O Segundo Testamento e/ou Novo Testamento abre-se com as
quatro narrativas evangélicas. Os três primeiros são denominados de Evangelhos
sinóticos,[1] pois
compartilham os eventos narrados pela mesma ótica (vem de syn-opsis
= visão geral), enquanto que o Evangelho segundo João faz uma abordagem
distinta deles.
Os Evangelhos sinóticos tem sido alvo dos mais diversos
estudos e ainda hoje há mais perguntas do que respostas. O comentarista bíblico
Russell N. Champlin em seu artigo sobre este tema elenca algumas das questões
que tem alimentado a discussão:
1. Os
evangelhos foram escritos "independentemente" uns dos outros, sem
qualquer fonte comum oral e escrita, sendo narrativas somente feitas de
memória?
2. Se
ouve fontes comuns escritas ou orais, de que natureza e quantas eram
elas?
3. Qual
dos evangelhos sinópticos é primário? E esse evangelho foi usado
diretamente como fonte de Informação pêlos demais evangelistas? Nesse caso,
como explicar as diferenças, até mesmo no material em comum?
4. Qual foi a
fonte de material usado pêlos evangelhos não‑primários, naquilo em que estão de
acordo entre si, nas passagens que não figuram em Marcos?
5. Quando
um evangelho não‑primário tem material peculiar a si mesmo, qual foi sua fonte
informativa?
6. Quais
foram as fontes informativas do evangelho primário?
As muitas semelhanças e as muitas dessemelhanças
textuais entre eles ainda são fonte de inúmeras discussões e produção de
hipóteses nos meios acadêmicos, ainda que para os leitores comuns essas
discussões pouco importam, pois a leitura do conjunto dos Evangelhos continua
sendo prazeroso e edificante.[2] Essa
percepção de que as três narrativas evangélicas dialogavam entre si recebeu o
nome de “Problema
Sinótico”.
A palavra "evangelho" é usada apenas por Marcos (1.1);
Mateus prefere falar de "livro" e Lucas de "história".
O termo grego “euangelion” era utilizado pelos gregos para
designar o mensageiro que trouxe “boas notícias”. Posteriormente essa palavra
começou a ser utilizada para se referir às festividades relacionadas a entronização
de um novo imperador ou pelo nascimento de seu herdeiro. Ao longo do tempo, a
palavra evangelho tornou-se um termo técnico para falar sobre alegria produzida
por boas notícias. Portanto, foi natural que Marcos tenha escolhido este termo
para designar a Boa Notícia da Salvação através
de Jesus Cristo.
Inicialmente o termo "evangelho" não se referia
aos registros escritos, mas a memória oral da vida, missão, morte e
ressurreição de Jesus Cristo. Essa pregação apostólica foi preservada pelas comunidades
cristãs. Mas na medida em que essas comunidades começaram a se multiplicar e se
estender por todo o território do Império Romano, houve a necessidade de se
registrar essa mensagem por duas razões: preservá-la das distorções (acréscimos
e omissões), bem como utilizá-la para instrumento de ensino para os recém-convertidos
e/ou catecúmenos. Os evangelhos são as únicas fontes genuínas escritas sobre
Jesus, fora deles há muitas especulações e conjecturas. Somente por volta dos
anos 150 d.C. é que as narrativas de Mateus, Marcos,
Lucas e João recebem o nome "oficial" de "Evangelhos".
Ainda cedo houve diversas tentativas de amalgamar as quatro
narrativas em um único texto e um pálido esforço de harmonizar as diferenças textuais
intracanônicas. Um discípulo de Justino Mártir chamado Taciano (c. 110-172) de
origem síria, produziu uma obra harmônica dos quatro evangelhos denominada de “Diatéssaron”[3] ou “Quatro
Fontes”, visando obter um texto único
e abrangente. Começando com o prológo de João (1.1-18) e seguindo um roteiro
com base no calendário religioso judaico conforme a cronologia encontrada no
quarto evangelho, ele conseguiu produzir uma harmonização “coerente da vida e da mensagem de Jesus” (WALTER, 2010, p. 237).
