No
arranjo canônico do Segundo Testamento logo após os quatro Evangelhos e o livro
de Atos, temos uma sequencia de vinte e uma Epístolas, chegando a vinte e duas se incluirmos o Apocalipse
como uma epístola (que em realidade é - veja Apocalipse 1:4), todavia,
por causa de sua natureza apocalíptica sem igual, deve ser categorizada e
estudada distintamente como o Livro Profético do Novo Testamento.[1]
Tratando
sobre esta questão das epístolas Louis Berkhof destaca a relação paritária das
epístolas com as demais literaturas bíblicas como instrumento da revelação de
Deus:
A
revelação de Deus vem para nós em muitas formas, em diversas maneiras. A
Mensagem de Deus foi proclamada não apenas oralmente mas também na forma
escrita; não apenas pelos profetas, mas também pelos doces cantores e pelos
homens sábios de Israel; assim também, o Evangelho encontra expressão não
apenas nos Evangelhos, mas também nas Epístolas. Praticamente um terço do Novo
Testamento está estruturado na formula epistolar (1915).
Nessa
mesma linha de perspectiva F. F. Brucce
destaca que cronologicamente as Epístolas na verdade precedem os Evangelhos:
Os mais antigos
documentos neotestamentário, segundo chegaram até nós, são as cartas
escritas pelo apóstolo Paulo antes de seu encarceramento em Roma (cêrca de
60-62 A.D.). O mais antigo dos Evangelhos na forma atual não se pode
provavelmente atribuir a data anterior ao ano 60, mas da pena de Paulo temos
nada menos de dez Epístolas datadas entre 48 e 60 (1965, p. 99).
As
Epístolas estão geralmente divididas em Epístolas Paulinas e as Não
Paulinas e/ou Epístolas Gerais.[2] As
Epístolas de Paulo podem ser subdivididas em duas categorias: nove
epístolas escritas a igrejas (Romanos a II Tessalonicenses) e quatro
pastorais ou pessoais (1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom), perfazendo um
total de treze.
É
preciso destacar também que Paulo escreveu muitas outras cartas que nós não
possuímos. Isto fica evidente nas entrelinhas de suas próprias Epístolas. I
Cor. 5:9 faz referência a uma carta perdida. Col. 4:16 fala de uma
correspondência enviada a Laodiceia, da qual temos tão somente esta indicação. Mas
aprouve ao Espírito Santo inserir apenas estas cartas no Cânon das Sagradas
Escrituras. E como nos informa Kummel:
No começo do século XIX, a origem paulina de algumas
epístolas foi posta em dúvida – em primeiro lugar , as Pastorais, e, depois
também as epístolas aos Tessalonicenses, aos Efésios, aos Filipenses e também
aos Colossenses. Nessa época F. C. Baur e a Escola de Tubingen
reconheciam apenas as chamadas ‘grandes epístolas’ (Gálatas, I e II Coríntios,
Romanos) como autênticos documentos do Apóstolo, porque somente estas epístolas
poderiam ser entendidas como testemunhos da luta entre Paulo e os judaizantes.
Mas logo se tornou patente que a Escola de Tubingen encerrava a imagem
histórica da cristandade primitiva num esquema por demais estreito. Os
defensores da ‘critica-radical’ chegaram a negar a autoria de Paulo até para as
quatro ‘grandes cartas’, explicando-as como sedimentação de correntes antagônicas por volta do ano 140. Eles
partiram de pressupostos literários insustentáveis e de uma construção forçada
da história, como o fizeram as construções posteriores (1982, p.320).
