terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Evangelhos: A Questão Sinótica – Propostas de Solução


Até agora já vimos que os Evangelhos Sinóticos tem muitas características semelhantes, mas, também possuem muitas diferenças (concordia discors). Neste ponto do nosso estudo haveremos de examinarmos algumas possíveis explicações para esta problemática sinótica, não nos esquecendo nunca de que nenhuma delas é por si suficiente para esclarecer todos os pormenores, como tão bem coloca Bittencourt:
A solução do problema sinótico, das numerosas seme­lhanças entre os três primeiros evangelhos, do ponto de vista da ordem, redação e conteúdo, tem sido procurada através dos séculos e as mais variadas soluções tê em sido proposta. Desde os tempos da primeira harmonia dos evangelhos, ou melhor, de uma tentativa para organiza-Ia, representada pelo Diatessarão,de Taciano (que se encon­tra ainda dentro do século II), passando pelas tradições incorporadas por Eusébio de Cesaréia em sua História Eclasiástica, representando Clemente de Alexandria a in­formar haver recebido tradição desde o tempo dos presbí­teros, com referência à ordem na qual os evangelhos haviam sido escritos ("os que contêm as genealogias foram escritos primeiro", VI .14.5), até Agostinho e os críticos mo­dernos, a luta não tem cessado e uma conclusão definitiva e indispensável está ainda por vir (1969).
A Hipótese da Mutua Dependência
            A mais antiga e talvez a primeira tentativa de explicar como se relacionam entre si os evangelhos sinóticos vem de Agostinho , cuja opinião era de que Mateus foi o primeiro a ser escrito e que Marcos se utilizou dele para fazer uma espécie de resumo, enquanto Lucas utiliza‑se tanto do primeiro quanto do segundo para elaborar o seu. Hale esclarece que essa proposta de Agostinho surgiu porque ele estava cônscio de que o Evangelho de Mateus era bem conhecido no segundo século e era sempre listado em primeiro lugar, em toda lista dos livros do Novo Testamento (1983, p.56). Esta opinião do querido teólogo perdurou até aproximadamente 1835, com algumas variações.
No transcorrer do tempo a proposta de Agostinho foi sendo modificada. As diversas variações baseiam-se na questão da ordem cronológica dos três sinóticos ( e sendo produzida diversas variações (quem escreveu primeiro?). Mas quando examinadas apenas três propostas demonstram capacidade de sustentação: A primeira sequência proposta por Agostinho [Mateus Marcos ‑ Lucas] conforme exposto acima; uma segunda variação [Mateus – Lucas – Marcos] é comumente denominada de Hipótese de Griesbach, (1776) onde Mateus redigiu o primeiro evangelho e serviu de fonte para o autor de Lucas e Marcos, e este por sua vez, escrevendo por último, serviu-se de Mateus e Lucas como suas fontes primárias; uma terceira sequência [Mateus ‑ Lucas ‑ Marcos] onde Marcos é totalmente dependente de Mateus e Lucas, enquanto os dois últimos são totalmente independentes um do outro  (C. Lachmann-1835); e a quarta sequência [Marcos‑Mateus e Marcos‑Lucas] que firmou-se como a mais aceitável entre a maioria dos estudiosos e tem sido associada a H. J. Holtzmann (1863) e B. H. Streeter (1924) e segundo eles Marcos seria o primeiro evangelho escrito e teria sido usado, independentemente, por Mateus e Lucas, ficando conhecida como a hipótese da prioridade marcana.
A Suposição de um Proto‑Evangelho e/ou Evangelho Primitivo
Essa hipótese foi proposta por G.E. Lessing (1778) e apresentada de forma mais matizada e complexa por J.C. Eichhorn,(1804) e mais recentemente esmiuçada por Rolland (1984) que acreditavam que houve um evangelho original do qual os três evangelistas sinóticos extraíram o seu material.
