Quando lemos os textos
bíblicos nos empolgamos com alguns personagens que se sobressaem como Abraão,
Moises, Davi no Primeiro Testamento, Pedro e Paulo no Segundo Testamento. E
como esses tantos outros nomes vão surgindo no transcorrer da nossa leitura
bíblica. Todavia, quer seja no Primeiro ou Segundo Testamentos surgem diversos
personagens que apesar de vivenciarem situações específicas na narrativa eles
não são identificados pelos nomes – ficam anônimos. (lista de personagens
anônimos na Bíblia).
No evangelho redigido por
Marcos encontramos uma pequena lista de personagens cujos nomes ficaram
desconhecidos. Na literatura extra bíblica alguns desses personagens têm sido
identificados e nomeados, todavia, na maioria das vezes são no mínimo questionáveis,
quando não totalmente inverossímil. Abaixo
indicamos esses personagens anônimos e as respectivas referências.
Personagens Anônimos no
Evangelho Segundo Marcos
|
Um
homem endemoninhado na Sinagoga (1.21-28)
|
A Sogra de Pedro (1. 29-30)
|
O Geraseno endemoníado (5.1-20)
|
Uma mulher com fluxo de sangue (5.25-34)
|
A mãe de Herodias (6.24, 28)
|
Um soldado da guarda de Herodes (6.27)
|
Uma mulher síria-fenícia (7.24-30)
|
Dois dos discípulos de Jesus (11. 1-7; 14.
13-16)
|
Um escriba (12. 28-34)
|
Um dos discípulos de Jesus (13.1)
|
Uma Mulher que unge a cabeça de Jesus
(14.3-9)
|
Um escravo do sumo sacerdote (14.47)
|
Um jovem que foge do Getsêmani nu (14.51-52)
|
Uma serva do sumo sacerdote (14.66-69)
|
[dois discípulos anônimos] - ([somente 16.
12-13], cf. Lucas 24. 13-35)
|
Um homem endemoninhado na Sinagoga (1.21-28)[1]
Logo após seu batismo e
recolhimento no deserto por quarenta dias, Jesus inicia seu ministério terreno
chamando seus primeiros discípulos às margens do Mar da Galileia. Suas
atividades na região da Galileia perdurarão por um período provável de um ano,
quando então subira à Judeia e Jerusalém, quando haverá de celebrar a primeira
Páscoa com seus discípulos (cf. João 2.1-4, 43).
De acordo com a narrativa
Jesus vai com seus discípulos para a cidade de Cafarnaum, que será por algum
tempo sua base de atividades.[2] No
sábado ele vai à Sinagoga[3] e lhe
é dada a oportunidade para ensinar,[4]
mas seu conhecimento da Torá e autoridade com que ensina logo chama atenção dos
ouvintes (assim como ficaram extasiados os sacerdotes no Templo, quando ele
tinha apenas doze anos), pois logo perceberam de que ele não era um simples
mestre, pois tinha poder em suas palavras. Suas formulações eram como setas
vindas diretamente de Deus mesmo. Maravilharam-se não apenas com suas palavras,
mas também a forma como as proclamava, pois estavam acostumados com as
repetições ritualísticas dos fariseus e escribas[5]
que semanalmente por ali desfilavam seus parcos conhecimentos. Diferente da
autoridade dos escribas, que se utilizavam somente das ideias de rabinos
importantes, a autoridade de Jesus emanava dele mesmo, não era emprestada!
Em algum momento em que Jesus
está ensinando, com autoridade e poder, manifesta-se um homem “com espírito
imundo”, controlado pelo poder do espírito imundo (demônio) e começa a gritar e
pedir que Jesus se retire daquele lugar: “Que
temos nós contigo,[6]
Jesus, nazareno?[7]
Vieste destruir-nos?[8]
Bem sei quem és: o Santo de Deus” (1.23-24). A presença de Jesus
começa a desalojar os domínios de Satanás! Não há compatibilidade entre Jesus e
os demônios. A autoridade de Jesus é plena de maneira que os demônios não têm
como resistir – saem imediatamente – mesmo a contragosto (se contorcem e
urram).[9]
São eles os primeiros a reconhecerem a divindade de Jesus: “o Santo de Deus”.[10]
Os próprios discípulos somente compreenderam realmente isso após a ressurreição
e a propagaram a pleno pulmões somente após o Pentecostes – aqui a declaração
em alto e bom som sai da boca dos demônios, que Tiago (2.19) posteriormente
dirá que o inferno sabe exatamente quem é Jesus e o temem – ainda que jamais
haverão de crer para a salvação.