Após
as correspondências paulina temos oito epístolas[3]
dirigidas aos Cristãos judeus dispersos (Hebreus[4]
a Judas), que nos manuscritos antigos usualmente segue imediatamente
depois de Atos dos Apóstolos e, portanto precede as Epístolas
Paulinas, talvez porque elas foram elaboradas pelos apóstolos mais velhos e no
general enfatizam as comunidades Cristãs Judaicas, provavelmente formadas pelos
judeus convertidos no sermão de Pedro, e outros, durante a Festa do
Pentecostes. Sua apresentação da verdade naturalmente difere das Epístolas
escritas por Paulo, que visa principalmente os gentios, mas cada uma delas esta
em harmonia perfeita, não havendo qualquer tipo de contradição.
A
pregação do Evangelho originalmente era feita de forma apenas oral, e aqueles que eram convertidos se
uniam formando pequenas e singulares comunidades ou igrejas. Os apóstolos e os
demais evangelistas iam anunciando a Cristo em diversas regiões do mundo
conhecido no século primeiro. Deste ministério missionário surge a necessidade
de se comunicar com algumas dessas comunidades cristãs para instruí-las na fé,
para animá-las e exortar ou então corrigir deficiências. As cartas foram o meio
mais eficiente e rápido para se fazer este trabalho pastoral à distância como
tão bem esclarece José Roberto Cardoso em seu artigo:
O recurso à
carta surgiu na antiguidade da necessidade de comunicação entre indivíduos que
se encontravam geograficamente distantes uns dos outros. O impedimento da
presença da pessoa fez dela o melhor porta-voz. É verdade que se fizeram
necessárias diversas tentativas e versões, a fim de se evitar que seu conteúdo
ficasse obscuro ou ambíguo. Para tanto, o escritor tinha que ter em mente a
impossibilidade do destinatário de pedir esclarecimentos sobre qualquer ponto
em questão. ... Conforme J. L. White (1986, p. 190), a carta atendia a três
propósitos bem definidos: ‘(1) fornecer informações; (2) fazer petições ou dar
ordens/instruções; e (3) desenvolver ou manter contato pessoal com os
recipientes’ Essas funções epistolares modelavam as espécies de cartas no mundo
helenístico. O relatório militar ou da burocracia atendia ao primeiro item. As
relações sociais entre inferiores e superiores, entre iguais e entre mestres e
alunos encaixavam-se no segundo item. Já a correspondência de amizade e
familiar pertenciam ao terceiro. Para os antigos escritores, esse último tipo
de correspondência era o mais estimado, comparado a um dom (2000, p. 28-29).
Tornou-se
também um modo excelente de fazer com que essas instruções ficassem perpetuadas
através e para as gerações, como bem coloca Kummel:
A força motriz para a formação independente da forma
epistolar num meio de auto comunicação literária da cristandade foi a real
necessidade da missão para a edificação e instrução, admoestação e trabalho
pastoral, defesa contra ideias errôneas, e manutenção da ordem eclesial (1982, p.
318-319).
Estrutura das Cartas do Novo
Testamento
De acordo com as informações de Robert H. Gundry (1987,
p. 287) as cartas particulares, no período greco-romano, tinha em torno de
noventa palavras em média e que pelas dimensões da folha de papiro (34 cm x 28
cm) não caberia mais do que 150 a 250 palavras, de modo que, as
cartas pessoais se restringiam normalmente a uma folha apenas.
Mas ao examinarmos as cartas de Paulo verificaremos que
são muito mais extensas indo de 335 palavras em Filemom a 7.101 palavras
em Romanos,
perfazendo uma média em torno de 1.300 palavras.
Deste modo, pode se dizer que Paulo criou uma nova forma literária, a epístola
– caracterizada por ser uma carta extensa, ter uma natureza teológica e
usualmente um objetivo comunitário dos endereçados. Todavia, ele mantém toda a
estrutura de uma carta genuína, pois contém endereçados genuínos e específicos,
se distinguindo das epístolas literárias daqueles dias, que eram escritas para
um público geral.
O Professor Felix
Just faz um amplo e excelente estudo da estrutura literária das cartas
neotestamentárias, das quais utilizamos aqui apenas a parte introdutória.
