aí” de juízo quanto aos ricos; (12.16-21) Jesus exorta na parábola o perigo
de confiar nas riquezas; (12.33) Jesus exorta seus discípulos à vida simples e
pobre; (14.12-14) seus discípulos devem evitar interesses mesquinhos ou
cobiçosos; (16.14) os fariseus escarnecem de Jesus por causa de seu ensino
sobre a pobreza e Jesus responde com duas parábolas que ensinam a precariedade
dos bens materiais (16.19-31) e da necessidade de fazer bom uso dos bens
(16.1-9); na sequência Zaqueu é apresentado como modelo a ser seguido (19.8s). Este
ensino deveria levar os pregadores da prosperidade a uma reflexão e mudança no
tom de suas pregações.
Evangelho
da Salvação Universal: A preocupação
de Lucas é de que seus leitores possam entender muito claramente que Jesus não
é o Salvador de um povo especifico (judeus), mas de todos os povos. Começa fazendo uma
relação direta entre um Imperador romano César Augusto, com seu decreto
universal de recenseamento (2.1), que serve de pano de fundo para a comunicação
angelical do nascimento do Cristo Senhor, o Salvador – e tal nascimento se
constitui no autêntico “Evangélion”
em contraste com os precários “Evangélia” dos
Césares Romanos.[1] Jesus é o verdadeiro
Augusto, que haverá de implantar a tão almejada era de paz e abundância para
todos os povos.
Para deixar bem claro, Lucas faz questão de indicar que
Jesus não é apenas o “Filho
de Davi” ou o “Filho
de Abraão” (cf MT 1.1), mas o “Filho
de Adão” unindo tanto judeus quanto gentios. Simeão proclama esta
preciosa verdade de que o menino em seus braços seria “luz para iluminar os
gentios e glória do povo de Israel” (2.32). Ainda que acompanhe a citação de
Isaías 40.3 feita por MT e Mc, ele acrescenta o verso 5: “E toda carne verá a salvação de Deus”, que
inclui esta visão universal que permeia seu evangelho. A isto ele exemplifica
incluindo os samaritanos (10.30-37; 17.16), a viúva de Sarepta e o sírio Naamã
(4.25-27); pessoas virão de todas as nações para assentarem-se no reino de Deus
(13.29); os anjos ao proclamarem a paz de Jesus incluem todos os homens
(2.14).Caminhando para a conclusão deste seu primeiro volume ele registra as
palavras de Jesus: “Estava escrito que o Cristo devia sofrer e ressuscitar no
terceiro dia dentre os mortos e que em seu nome seria pregado o arrependimento
... a todas as nações, a começar por Jerusalém” (Lc 24.46s).
Entretanto, isto não significa que Israel tornou-se
desnecessário (1.30-33), mas apenas demonstra que Israel deve ser um canal de
bênção a todos os demais povos e não reter para si mesmo tão grande salvação.
O
Evangelho das Figuras Antitéticas: Lucas
utiliza de forma maravilhosa do contraste de figuras para representar atitudes
de animo ou afetos antitéticos: (1.11-22 e 1.26-38) o anjo Gabriel aparece duas
vezes para anunciar nascimentos milagrosos – a Zacarias que reage inicialmente
com incredulidade e por isso fica mudo, e a Maria que recebe com toda a fé e
por isso irrompe em cântico de louvor; (7.36-50) a pecadora arrependida é
agraciada, enquanto Simão, o fariseu cheio de si, é repreendido; (10.38-42)
duas irmãs que reagem diferentemente à chegada de Jesus em sua casa; (17.11-18)
dez leprosos são igualmente curados, nove são judeus ingratos, um é samaritano
que volta para agradecer e experimenta o perdão e a salvação; (18.9-14) dois
homens sobem ao templo para orar, o fariseu soberbo nada obtém, mas o publicano
humilde alcança misericórdia; (23.39-43) concluindo sua narrativa Lucas
descreve a cena dos dois ladrões ladeando o Jesus crucificado, um permanece na
incredulidade e o outro experimenta o arrependimento.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São
Paulo: Vida Nova, 1972.
[1] Na época dos Imperadores romanos, o
termo recebeu ênfase particular. O Monarca era tido como personagem divino,
doador e fautor de salvação para os súditos. Por isto eram consideradas boas noticias
(eu-angélia) a proclamação do nascimento de um herdeiro do trono, a de sua
maioridade e, principalmente, o anuncio de sua subida ao trono; tais
acontecimentos marcavam a vida pública, causando imensa alegria entre os
cidadãos, que julgavam cada vez, estar no limiar de era nova, portadora de paz
e prosperidade, em oposição aos gemidos e calamidades de épocas anteriores. As
datas de tão faustosos acontecimentos eram festejadas anualmente. Também os
decretos imperiais, tidos como oráculos da Divindade, eram recebidos como
eu-angélia (Bettencourt, Estevão. Como Entender os Evangelhos, Ed.
Agir, 1960, p.56).
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