Essa obra alcançou bastante popularidade e no século IV podia se encontrar mais
de duzentas cópias desta imensa obra (STEIN, 1989, p. 16). Patricia Walters frisa que a harmonização de
Taciano produziu uma “visão coerente da vida e da mensagem de Jesus” (apud, WALTERS,
2010, p. 237). Com efeito, o Diatessaron tornou-se bastante popular e, no
século IV, havia mais de duzentas cópias de sua harmonia entre os evangelhos em
uso (STEIN, 1989, p. 16).
Apesar deste e tantos outros esforços que foram feitos
para harmonizar ou padronizar as narrativas evangélicas, a Igreja cristã sempre
as recebeu com reservas visto que os evangelistas não estavam escrevendo uma
história ou biografia de Jesus como nos dias atuais, mas uma história teológica
da vida de Jesus. Desta maneira que cada evangelista reuniu os testemunhos
oculares apostólicos e de outros que presenciaram os acontecimentos sobre Jesus
e os interpretou ou os adaptou de acordo com sua realidade e necessidades.
É preciso destacar que os
evangelistas além de preservarem a memória histórica de Jesus, eles
interpretaram sua figura e sua mensagem à luz da ressurreição e da inspiração
do Espírito Santo.
O estudo não meramente especulativo
acadêmico pode ser muito fascinante, pois oferece a oportunidade de conhecermos
mais a respeito de Jesus, sua personalidade humana e divina, sua mensagem
messiânica, seu relacionamento com os discípulos que é a origem do
cristianismo. Evidente que haverá de trazer incômodos mediante a utilização dos
métodos e abordagens exegéticas cada vez mais críticas que tem surgido nos
tempos recentes.
Mas se a nossa fé não suporta o
levantamento dos questionamentos que haverão de surgirem, então é uma fé frágil
e infantil. Os Evangelhos são e continuarão a ser o fundamento do Cristianismo
e de sua Mensagem Cristã para todo aquele que crer.
Evidente, como ficou indicado acima,
que nossa abordagem não começara do zero, pois no transcorrer dos séculos
gerações de exegetas e teólogos se debruçaram exaustivamente sobre esta questão
sinótica.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Artigos Relacionados
NT
– Introdução Geral
Contexto Histórico dos Evangelhos
Contexto Político-social da Judéia
Referências
Bibliográficas
BETTENCORT,
Estevão. Para Entender os Evangelhos. Rio de Janeiro:
Livraria Agir Editora, 1960.
BITTENCOURT, B. P. A Forma dos Evangelhos e a Problemática dos
Sinóticos. São Paulo: Impressa Metodista, 1969.
CARSON,
D. A., MOO, Douglas J. e MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1997.
DOUGLAS,
J. D. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1995.
HALE, Broadus David. Introdução ao estudo do Novo Testamento.
Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
MIRANDA,
0. A., Estudos Introdutórios dos Evangelhos Sinóticos, São
Paulo: Cultura Cristã, 1989.
RUSSELL,
N. C. ‑ 0 Novo Testamento Interpretado, ed. 5ª, v. 1. São Paulo:
Milenium, 1985.
STEIN,
R. H. The Synoptic Problem: an
introduction. Michigan: Baker Book House, 1989.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – Sua Origem e Análise,
2 ed. São Paulo: Edições Vida Nova, 1972.
WALTERS,
Patricia. “The Synoptic Problem”.
In: AUNE, David E. The Blackwell Companion to the New Testament. Malden, MA:
Blackwell Publishing, 2010.
[1] O
termo "sinopse" refere-se à colocação de textos do evangelho em
Colunas paralelas para facilidade de análise.
[2]
No início do segundo século Papias o bispo de Hierápolis afirmava que cada
evangelho havia sido escrito por seus respectivos autores de forma
independente. Está posição de Papias prevaleceu por séculos [as afirmações de
Papias estão inseridas na obra “História Eclesiástica” de Eusébio de Cesáreia
(cerca de 263 a 339 aC)].
[3] O
termo pode indicar o uso de quatro fontes ou simplesmente significar
“harmonia”.
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