quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

EXEGESE DE JOÃO 4.24 [*]

DATA, LUGAR E DESTINATÁRIOS

Data
A tradição da Igreja nos primeiros tempos situou o Evangelho de João no final do primeiro século, como o último dos Evangelhos canônicos.
Alguns críticos defendem uma data antes de 70 (mas depois de 65), tendo como base em algumas indicações do texto que apontam para uma ideia de que a cidade de Jerusalém e o conjunto arquitetônico do Templo ainda estariam funcionando, ou seja, antes de 70 d.C.; por exemplo, o evangelista escreve: “Ora, existe ali (em Jerusalém), junto à Porta das Ovelhas, um tanque” (Jo 5.2). O argumento seria conclusivo, como explica Carson, “a não ser pelo fato de que João frequentemente emprega o tempo presente do grego para referir-se a algo no passado” (2001, p. 189). Um estudioso chamado Erwin R. Goodenough, citado por Tenney, lançou a ideia de que João escreveu seu Evangelho por volta do ano 40 d.C., mas não encontrou respaldo para uma data tão primitiva (TENNEY, 1972, p. 197).
Outros por sua vez, cuja tendência é rejeitar a autoria de João, o apóstolo e filho de Zebedeu, é optar por uma data o quanto mais distante possível dos fatos registrados, onde alguns chegam a propor uma data de 200 d.C.[1], entretanto, a descoberta do Papiro 52, restringiu a circulação do quarto Evangelho a antes de 130 d.C., como nos indica Champlin (1987, p. 251) em seu comentário, e posteriormente outro documento foi descoberto, o Egerton Papiro 2 (PACK, 1983, p. 19). Pelo fato de que a produção de cópias era um trabalho artesanal e custoso, é possível que concluir que o autor o escreveu em um tempo anterior e que nesta data já havia uma ampla divulgação de seu texto evangélico.
Reforçando ainda mais a tese de uma data no primeiro século, temos as evidências de que o quarto evangelho foi largamente utilizado em círculos gnósticos, dos quais é possível encontrar em suas literaturas passagens similares aos evangelhos, inclusive o escrito por João.
Por fim, há uma herança testemunhal boa e antiga, como registra Carson, “de que o Apóstolo João viveu até idade avançada, chegando até o reinado do imperador Trajano (98 a 117 d.C.); veja Ireneu, Adv. Haer. 2.22.5; 3.3.4; citado por Eusébio, H.E. 3.23.3-4). Jerônimo, embora tenha vivido no século IV, coloca a morte de João no sexagésimo oitavo ano ‘depois da paixão de nosso Senhor’ (De vir. Ill. 9), isto é, por volta de 98” e, continua ele, citando mais “evidências patrísticas de que João foi o último dos evangelistas a escrever seu livro (Ireneu, Adv. Haer. 3.1.1; Clemente, citado por Eusébio, H.E. 6.14.7; o próprio Eusébio, H.E. 3.24.7)” (2001, p. 189-190).
Desta forma, tanto as evidências internas, quanto as externas, corroboram para se fixar a data de produção do Evangelho de João, no período entre 80 e 90 d.C. (CARSON, 2001, p. 191; HENDRIKSEN, 2004, p. 44), até que surjam novas e comprovadas evidências, está continuará sendo a opção mais abalizada.

Lugar
O consenso entre os críticos conservadores tem sido de que João escreveu seu Evangelho da região da Ásia Menor, mais especificamente na cidade de Éfeso.
Alguns críticos têm dispendido esforços em demonstrar, tendo como base algumas evidências interna e externa, que o local onde este Evangelho foi escrito, teria sido outras localidades, conforme abaixo citadas, entretanto, essas hipóteses não demonstraram serem suficientemente consistentes (cf. HULL, 1983, p.238; PACK, 1983, p. 19).
Uma forte candidata têm sido a cidade de Alexandria, pelo fato de que os papiros mais antigos deste quarto evangelho se encontram no Egito, bem como ali se sentia a forte influência da filosofia judaica de Filón, da qual alguns exageradamente veem uma dependência joanina.[2] Também nesta cidade proliferou os escritos herméticos (um tipo de misticismo especulativo que prevaleceu no Egito e em alguns outros lugares do mundo antigo) e que de forma tênue pode-se perceber alguma afinidade com certos pensamentos ou conceitos e de linguagem com o texto evangélico. Todavia, a questão é que não se tem qualquer vestígio sólido que vincule este evangelho com Alexandria, como, por outro lado, se verifica com Éfeso, e por isso a teoria não tem alcançado aceitação generalizada.
Também se tem pensado na cidade de Antioquia, da Síria, o grande centro missionário gentílico, por causa das afinidades com os escritos de Inácio de Antioquia e com outras obras contemporâneas da região Síria. Fortalecendo esta posição existe um fragmento, em siríaco, do comentário de Efrem, sobre o Diatessaron de Taciano, que diz: "João escreveu aquele (evangelho), em Antioquia, porquanto permaneceu no país, até os tempos de Trajano". A questão é que não se pode comprovar a exatidão dessa informação, porquanto não se sabe a origem final.
Alguns poucos defendem que João escreveu ainda na Palestina, advogam devido à sua grande familiaridade com detalhes culturais e topográficos peculiares à região, mas este não é um argumento incontestável, João poderia fazê-lo tranquilamente estando fora da região de origem. Um outro argumento é a similaridade entre este evangelho e os chamados Manuscritos do mar Morto, encontrados numa antiga comunidade dos essênios, que habitavam a palestina naqueles dias de João. Mas, não se pode esquecer que João é judeu e, portanto, familiarizado com a linguagem e conceitos religiosos essênios.
Os defensores de Éfeso se contrapõem às argumentações daqueles que afirmam ser impossível que o apóstolo João pudesse ainda estar vivo e morando em Éfeso, como tenta demonstrar M. Harnack. Entretanto, como concluem enfaticamente Bonnet e Schroeder a presença de João na cidade de Éfeso “é um fato que resiste a todos os ataques da crítica mais penetrante, e que deve ser considerado como demonstrado, pelo menos na medida em que os acontecimentos dessa época tão obscura são susceptíveis de demonstração” (1974, p. 15-17).
Desta forma, a cidade de Éfeso continua sendo a melhor opção, visto ser o local onde o velho Apóstolo terminou seus dias e também explica porque Atos e a carta aos Efésios não fazem qualquer alusão à João, uma vez que ele passou a morar ali ao menos uns vinte anos depois da morte de Paulo e quando o livro de Atos já havia sido redigido.