De acordo com esta hipótese, os evangelhos seriam diferentes traduções e seleções de um registro apostólico escrito em aramaico, denominado de "Evangelho dos Nazarenos".   As diferenças narrativas dos evangelistas canônicos se daria pelo fato de que utilizaram-se de diferentes versões do "Evangelho dos Nazarenos" que circulavam por aqueles dias. A base para estas suposições é uma declaração de Papias[1] de que "Mateus compôs os logia [textos, narrativas, registros] em língua hebraica, cada um depois os interpretou segundo suas capacidades" (Eusébio, "História Eclesiástica" III, 39, 17). Essa hipótese explica melhor os materiais que os sinóticos tem em comum, mas deixa muitas questões em aberto. Se os autores tinham todo esse material diante de si, por que então não o incluíram todo para atingir os seus objetivos? Esta explicação é muito prejudicada pelo fato de não haver qualquer vestígio da existência deste Evangelho escrito em aramaico.
A Proposta de uma Tradição Oral e/ou Memorabilia
Os expositores desta hipótese (J. G. Herder-1797) parte do pressuposto de que não havia documentos escritos sobre o ministério de Jesus antes da produção dos evangelhos canônicos. Assim sendo, a única fonte dos escritores sinóticos foi a "memorabilia" do ministério de Jesus, preservada nas pregações públicas e nos ensinos dos apóstolos e dos demais discípulos que estiveram com o Senhor Jesus Cristo. Os aspectos defendidos nesta posição são:
- não se discute o fato de que as narrativas da vida e dos ensinos de Jesus foram transmitidas em forma oral pelas suas testemunhas, em principio;
- documentos antigos (Papias) nos informam ‑ que o Evangelho de Marcos consta da pregação do Apóstolo Pedro, transcritas por solicitação dos seus ouvintes;
- os judeus tinham uma preferência pelo ensino oral;
- há provas de que existiu um grupo catequizador, responsável em instruir os novos crentes, utilizando‑se deste método oral.
Assim, concluem os defensores desta hipótese, as semelhanças diferenças entre as três narrativas sinóticas é decorrentes do fato de que seus escritores utilizaram‑se desta multiplicidade de pregações e ensinos disseminadas em diferentes lugares por vários grupos.
Não resta duvidas de que a tradição oral exerceu uma função importante para a pré‑história dos evangelhos. Todavia, são tremendas as dificuldades para se explicar o fato de que o evangelho foi preservado, com todas as suas múltiplas particularidades, por memória, por um período tão longo de tempo. E ainda mais, esta memorização tinha que ser feita tão rapidamente quanto o Evangelho se propagava por todo o mundo, criando‑se então uma necessidade urgente de traduzi‑lo para novos idiomas quase que simultaneamente. Por tudo isto, a tarefa de supervisão deste trabalho seria impossível. Também não explica satisfatoriamente as concordâncias, às vezes literais, e a sucessão das Perícopes em ordem idêntica.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas
BITTENCOURT, B. P. A Forma dos Evangelhos e a Problemática dos Sinóticos. São Paulo: Impressa Metodista, 1969.
CARSON, D.A.; MOO, D.J. Moo & MORRIS, L. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997.
HALE, Broadus DavidIntrodução ao estudo do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
HENDRIKSEN, Guillermo. El Evangelho Secunto San Mateo -  Comentário del Nuevo Testamento. Subcomisión. Literatura Cristiana, EE. UU., 1986.
HORSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. São Paulo: Editora Evangélica Esperança, 1996.
BORNKAMM, Gunther. Bíblia – Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica e Paulus, 3ª ed., 2003.
SICRE, José LuisIntrodução aos Evangelhos (Um encontro fascinante com Jesus), v.1. São Paulo: Editora Paulinas, 2004.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – Sua Origem e Análise. São Paulo: Shedd Publicações, 2007, (anteriormente produzido pelas Edições Vida Nova).
SHREINER, J & DAUTZENBERG, G. Forma e Exigências do Novo Testamento. São Paulo: Editora Teológica, 2ª ed. 2004.





[1][1] Papias de Hierapolis, na Frígia, notável escritor cristão e prelado do período patrístico, é uma das testemunhas mais importantes da autenticidade do Evangelho de João. Papias nasceu no 2º século, e por fim sofreu o martírio.

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