quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Evangelho Segundo Lucas: Autoria e Título

            O terceiro evangelho que compõe a primeira parte do Novo Testamento, bem como o livro de Atos tem sua autoria atribuída a Lucas[1] e são endereçados a um mesmo destinatário de nome Teófilo,[2] sendo deste modo tratados como sendo uma obra em dois volumes, e atribuídos a Lucas, e apesar de em nenhum lugar ser especificado que é o autor de um ou outro, um grande acordo de evidências apontam para Lucas, “o médico amado” (Col. 4:14) como o autor de ambos.
O comentarista bíblico Goodspeed defende a ideia de que ambos os livros não foram escritos separadamente, mas formavam apenas um volume:
“Nenhuma descoberta do estudo moderno do Novo Testamento é mais assegurado do que aquele que afirma que Lucas e Atos não são dois livros, escritos em tempos diferentes, mas dois volumes de um trabalho único, concebido e executado como uma unidade”. E ele entende que o fato dos livros terem sido colocados separadamente no cânon contribuiu para se pensar em épocas diferentes para os dois livros: Certamente, todo isto poderia estar muito mais claro se Atos não tivesse sido separado do Evangelho de Lucas quando o evangelho foi juntado dentro do grande quarteto dos evangelhos logo cedo no segundo século. O fato é que, como sabemos, João vem entre Lucas e Atos de modo que obscurece sua continuidade e realmente esconde isto de nós (1937, p. 180-182).
Os que defendem a autoria de Lucas argumentam que se o objetivo fosse atribuir falsamente os livros a um líder do cristianismo primitivo, certamente não seria de uma figura tão pouco conhecida e ainda mais um gentio, como conclui Ash em seu comentário: “Muito provavelmente teria sido ligado a um dos apóstolos ou outra figura de destaque na primeira igreja” (1980, p. 7).[3] 
            Significativamente, esses dois livros ocupam 28% do Novo Testamento Grego. Encontramos o nome de Lucas na literatura neotestamentária apenas em Colossenses 4.14; 2 Timóteo 4:11; e Filemom 24. São também atribuídas a ele aquelas chamadas seções do “nós” de Atos (16.10-17; 20.5-21.18; 27.1-28.16). Essas seções de “nós” de Atos revelam que o autor foi um companheiro de Paulo em suas viagens missionárias. Uma vez que dois companheiros de Paulo são especificados na terceira pessoa, a lista pode ser restringida a Tito e Lucas.
            Entretanto, utilizando um processo de eliminação, sobressai o querido amigo de Paulo, o qual ele trata por “Lucas, o médico amado” (Cl 4.14), e “companheiro de trabalho” (Fm 24) torna-se provavelmente o maior candidato. Sua autoria é confirmada pelo testemunho uniforme dos escritos cristãos antigos (cf. Cânon de Muratorio 170 d.C., e as obras de Ireneu, 180 d.C.).
            Parece evidente em Colossenses 4:10-14 que Lucas foi um gentio, pois Paulo o diferencia dos judeus.[4] Aqui o apóstolo declara que, entre seus colaboradores, Aristarco, Marcos, e João foram os únicos que eram de origem judaica. Isto sugere que Epafras, Lucas, e Demas, também mencionados nestes versos, eram de origem gentílica. Isto concorda com nome gentio de Lucas (o mesmo que Lucanus), e as características gentílicas de seu Evangelho.  Tanto a narrativa evangélica quanto a de Atos contém um dos gregos mais elegantes da literatura bíblica. Temos escassas informações sobre sua vida ou conversão exceto que ele não esteve entre as testemunhas ocular da vida de Jesus Cristo (Lc 1.2). Embora um médico por profissão, ele foi primeiramente um historiador, escrevendo este evangelho e o livro de Atos, bem como fiel colaborador do apóstolo  Paulo no trabalho missionário, permanecendo junto ao querido amigo até seu tempo de martírio (2 Tim. 4.1). Após a morte do apóstolo dos gentios em Roma, nada mais temos sobre a vida de Lucas.
Temos também um prólogo antecipado do evangelho, que foi talvez escrito para acentuar a genuinidade do evangelho inteiro contra uma versão truncada que Marcião, um herético do segundo século, havia editado para propagar suas opiniões. Neste prólogo são dados vários detalhes sobre Lucas que podem bem preserva muita tradição genuína. Lucas é um Sírio de Antioquia, um doutor por profissão, que foi um discípulo de apóstolos, e mais tarde acompanhou Paulo até o martírio dele. Ele serviu ao Senhor sem distração, e adormeceu na idade de 84, em Boécia, na Grecia. Cheio do Espírito Santo escreveu este evangelho inteiro nas regiões da Acaia . . . e depois o mesmo Lucas escreveu os Atos dos Apóstolos. Champlin acrescenta mais informações: “Parece que Lucas nasceu em Antioquia da Síria, conforme a informação prestada por Jerônimo. O livro de Atos reflete o interesse de Lucas por Antioquia da Síria (cf. Atos 6:5; 11:19-27; 13:1; 14:19; 15:22,23,30,35; 18:22). Talvez ele fosse irmão de Tito (II Cor.8:18; 12:18) (CHAMPLIN, 1995, p. 914).


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
Goodspeed, Edgar J. An Introduction to the New Testament. Chicago, Illinois: University of Chicago Press, 1937.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].




[1] O nome “Lucas” vem a ser uma abreviação de “Lucano”, à semelhança de “Silas”, abreviação de “Silvano”. Significa “iluminador” e era um nome comum entre os romanos, podendo ser achado tanto em inscrições quanto em referência literárias.
[2] O tratamento que Lucas lhe dispensa: "excelente", "excelentíssimo" ou "digníssimo", conforme a versão que se utilize, tem levado a crer que Teófilo era uma autoridade pública, um oficial romano. Tem-se deduzido que Lucas viu naquele homem a pessoa adequada para publicar sua obra entre os gentios, o que ocorreu com pleno êxito. “Do prefacio do Evangelho e do livro de Atos apreendemos que o autor escreveu para o benefício imediato de um único indivíduo, aparentemente um homem de posição elevada, um nobre romano. Isto não é suficiente para deduzir que um círculo maior de leitores não possa ter sido contemplado pelo escritor ou que não visasse nenhum outro destinatário para o seu trabalho.” Nicoll, W. Robertson, The Expositor1’s Greek Testament, v. 1, ed. WM. B. Eerdmans Publishing Company Grand Rapids, Michigan, 1961, p.50.
[3] A autoria Lucana do terceiro evangelho tem sido ocasionalmente contestada por aqueles críticos que encontram dificuldades para aceitar que Lucas seja o autor final de Atos, que é geralmente identificado como sendo o trabalho da mesma mão do evangelista. Os problemas apresentados a Atos serão discutidos mais tarde, mas podemos adiantar que tais argumentos não encontram consistência.
[4] Defendendo um outro ponto de vista, Ellis vê Lucas como um judeu helênico e sugere que ele pode ser o mesmo Lúcio (Romanos 16:21) que é identificado como ‘parente’ de Paulo, e Filemon 24 o identifica como ajudante de Paulo no trabalho.” Ash, Anthony Lee, Op. cit., p. 9.

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