Então Jesus ordena que se
cale e o repreende: “Cala-te, e sai dele”
(1.25), e imediatamente o espírito imundo convulsionando-o e clamando com
grande voz saiu daquele homem (1.26). O fato de Jesus expulsar o demônio
somente com uma ordem, sem qualquer ritual ou ação mágica, intensifica o
caráter sobrenatural e a autoridade de seu ensino (vv. 22, 27). Hoje quando os
pseudos evangélicos brasileiros se moldam com todo o sistema mundano e
diabólico, o fato de Jesus em nenhum momento aceitar o “testemunho” dos
demônios, ainda que estejam falando palavras verdadeiras, deveria servir de
alerta e Jesus mesmo será mais enfático quando declara que naquele dia do juízo
final muitos dirão que pregaram e ensinaram, cantaram e fizeram coreografias,
até fizeram milagres e exorcismo em seu nome, mas ouvirão as terríveis palavras
de condenação eterna: não vos
conheço! Jesus não conhece e não reconhece esse evangelicalismo
brasileiro secularizado, mundanizado e hedonista, pois estão associados ao
inferno e não ao céu, são filhos de belial e não de Deus, são discípulos de
Satanás e não discípulos de Cristo - não vos
conheço!
Diante desta cena todos os
presentes ficam extasiados e comentam entre si: “Que é isto? Uma nova doutrina com autoridade! Pois ele
ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem! (1.27)”. Os
evangelistas Mc/Lc interpretam esse milagre por duas vertentes: uma é que a
partir desse momento o nome de Jesus passou a ser conhecido por toda aquela
região e adjacências, de modo que pessoas de toda sorte começaram a se deslocar
para Cafarnaum; a outra é que mais do que o exorcismo em si, o impacto sobre os
presentes se deu pelo fato da “nova doutrina” e/ou “nova interpretação” trazida
por Jesus ao texto sagrado, tanto em seu conteúdo quanto em seu método, pois
estava “revestido de autoridade” (Lc 4.32; cf. Mt 7.28, 29).
Esse primeiro milagre tem dois objetivos nas narrativas
Mc/Lc – apologético e
escatológico. Ao exercer autoridade sobre o
“espírito impuro” Jesus revela seu domínio sobre o reino do mal e a “nova
doutrina” implica em que o reino “messiânico” já está em andamento (Mc 1.27;
2.21; Jo 13.34; 2Co 3.6; 5.17; Gl 6.15; cf. Jr 31.31).
Quem era esse homem endemoniado? Nada
se informa sobre ele, apenas que estava no sábado na sinagoga, o que nos leva a
crer que era frequentador das reuniões semanais que ali aconteciam. Pelo
impacto causado nos demais ali presentes podemos inferir que fosse uma pessoa
conhecida ou talvez até mesmo proeminente da comunidade, pois Cafarnaum não era
tão grande a ponto da pessoa não ser reconhecida e a fama de Jesus ainda não
tinha se espalhado por outras regiões, como ocorrera a partir deste episódio,
atraindo multidões de desconhecidos para a cidade.
Quantas pessoas se assentam nos bancos das igrejas
semanalmente, mas nada tem haver com Jesus. O culto lhes é totalmente
indiferente e inócuo. Mas quando a mensagem evangélica é pregada com poder e autoridade
advinda do Espírito Santo, só lhes resta se afastarem, mesmo a contragosto.
Desde o início Jesus não se permitia ser apenas um tópico
de debate ou mesmo de admiração. Ele esperava que, aqueles que se aproximassem,
cressem nele ou o rejeitassem. Ele
nunca aceitou um termo intermediário, que representa a indecisão.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Artigos Relacionados
O
termo Evangelho segundo Marcos
Galeria
da Páscoa: A Negação de Pedro
Jesus
no Templo: Evangelho Segundo Marcos
Entrada
Triunfal de Jesus: Evangelho Segundo Marcos
A
Última Viagem de Jesus para Jerusalém
BETÂNIA:
Lugar de Refrigério e Vida
Referências Bibliográficas
ANDERSON,
Hugh. The Gospel of Mark. London: Marshall, Morgan & Scott,
1976.
BETTENCOURT,
Estevão. Para Entender os Evangelhos. Rio de Janeiro: Agir,
1960.
BONNET,
L. e SCHROEDER, A. Comentario del Nuevo
Testamento – evangelios sinópticos. Argentina: Casa Bautista de
Publicaciones, 1970.
CARSON
D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: ed. Vida Nova, 1997.
CHAMPLIN,
Russell Norman. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São
Paulo: Hagnos, 2006, 8ª ed.
CRANFIELD,
C. E. B. The Gospel According to St. Mark. Cambridge:
Cambridge University Press, 1966.
GUTHIRIE,
Donald. New Testament Introduction. Illinois: Inter-Varsity
Press, 1980.
LEAL,
João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado
da Imprensa, 1945.
HENDRIKSEN,
William. Comentário do Novo Testamento – Marcos. São Paulo:
Cultura Cristã, 2003.
MORRIS,
Carlos A. (Editor). Comentario bíblico del
continente nuevo - Evangelio según San Marcos. Miami, EUA: Editorial
UNILIT, 1992.
MULHOLLAND,
Dewey M. Marcos – introdução e comentário. Tradução de Maria
Judith Menga. São Paulo: Vida Nova, 1999. [Série Cultura Bíblica].
ROBERTSON,
A. T. Comentários de Mateus & Marcos
– à luz do Novo Testamento Grego. Tradução de Luís Aron de Macedo. Rio de
Janeiro: CPAD, 2011.
