sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

SÍNTESE BÍBLICA – Juízes

            Uma das características mais fascinantes das narrativas bíblicas é que nelas seus personagens são plenamente humanos, com suas virtudes e defeitos. Seja um grande líder ou uma pessoa comum ou mesmo o povo em sua maioria, são retratados de forma nua e crua. Por isso podemos ler e nos identificar com esses milhares de personagens, que são verdadeiros espelhos de nós mesmos.
            O livro de Juízes é a sequência histórica natural do seu antecessor, o livro de Josué. Sob a liderança forte e carismática de Josué os israelitas foram tomando parte por parte o território dos povos canaanitas. Evidentemente que nem tudo foram flores, pois inumeráveis espinhos dificultaram tão extraordinária campanha bélica. Grande parte das dificuldades foram criadas pelos próprios israelitas, que para variar, nunca entenderam e atenderam para as orientações de Deus, e na maioria das vezes, metiam os pés pelas mãos (evidentemente nós nunca fazemos isso).
            Agora, Josué já foi sepultado, bem como seu grande companheiro de batalhas e fé, Calebe. Uma nova geração de israelitas está usufruindo as conquistas de seus pais. Mas como tudo que vem fácil, vai fácil, esta nova geração se “esqueceu” de tudo quanto Deus havia falado e feito e se sentiram desobrigados a viverem uma fé e religião que lhes privava das coisas prazerosas que Canaã oferecia. Tudo isso está sintetizado na frase que se constitui um refrão do livro de Juízes: “fizeram o que parecia mal aos olhos do Senhor”.
            Infelizmente o livro é uma ode triste e dramática de um povo e seus líderes que reiteradamente optam por se afastarem de seu Deus, que os havia libertado da escravidão, sustentado no deserto e lhes havia capacitado a tomarem posse de uma terra que lhes havia sido prometida ainda nos remotos dias de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés.
            Mas por outro lado, podemos encontrar nas páginas deste livro, a manifestação extraordinária da graça [favor não merecido] de Deus. Em poucas partes da bíblia podemos visualizar de forma tão concreta a longânime paciência de Deus, para com um povo ingrato e determinado a fazer o que desagrada a Deus.
            Há um ciclo pernicioso que se repete durante toda a narrativa deste livro (2.16-23): reincidência na desobediência (pecado); disciplina (invasão de povos inimigos); arrependimento (reconhece o pecado); livramento (providência de Deus) e período de paz (graça de Deus). Há pelo menos oito ciclos registrado neste livro, conforme nomeados abaixo.
            Mas esses ciclos não são apenas meras repetições, mas há uma terrível espiral descendente, onde a cada um desses ciclos os israelitas paulatinamente vão se afastando cada vez mais da vontade de Deus, claramente estabelecida na Aliança, cujos os termos foram registrados no Pentateuco. Desta forma, quanto mais se afastam do padrão de Deus, mais afundam na decadência e depravação das religiões e costumes dos povos canaanitas. Qualquer semelhança com o evangelicalismo brasileiro não é mera coincidência.
            No livro de Juízes os israelitas vivem continuamente no fio da navalha. A cada novo ciclo de desobediência aos termos da Aliança, mais se aproximam da decadência total. As conclusões do livro, com os registros de acontecimentos sórdidos, foram colocadas (alguns comentaristas dizem deslocadas) como um epitáfio de um período deprimente e degenerado do “povo de Deus”. Essa geração evangélica brasileira narcisista/hedonista está muito próxima de seu epitáfio.
            O título do livro “Juízes” (Shophetim) é decorrente dos diversos líderes que Deus levantou para liderar, libertar e governar as tribos. Esses líderes são tribais e nenhum deles de fato julgou todas as tribos. Não houve sucessores entre os juízes, como acontecem com os reis, e em alguns momentos mais de um juiz exerceu essa função simultaneamente. Entre eles destaca-se uma mulher, Débora, que diante da negativa de Baraque em assumir a liderança para a batalha, assumiu o papel de juíza, liderando e vencendo a batalha contra os inimigos que lhes oprimia.
            É preciso entender que os ciclos cronológicos citados na narrativa, 40 anos (uma geração), ou de seu múltiplo 80, ou ainda seus submúltiplos 20, 10, são simbólicos e não exatos, visto que o escritor certamente não possuía em mãos os dados exatos. Desta forma estabelecer uma cronologia do período de Juízes é muito complicado, pois a somatória simples do tempo que cada juiz exerceu sua função e as invasões somam 410 anos, de maneira que fica além da cronológica histórica da época.
            A escolha de cada juiz é feita por Deus, não necessariamente fundamentada no caráter dos escolhidos. Se houve juiz como Débora de caráter ilibado, houve também Gideão titubeante, Sansão inconsequente e Jefté que em um rompante idolatra acaba por condenar sua própria filha à morte. Evidentemente, que cada um deles foi chamado e cumpriu seus objetivos, unicamente por que Deus os capacitou, e não por causa de suas habilidades ou capacidades pessoais. Na verdade, nenhum deles, ou de nós, está apto por si mesmo a servir a Deus, pois como dizia acertadamente o poeta/rei Davi – “o meu pecado está sempre diante de mim”. Nas páginas da Bíblia não há super homem ou super mulher, apenas e tão somente, pecadores nas mãos de um Deus gracioso, que os capacita e sustenta, quando chamados a fazerem sua vontade e cumprir seus desígnios.
            O livro de Juízes (9.8) registra a primeira alegoria encontrada na Bíblia, provavelmente a primeira parábola. Uma alegoria é uma história na qual um significado é transmitido diferentemente do que está no texto ou sendo dito; serve para ilustrar uma verdade, que no caso as árvores representam pessoas que haverão de eleger ou escolher um rei para eles. Enquanto pessoas dignas (carvalhos) se omitirem os maus caráter (espinheiros) sempre governaram sobre o povo.  