Destinatários
Este quarto evangelho em si não faz qualquer menção a seus destinatários primários. As inferências que podemos fazer estão relacionadas diretamente com o propósito pelo qual João escreve este evangelho. O texto de 20.31 estabelece seu público alvo: “Estes, porém, foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”. Assim, podemos deduzir ao menos dois públicos alvos do evangelista:
a) cristãos, no sentido de fortalecer a fé no que concerne à pessoa e obra de Cristo e combater algumas heresias que desde os primeiros anos tentavam colar no cristianismo, e foram duramente combatidas por Paulo em suas cartas, e que agora no final do primeiro século estavam ainda mais insidiosas no esforço de se alojarem dentro do cristianismo;[3]
b) não cristãos, visando à evangelização tanto de judeus da diáspora e prosélitos, mas também as pessoas de forma geral, argumentando e demonstrando que o Evangelho anunciado por Jesus era uma mensagem de salvação universal. Para Bruce, os destinatários imediatos possivelmente foram os   "membros das comunidades das sinagogas na área da dispersão em que viviam o evangelista e seus amigos" (1990, p.25).


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


Próximo artigo: Propósito do Quarto Evangelho

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EXEGESE DE JOÃO 4.24 - Autoria
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/01/exegese-de-joao-424.html 
NT - Evangelho de João: Contexto Religioso

Referências Bibliográficas
BONNET, Luis y SCHROEDER, Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora, 1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã, 2004. [v.1,].
HULL, W. E. Comentário Bíblico Broadman. Rio de Janeiro: JUERP, 1983. [v. 9].
MCARTHUR, John. Comentário Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo: Vida Cristã, 1983. TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. (São Paulo, Vida Nova, 1972) p.194.





[*] Trabalho Exegético no Evangelho Segundo João, para efeito de ordenação ao ministério pastoral.
[1] Faço menção de apenas alguns desses críticos e suas propostas de datação: F. C. Bauer (160-170); Volkmar (155); Zeller e Scholten (150); Hilgenfeld (130-140); Keim (130); Schenkel (115-120); Reuss, Nicolas, Renan, Sebatier, Hase (110-125); Scott E. F. (95-115).
[2] Conforme comentário de Carson, alguns estudiosos “têm visto uma influência de Filo, especialmente no que diz respeito ao emprego da palavra logos (‘palavra’ [NVI] ou ‘verbo’ [ARA]) em 1.1. Filón toma emprestado o conceito estoico da palavra como o princípio da realidade, o meio de criação e governo. Pode-se observar diversos outros paralelos” (2001, p. 179).
[3] Um claro exemplo é a de Cerinto, que viveu nos dias do Apóstolo João, ensinava que Jesus era meramente um ser humano, filho de Jose e Maria por geração natural, no entanto, era mais justo e sábio do que qualquer outra pessoa, que no batismo, o Cristo, na forma de uma pomba, havia descido sobre ele, mas o havia deixado novamente antes do sofrimento, de tal maneira que não foi o Cristo quem sofreu, morreu e ressuscitou, mas sim Jesus (Ireneu, Contra Heresias I, xxvi, 1/ Hipólito, Refutação de todas as Heresias VII, xxi). A ênfase no fato de que o Verbo (Jesus) se fez carne logo nas primeiras linhas do evangelho e as maldições sobre aqueles que rejeitam a encarnação de Jesus nas epístolas visam claramente corrigir tais interpretações equivocadas.

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