quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Evangelhos: A Questão Sinótica - Uma Introdução

O Segundo Testamento e/ou Novo Testamento abre-se com as quatro narrativas evangélicas. Os três primeiros são denominados de Evangelhos sinóticos,[1] pois compartilham os eventos narrados pela mesma ótica (vem de syn-opsis = visão geral), enquanto que o Evangelho segundo João faz uma abordagem distinta deles.
Os Evangelhos sinóticos tem sido alvo dos mais diversos estudos e ainda hoje há mais perguntas do que respostas. O comentarista bíblico Russell N. Champlin em seu artigo sobre este tema elenca algumas das questões que tem alimentado a discussão:
            1. Os evangelhos foram escritos "independentemente" uns dos outros, sem qualquer fonte comum oral e escrita, sendo narrativas somente feitas de memória?
            2. Se ouve fontes comuns escritas ou orais, de que natureza e quantas eram elas?
            3. Qual dos evangelhos sinópticos é primário? E esse evangelho foi usado diretamente como fonte de Informação pêlos demais evangelistas? Nesse caso, como explicar as diferenças, até mesmo no material em comum?
            4. Qual foi a fonte de material usado pêlos evangelhos não‑primários, naquilo em que estão de acordo entre si, nas passagens que não figuram em Marcos?
            5. Quando um evangelho não‑primário tem material peculiar a si mesmo, qual foi sua fonte informativa?
           6.  Quais foram as fontes informativas do evangelho primário?
As muitas semelhanças e as muitas dessemelhanças textuais entre eles ainda são fonte de inúmeras discussões e produção de hipóteses nos meios acadêmicos, ainda que para os leitores comuns essas discussões pouco importam, pois a leitura do conjunto dos Evangelhos continua sendo prazeroso e edificante.[2] Essa percepção de que as três narrativas evangélicas dialogavam entre si recebeu o nome de “Problema Sinótico”.
A palavra "evangelho" é usada apenas por Marcos (1.1); Mateus prefere falar de "livro" e Lucas de "história". O termo grego “euangelion” era utilizado pelos gregos para designar o mensageiro que trouxe “boas notícias”. Posteriormente essa palavra começou a ser utilizada para se referir às festividades relacionadas a entronização de um novo imperador ou pelo nascimento de seu herdeiro. Ao longo do tempo, a palavra evangelho tornou-se um termo técnico para falar sobre alegria produzida por boas notícias. Portanto, foi natural que Marcos tenha escolhido este termo para designar a Boa Notícia da Salvação através de Jesus Cristo.
Inicialmente o termo "evangelho" não se referia aos registros escritos, mas a memória oral da vida, missão, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Essa pregação apostólica foi preservada pelas comunidades cristãs. Mas na medida em que essas comunidades começaram a se multiplicar e se estender por todo o território do Império Romano, houve a necessidade de se registrar essa mensagem por duas razões: preservá-la das distorções (acréscimos e omissões), bem como utilizá-la para instrumento de ensino para os recém-convertidos e/ou catecúmenos. Os evangelhos são as únicas fontes genuínas escritas sobre Jesus, fora deles há muitas especulações e conjecturas. Somente por volta dos anos 150 d.C. é que as narrativas de Mateus, Marcos, Lucas e João recebem o nome "oficial" de "Evangelhos".
Ainda cedo houve diversas tentativas de amalgamar as quatro narrativas em um único texto e um pálido esforço de harmonizar as diferenças textuais intracanônicas. Um discípulo de Justino Mártir chamado Taciano (c. 110-172) de origem síria, produziu uma obra harmônica dos quatro evangelhos denominada de “Diatéssaron[3] ou “Quatro Fontes”, visando obter um texto único e abrangente. Começando com o prológo de João (1.1-18) e seguindo um roteiro com base no calendário religioso judaico conforme a cronologia encontrada no quarto evangelho, ele conseguiu produzir uma harmonização “coerente da vida e da mensagem de Jesus” (WALTER, 2010, p. 237). Essa obra alcançou bastante popularidade e no século IV podia se encontrar mais de duzentas cópias desta imensa obra (STEIN, 1989, p. 16).  Patricia Walters frisa que a harmonização de Taciano produziu uma “visão coerente da vida e da mensagem de Jesus” (apud, WALTERS, 2010, p. 237). Com efeito, o Diatessaron tornou-se bastante popular e, no século IV, havia mais de duzentas cópias de sua harmonia entre os evangelhos em uso (STEIN, 1989, p. 16).   
Apesar deste e tantos outros esforços que foram feitos para harmonizar ou padronizar as narrativas evangélicas, a Igreja cristã sempre as recebeu com reservas visto que os evangelistas não estavam escrevendo uma história ou biografia de Jesus como nos dias atuais, mas uma história teológica da vida de Jesus. Desta maneira que cada evangelista reuniu os testemunhos oculares apostólicos e de outros que presenciaram os acontecimentos sobre Jesus e os interpretou ou os adaptou de acordo com sua realidade e necessidades.
            É preciso destacar que os evangelistas além de preservarem a memória histórica de Jesus, eles interpretaram sua figura e sua mensagem à luz da ressurreição e da inspiração do Espírito Santo.
            O estudo não meramente especulativo acadêmico pode ser muito fascinante, pois oferece a oportunidade de conhecermos mais a respeito de Jesus, sua personalidade humana e divina, sua mensagem messiânica, seu relacionamento com os discípulos que é a origem do cristianismo. Evidente que haverá de trazer incômodos mediante a utilização dos métodos e abordagens exegéticas cada vez mais críticas que tem surgido nos tempos recentes.
            Mas se a nossa fé não suporta o levantamento dos questionamentos que haverão de surgirem, então é uma fé frágil e infantil. Os Evangelhos são e continuarão a ser o fundamento do Cristianismo e de sua Mensagem Cristã para todo aquele que crer.
            Evidente, como ficou indicado acima, que nossa abordagem não começara do zero, pois no transcorrer dos séculos gerações de exegetas e teólogos se debruçaram exaustivamente sobre esta questão sinótica.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Contexto Histórico dos Evangelhos
Contexto Político-social da Judéia


Referências Bibliográficas
BETTENCORT, Estevão.  Para Entender os Evangelhos. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1960.
BITTENCOURT, B. P. A Forma dos Evangelhos e a Problemática dos Sinóticos. São Paulo: Impressa Metodista, 1969.
CARSON, D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
DOUGLAS, J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HALE, Broadus DavidIntrodução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MIRANDA, 0. A., Estudos Introdutórios dos Evangelhos Sinóticos, São Paulo: Cultura Cristã, 1989.
RUSSELL, N. C. ‑ 0 Novo Testamento Interpretado, ed. 5ª, v. 1. São Paulo: Milenium, 1985.
STEIN, R. H. The Synoptic Problem: an introduction. Michigan: Baker Book House, 1989.
TENNEY, Merrill C.  O Novo Testamento – Sua Origem e Análise, 2 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1972.
WALTERS, Patricia. “The Synoptic Problem”. In: AUNE, David E. The Blackwell Companion to the New Testament. Malden, MA: Blackwell Publishing, 2010.



[1] O termo "sinopse" refere-se à colocação de textos do evangelho em Colunas paralelas para facilidade de análise.
[2] No início do segundo século Papias o bispo de Hierápolis afirmava que cada evangelho havia sido escrito por seus respectivos autores de forma independente. Está posição de Papias prevaleceu por séculos [as afirmações de Papias estão inseridas na obra “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesáreia (cerca de 263 a 339 aC)].
[3] O termo pode indicar o uso de quatro fontes ou simplesmente significar “harmonia”.

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