Esboço Básico
I. Uma Retrospectiva (1 a 2.10)
II. Modelo do Ciclo de Apostasia (2.11 a 3.6)
1. Desobediência (2.11-13, 17, 19.
2. Consequência (2.14,15)
3. Arrependimento (2.18)
4. Libertação e Descanso (2.16)
            Esse ciclo se repete no transcorrer e todo o livro.
III. Autoexame (3.7 a Rute)
1. De forma geral (3.7 – 16) Ciclo de 12 Juízes
ü  Otniel (3.7-11) – Mesopotâmia
ü  Eúde (3.12-30) – Moabe
ü  Sangar (3.31) – Filistéia
ü  Débora e Baraque (4.1-5.31) Canaã (Hazor)
ü  Gideão (6.1-8.35) – Midiã
ü  Abimeleque, Tola e Jair (9.1-10.5) [sem inimigos externos]
ü  Jefté (10.6-12.7) – Amom
ü  Ibsã, Elom e Abdom (12.8-15) [sem inimigos externos]
ü  Sansão (13.1-16.31 – último dos juízes) - Filistéia
2. Especifico (17 – Rute) 02 episódios negativos e um positivo
ü  Mica e sua idolatria (17-18)
ü  Gibeá e Benjamim – atrocidade e guerra civil (19 – 21)
ü  Noemi e Rute – uma moabita é modelo de fé (livro de Rute)

Link com o Novo Testamento
            Há poucas referências deste livro no NT: Atos (13.20) faz referências a fatos ocorridos nos dias dos juízes; o livro de Hebreus (11.32) menciona literalmente alguns dos personagens de Juízes: Baraque (4); Gideão (6-8); Jefté (11-12) e Sansão (14-16); todos eles, apesar de suas fraquezas e imperfeições, são incluídos na “Galeria da Fé”.

Estatísticas: 7º livro da Bíblia; 21 capítulos; 618 versos; 23 vezes Deus comunica sua vontade; 15 povos lutam contra os israelitas (Filisteus – 3.31; Cananeus – 1.1-33; Sidônios – 3.3; Heveus – 3.5; Heteus – 3.5; Amorreus 1.34-36, 3.5; Ferezeus 1.4,5, 3.5; Jebuseus – 1.21, 3.5; Babilônios – 3.8-11; Moabitas 3.12-30; Amonitas – 3.13; Amalequitas – 3.13; Midianitas – 6.1-33; Ismaelitas – 8.24; Maonitas – 10.12).  

Cronologia História
            A elaboração de uma cronologia dos fatos históricos da bíblia é sempre um exercício difícil, pois nem sempre os acontecimentos são demarcados com indiscutível exatidão. Mesmo com o avanço expressivo da ciência arqueológica há muito que ignoramos da época Patriarcal (Genesis), dos primórdios de Israel e seu estabelecimento em Canaã (Êxodo-Rute). A partir da Monarquia (Davi) a cronologia começa a ter maior grau de exatidão e conciliação com a História geral da época.
Cronologia Histórica
História de Israel
Historia Geral
Egito-Palestina na época do Bronze Antigo

Império Antigo (2600-2500)

Império Médio (2100-1730)

Mesopotâmia
3ª dinastia de Ur (2100-2000)

Código de Hammurabi
rei de Babilônia
(1800)

Patriarcas
Época do Bronze Médio
Chegada de Abraão em Canaã
(próximo de 1850)

Jacó e sua família sobem para o Egito
(próximo 1700)
Opressão dos israelitas no Egito
Moisés e Josué


Egito – Ramsés II

(1304-1238)
Batalha em Cades (1286)

Saída dos israelitas do Egito
A Promulgação da Lei – Monte Sinai
(próximo de 1250)

Me. ipg

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