Como
comentado anteriormente os evangelistas desenvolvem suas narrativas com
liberdade e criatividade, apesar de compartilharem muitas fontes comuns. Desta
forma cada um deles têm ênfases peculiares que se ajustam adequadamente aos
seus respectivos leitores alvos.[1]
No caso especifico de Lucas uma das suas características particular é o papel
desenvolvido pelas mulheres no transcorrer do ministério terreno de Jesus.
Nenhum outro evangelista e
escritor bíblico destacam tanto o papel da mulher quanto Lucas. Carinhosamente
ele é denominado de o Evangelho no Feminino. É a abundância de histórias
envolvendo mulheres que levaram comentadores bíblicos como Alfred Plummer a
observar: "O Terceiro Evangelho é, em especial, o Evangelho para
as mulheres. . . Ao longo deste Evangelho, é permitido vê-las ocuparem um lugar
proeminente, e muitos tipos de feminilidade são colocados diante de nós".
Em seu
cuidadoso trabalho de pesquisa Zenilda Luiza Petry destaca que o:
“vocábulo grego Gyné é utilizado quarenta e uma
vezes no Evangelho, enquanto Mateus o faz trinta e duas vezes, Marcos doze
vezes e João vinte e duas vezes. Lucas é quem mais emprega o vocábulo Gyné no
Novo Testamento, e o emprega basicamente em dois sentidos: como “mulher” e como
“esposa”. Além de mais empregar o vocábulo em questão, Lucas ainda identifica
dez mulheres pelo nome: Maria a mãe de Jesus; Isabel, Ana, Herodíades, Maria
Madalena, Joana, Susana, Marta, Maria e Maria mãe de Tiago. Por nove vezes se
refere à mulher como “filha”, “virgem” ou emprega pronomes. Dos quarenta e um
empregos do vocábulo Gyné, vinte e dois fazem parte de relatos exclusivos de
Lucas e cinco, embora fazendo parte dos relatos comuns dos sinóticos, apenas em
Lucas contêm o acréscimo do vocábulo Gyné” (1995, p.16). (1995, p.16).
Na Bíblia não faltam figuras
femininas vigorosas de personalidade, de empreendimento, como as mulheres dos
patriarcas e Miriam, irmã de Moisés, Débora, juíza em meio aos juízes, Rute e Noemi,
Ester, uma rainha hebreia em uma corte estrangeira, e outras mais. Entretanto,
não é difícil encontrar textos judaicos que as menosprezam e as descrever
negativamente. Um triste extrato desta visão míope é a oração judaica: “Agradeço-te,
Senhor, porque não me criou pagão (estrangeiro), ignorante, mulher,
escravo”. Jesus veio para romper definitivamente com este ranço machista
e recolocar a mulher do lugar que jamais deveria ter saído – ao lado do homem.
Mulheres e homens são igualmente filhos e filhas de Deus. Não é o
homem que determina o modo de ser de uma mulher, mas o critério de
discernimento deve ser a prática da palavra de Jesus e nisto as mulheres foram
testemunhas exemplares e Jesus o reconheceu amplamente.
E Lucas é entre todos o que
mais percebeu este aspecto.[2]
O terceiro Evangelho não apenas enumera uma pluralidade de mulheres, como lhes
dá papeis mais significativos. Em momento
algum ele pretende fazer um manifesto feminista (alguns liberais entendem que o
evangelho foi escrito por uma mulher), mas ao atribuir-lhes tanta atenção o faz
para demonstrar que o amor de Deus manifestado em Cristo abrange
indistintamente o homem e a mulher e que a salvação nunca foi privilégio do
sexo masculino.
Desde as primeiras linhas as
mulheres surgem como personagens centrais e não
secundárias. Isabel é denominada de justa e irrepreensível em associação direta
a seu marido. Surge a figura linda de Maria com sua delicadeza, amor,
inteligência e submissão incondicional à vontade de Deus. Na sequência podemos
enumerar a profetiza Ana, a viúva de Naim, a pecadora na casa de Simão, as
mulheres que sustentam Jesus com seus bens, Marta e Maria, a mulher que
proclamava bem-aventura a mãe de Jesus, a mulher encurvada, a parábola da
mulher que perdeu e encontrou a moeda, a parábola da viúva e do juiz iníquo, as
mulheres na via-sacra. Além destas acrescenta-se aquelas mencionadas também
pelos outros evangelistas.
Lucas também faz várias
citações de personagens femininos: a viúva de Serepta, as viúvas cujos bens são
devorados pelos fariseus. Mas elas não apenas abrem sua
narrativa evangélica, são elas também quem fazem o fechamento –
elas permanecem (quando os homens se mandam) ao pé da cruz, são as primeiras a
ouvirem as boas novas da ressurreição e contemplar o Jesus ressurreto e também
são elas as primeiras a anunciarem esta preciosa mensagem.
Além disso, a construção
narrativa de Lucas de pares paralelos de
homens e mulheres criou a noção popular de que Lucas considera mulheres e
homens iguais. Assim, os homens e as mulheres recebem os mesmos benefícios
salvíficos, dentro do programa gracioso de Deus em Cristo. Mulheres e homens
têm experiências semelhantes e cumprem funções semelhantes.
Um texto significativo para
entendermos o papel das mulheres no ministério de Jesus e provavelmente na
comunidade cristã primitiva é Lc 8.1-3, que se constitui em um
breve sumário tão comum na narrativa lucana. O diferencial é o fato de que
Jesus está acercado de dois grupos – os discípulos e um grupo de
mulheres, o qual ele faz questão de nomear ao menos três: Maria
Madalena, Joana e Susana. Em seu ministério na Galileia
cresce muito a participação das mulheres no ministério de Jesus (Lc
7.11-17; 7.36-50; 8.1-3; 8.40-56), deixando bem claro a importância relevante
das mulheres na nova comunidade que Jesus esta formando – a Igreja.
Lucas deixa claro que elas “o seguiam e o serviam” que são as
duas características proeminentes do discipulado. Apesar de todo ambiente
hostil elas permanecem firmes em sua fé e serviço ao Mestre e Salvador e o
seguem até Jerusalém, até à cruz, até ao sepulcro e até à ressurreição.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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[1] Na cultura greco-romana, que serão os
primeiros leitores deste evangelho, a mulher também sofre marginalização. Ela é
considerada inferior ao homem. Ela não é livre e deve ser orientada e conduzida
pelo homem. Jesus rompe definitivamente com este modo de ver a mulher.
[2] Somente Lucas, em seu segundo volume
(Atos), nos dá as tradições sobre as mulheres discípulas no Cenáculo (Atos 1.14);
Safira (5.1-11); a jovem escrava de Felipos (16.16-24); Tabita (9.36-43); Lídia
(16.13-15, 40); Damaris (17.34); Priscila (18.2, 18, 26); e as quatro filhas de
Filipe que eram profetisas (21.8-11).
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