Estrutura Padrão de Cartas
Antigas:
As comunicações escritas
hoje seguem alguns formatos bastante comuns e padronizadas:
- Cartas pessoais
normalmente começam com algo parecido como “Querida Maria” e terminam
com “Amor, João”. Nós escrevemos a data à direita do topo e depois de
escrevermos uma ou mais paginas... assinamos, dobramos, colocamos em um
envelope, escrevemos o endereço do recipiente e o remetente
colocamos no verso do envelope.
- Memorandos
empresariais ou mensagens de Email têm freqüentemente um cabeçalho
com quatro partes (Para: / De: / Data: /
Mensagem: ou De: / Enviou:
/ Para: / Assunto:).
Assim também, a maioria das
cartas escritas no mundo antigo seguia um formato padronizado, mas que é
ligeiramente diferente de hoje. As cartas no NT escritas e/ou normalmente
atribuído a Paulo e outros Apóstolos segue os modelos padronizados da
sua época. Embora haja algumas variações nas cartas individuais (especialmente
no corpo e conclusão), as estruturas básicas das cartas antigas podem ser
esboçadas como segue:
I) Cabeçalho da Carta
|
II) Corpo da Carta
|
III) Conclusão da Carta
|
Características Especiais
das Cartas Paulina:
- Na maioria destas cartas, Paulo não é
o único autor, mas são mencionados um ou mais co-autores (quem
normalmente é listado? Quais cartas listam só Paulo? Pôr que?)
- Estas cartas não são endereçadas a todas
as pessoas indistintamente, mas exclusivamente às pequenas e iniciantes
comunidades de Cristãos (como exatamente Paulo se dirige a eles?).[5]
- A “Saudação Padrão Paulina”
associa uma variação da saudação grega habitual (chaire –“Graça”)
com a saudação judia comum (shalom –“Paz”)
- Todas as cartas escritas ou atribuídas a
Paulo contêm um padrão de três seções principais, mas nem
todas as cartas Paulinas contêm exatamente as mesmas subdivisões como
mencionado acima:
- às vezes uma subdivisão é omitida, (por
exemplo na abertura de Gálatas; no fim de 1 Tessalonicenses)
- às vezes a ordem de subdivisões é
mudada (os fins de muitas das cartas de Paulo)
- às vezes algumas cartas têm mais de uma
seção do mesmo tipo (por exemplo duas "ações de graças" em 1 e
2 Tessalonicenses)
- frequentemente as preocupações teológicas,
éticas, e práticas são entrelaçadas (especialmente nas cartas
longas), assim as divisões de verso no “Corpo da Carta” e os subtítulos
são apenas sugestões aproximadas.
Edição das Cartas
Outra
prática comum no mundo antigo era colecionar e republicar as cartas de pessoas
famosas como Paulo. Neste processo, foram combinadas às vezes cartas mais
curtas ou outras mudanças editoriais. Isto não diminui em absolutamente nada a
inspiração e inerrância das Epistolas canônicas.
Por
exemplo, o que é chamada “Segunda Carta de Paulo normalmente aos Coríntios"
(2 Cor) poderia ser uma compilação de que estava originalmente entre duas e
cinco cartas separadas. Semelhantemente, alguns estudantes pensam que a “Carta
de Paulo aos Filipenses” é uma compilação posterior de três cartas
originalmente separadas.
Gênero Literário
As
cartas incluem gêneros literários diferentes: desde um profundo tratado
teológico sobre a fé (ex. Romanos), até uma simples carta pessoal
(ex. Filemom), passando pelas temáticas diversificadas (ex. Coríntios).
Estes
gêneros literários devem-se, sobretudo às circunstâncias diversas das cartas,
mas também, como no caso de Paulo e Pedro, ao temperamento arrebatado e no caso
de João um paternal amor em favor dos crentes e suas comunidades.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Biográficas
Epístolas
Paulinas: Data e Autoria Conservadores e Liberais
O Mundo do Apóstolo Paulo: A
Filosofia
Epístolas Paulinas
Tubingen:
a Escola Holandesa Radical
Referências Bibliográficas
BARCLAY, William. El
Nuevo Testamento comentado. Buenos Aires (Argentina), Asociación
Editorial la Aurora, 1974.