SOARES,
Sebastião Armando Gameleira & JUNIOR, João Luiz Correia. Evangelho
de Marcos, v.1, ed. Vozes, Petrópolis, 2002.
STERN,
David H. Comentário judaico do Novo
Testamento. São Paulo: Atos, 2008.
TENNEY,
Merrill C. (Org.). Enciclopédia da Bíblia. São Paulo: Cultura
Cristã, 2008.
TUYA,
Manuel de. Biblia Comentada – Evangelios. Texto de la Nácar-Colunga,
Parte Va.
UTLEY,
Bob. Marcos, I e II Pedro – comentários.
Marshall, Texas: 2003. [Série Guia de estudos e Comentário].
[1] Esse é o primeiro milagre registrado
por Marcos e Lucas em suas narrativas evangélicas, mas que foi omitida por
Mateus.
[2] Cafarnaum: No hebraico (povo de Naum) e alguns
entende ser por causa do ministério profético de Naum. Ela não é mencionada no
Primeiro Testamento e tudo que sabemos dela é extraído dos textos evangélicos. Esta
cidade, situada na
costa noroeste do
lago da
Galileia, foi o
centro das
atividades
de Jesus na região da
Galileia. Cafarnaum era
um centro de comércio e distribuição de peixes; com um centurião (8.5) e uma
coletaria de impostos (Mt 9.9), não deixava de ter sua importância para os
romanos. Nos dias de Jesus a cidade tinha adquirido certa relevância e sua
Sinagoga tinha muito prestígio (Mc 1.21; Lc 7.5); após sua rejeição em Nazaré
Jesus faz de Cafarnaum sua base de atividades (Mt 4.13; Jo 2.12), que passou a
ser sua casa e sua cidade (Mc 2.1; 9.33; Mt 9.1). Muitos aceitam que Pedro e
André são desta cidade (Mt 8.14; Mc 1.29; Lc 4.38). Além desse acontecimento na
Sinagoga outros fatos ocorreram tendo Cafarnaum como palco (Jo 6.16-59; Mt 9.9;
Mt 17.24ss; Lc 7.5; Mt 8.5-13; Jo 4.46ss; Mt 11.23; Lc 10.15). Após os
acontecimentos evangélicos a cidade perdeu sua importância comercial e se
tornou apenas ruínas. Atualmente tem sido um sítio arqueológico muito
importante para os pesquisadores.
[3] As sinagogas ficaram populares após o
cativeiro babilônico e se espalharam pelo mundo inteiro e também por toda
região da Palestina judaica, mesmo nas pequenas vilas. Têm sido resgatados,
através de um sítio arqueológico, vestígios de uma grande sinagoga na antiga
cidade de Cafarnaum.
[4] As reuniões consistiam
em oração, louvor, leitura das Escrituras e exposição feita por um mestre ou
doutor ou pessoa competente – primeiro da Lei (Genesis-Deuteronômio) e outra dos Profetas (Josué-Ester e
Isaias-Malaquias). Lucas registra (4.20) Jesus lendo e devolvendo o rolo de
Isaías ao ministro, ou assistente ou bedel que era responsável pela preservação
e segurança do manuscrito e/ou rolo. Assim como Jesus o apóstolo Paulo também
utilizou está prática de aproveitar as reuniões nas sinagogas para anunciar o
Evangelho por todo o Império Romano.
[5] Os escribas eram os intelectuais
(mestres e doutores) da época, no que se referia aos estudos da Torá. Apesar de
não serem necessariamente adeptos de alguma seita judaica, uma maioria acabou
se ajustando entre os fariseus por afinidades de ideais quanto ao valor
intrínseco da Lei e suas interpretações.
[6] Esta expressão é usada com frequência
no Primeiro Testamento (1Rs 17.18; 2Rs 3.13; 2Cr 35.21; etc), significado
sempre uma inteira distinção de interesses, ou seja, não temos nada em comum,
não te queremos. Um mesmo linguajar em Mateus 8.29, um dativo ético.
[7] Este epíteto era utilizado como
pejorativo, porém em Jesus tornou-se um
título honroso para seus discípulos (Lc 18.37; Atos 2.22).
[8] Temos uma melhor compreensão do
sentido desta frase se em lugar de se considera-la como uma oração
interrogativa, a lermos como enunciativa. A chegada do reino de Deus implica no
fim do poder dos demônios.
[9] E Isaías diz que o mal, representados
nas potestades e demônios (cf. Paulo – Ef 2.2; 6.11, 12), serão no final
aprisionado e julgado por Deus (Is 24.22 ss). Desta forma passou a ser um
atributo do Filho do Homem quando da inauguração do reino messiânico. Isso
explicação as palavras temerosas dos demônios.
[10] Essa denominação não era o título
oficial ou usual do Messias, embora pudesse ser facilmente chamado disso. Na
visão de Daniel (7.25) o povo de Deus é santo e, portanto, o Messias seria o
santo por excelência (Atos 4.27; Ap 3.7). Foi assim identificado por Pedro
também (Jo 6.69).
Nenhum comentário:
Postar um comentário