Diante do que foi abordado nos artigos anteriores podemos
afirmar com certeza de que os escritores dos Evangelhos Sinóticos não tiveram
uma única fonte “mestre” sobre a vida de Jesus. Ao
contrario, eles foram herdeiros de uma variedade de fontes, que se constituíam
na mensagem do Evangelho proclamada no transcorrer de muitos anos. O
prefácio com
que Lucas abre sua obra confirma que ao menos ele esteve atento para a
diversidade de informações, orais e escritas sobre a vida de
Jesus, que existiam e eram de conhecimento público (Lc.1.1-4). Ainda
que não possamos inferir muitas coisas desta declaração, podemos ao menos
deduzir sobre o que ele não diz:
ü Ele não define exatamente quem
foi os que lhe “transmitiram” estes
fatos. Ele também não esta apenas copilando fatos históricos, mas
seu objetivo é instruir o seu leitor sobre a “verdade”, neste contexto uma
referência à mensagem do Evangelho que extrapolava as fronteiras da igreja
primitiva. Isto é facilmente perceptível uma vez que este era apenas
o primeiro de dois volumes que seria concluído com Atos.
ü Ele também não diz precisamente como lhe “transmitiram” estes
fatos. Isto abre possibilidade de que ele pudesse ter incluído
material advindo de um ou dos dois outros Evangelhos (Marcos e
Mateus). Mas é igualmente possível que ele se referisse a uma ampla
tradição oral que se tinha formado no seio da igreja primitiva. Ou
ainda há a possibilidade de que ele se referisse a uma combinação entre a
tradição oral e documentos escritos.
ü Ele não define também o meio que
utilizou para “ordenar” estes fatos. Apressadamente podemos concluir
que ele o fez de forma cronológica, entretanto, a palavra grega por ele
utilizada não nos permite esta conclusão – o termo grego apenas indica a ideia
de algo que foi “copilado e/ou organizado” sem definir o método
utilizado. Isto indica que o escritor poderia utilizar o seu
material conforme os seus objetivos pré-estabelecidos e não apenas dentro da
rigidez cronológica dos acontecimentos. Relacionando com as
diferenças encontradas nos Evangelhos, podemos concluir que cada escritor
organiza teologicamente este material em função da ênfase que deseja dar à sua
mensagem, e não tanto uma preocupação cronológica.
ü Finalmente, o escritor não reivindica ser uma testemunha
ocular dos eventos por ele relacionado. Ele diz que os fatos por ele
utilizados tem origem em testemunhos oculares, ainda que mais uma vez não
defina se foram as pessoas que presenciaram estes fatos ou que estas pessoas os
haviam registrado e/ou documentado, mas não havia dúvida de sua parte de que as
informações eram fidedignas.
Ainda que os demais sinóticos não forneçam detalhes sobre
seu escrito, é razoável concluirmos que também trilharam o mesmo processo de
Lucas. Isto nos ajuda a compreendermos que os Evangelhos foram o
resultado de um processo deliberado de
preservar uma tradição já existente sobre a vida e ensino de Jesus, utilizado
pela igreja iniciante.
Deste modo, os Evangelhos com toda a sua diversidade se
constituem num testemunho fiel às fontes oculares. Os
objetivos preliminares proposto por cada escritor faz com que ele omita ou
inclua material; coloque um dito dentro de um determinado contexto; acrescente
comentários interpretativos; demonstrando não apenas uma criatividade em
escrever, mas muito mais um aspecto teológico determinado. O estudo
cuidadoso destes recursos habilitará o estudante sério das Escrituras a escutar e compreender o
testemunho dos Sinóticos em um nível mais profundo.
Esta ênfase numa análise redacional que nos leva a esta
questão dos Sinóticos também nos possibilita vermos os vários pontos de vista
da mensagem do Evangelho através de autores diferentes que foram norteados
pelos seus aspectos teológicos preestabelecidos, em vez de simplesmente serem
conduzidos por uma tradição estática. Eles não foram simplesmente editores ou copistas que
registraram os fatos sem emitirem nenhum comentário. Eles
desempenharam um papel
ativo no esforço de trazerem a mensagem viva do
Evangelho, dentro de um contexto determinado e com um propósito definido e
provavelmente para um público especifico.
As palavras de Bratcher,[1]
conforme abaixo, expressão de forma sucinta este extraordinário trabalho
realizado pelos evangelistas.
Os
escritores dos Evangelhos não mudaram a verdade básica da tradição em seu
testemunho de Jesus como o Cristo e revelação Pessoal de Deus. Mas
eles trataram sua mensagem como uma tradição viva que podia ser aplicada e
reaplicada na vida da comunidade da Fé para chamar pessoas a uma resposta fiel
àquela revelação e a Deus. Esta deve ser a maior contribuição que podemos
tirar do estudo do Problema dos Sinóticos, porque em última instância esta
também continua sendo a nossa tarefa hoje e deve se constituir também no
propósito pelo qual devemos continuar a estudar a Sagrada Escritura.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia Protestante
http.//historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Histórico dos Evangelhos
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