BROWN, Raymond. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004 (Coleção Bíblia e
história Série Maior).
BERKHOF, Louis . New Testament Introduction. Eerdmans,
1915, Scanned and Edited Mike Randall.
BRUCE, F. F. Merece
Confiança o Novo Testamento? São Paulo: Junta Editorial Cristã, 1965.
CARDOSO, José Roberto C. 1
Tessalonicenses: Epístola e Peça Retórica, Fides Reformata, v.7, São Paulo,
2000, pp. 28-29.
GUNDRY, Robert H. Panorama
do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 1987.
HALE, Broadus David. Introdução
ao estudo do Novo Testamento. Trad. Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro: JUERP, 1983.
JUST, Felix, Loyola
Marymount University, Editoração Eletrônica: clawww.lmu.edu/~fjust
KUMMEL, Werner Georg. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Paulus, 1982.
WESTCOTT, Brooke Foss. A general survey of the history of the
canon of the new testament. 4ª ed. London: Macmillan and Co., 1875.
[1] É preciso levar em conta a observação
de Kummel: “Mas nem todos são realmente cartas, ou seja, escritos endereçados
em ocasiões especificas a pessoas determinadas ou a círculo de pessoas,
escritas coma finalidade de comunicação íntima, sem intenção de maior
divulgação. Em Tiago, por ex., falta tudo o que constitui realmente uma carta.
O Apocalipse, para dizer a verdade, está moldado num estilo epistolar, mas,
literariamente falando, pertence ao gênero apocalipse. Com relação à Epístola aos
hebreus, as opiniões variam largamente, não se sabendo ao certo se deve ser
considerada como uma verdadeira carta ou um ensaio artisticamente elaborado e
dirigido a um público mais vasto, empregando a forma epistolar apenas como
forma externa. Entre as epístolas católicas, somente a segunda e terceira
epístolas de João são realmente cartas, com endereços exatos e específicos”. KUMMEL,
Werner Georg. Introdução
ao Novo Testamento,
ed. Paulus, São Paulo, 1982, pp. 316-317.
[2] Pôr
que essas Epístolas começaram a serem chamadas de Gerais ou Católicas,
é mais ou menos um enigma. Várias interpretações para esta classificação têm
sido dado, mas nem uma delas tem sido inteiramente satisfatória.
[3] Destas oito Epístolas Hebreus e as
primeiras de Pedro e a primeira de João foram geralmente aceitas como canônicas
desde o começo, enquanto as demais a princípio foram questionadas e posteriormente
foram gradualmente sendo aceitas por todo a Igreja.
[4] Vários estudiosos somam a Epístola
aos Hebreus à cota paulina, embora em nenhum lugar dela haja referência de que
Paulo a escreveu. A Igreja esteve sempre dividida nesta questão, a Igreja
Oriental confirmando e a Ocidental rejeitando que Paulo tenha sido o seu autor.
Quando abordarmos a referida epístola haveremos de discutir mais detalhadamente
este aspecto.
[5] “... as cartas de Paulo foram
escritas por um autor particular e dirigidas a um circulo particular de leitores
e não a um público geral. Sempre são determinadas e referentes a uma situação
definida, ainda que outras questões surgidas no seu decorrer possam escondê-la.
É isso que torna as cartas de Paulo tão atraentes, embora também fique mais
difícil a compreensão ao leitor posterior.” BORNKAMM, Gunther. Bíblia – Novo
Testamento – Introdução aos seus Escritos no Quadro da História do Cristianismo
Primitivo, Edições Paulinas, 1981, p.74.
benção, Obrigado!
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