Para
uma compreensão mais ampla dos relatos registrados por Lucas é indispensável
que se compreenda um mínimo da geografia e o contexto histórico em que estes
eventos se desenvolveram.
A
Palestina formava parte do Império Romano que se estendia desde a Inglaterra
até a Mesopotâmia, chegando a excursionar e pressionar todo o Oriente Médio.
Para poder administrar e governar melhor todo este imenso império eles o
dividiram em províncias, sendo que algumas eram administradas
pelo Senado e outras pelo próprio Imperador.
As
governadas pelos senadores eram os territórios pacificados e
integrados ao império e eram governadas por um procônsul.
Os
territórios imperiais eram os que estavam na periferia do império
e se constituíam em zonas de fronteiras, deste modo, estavam constantemente
expostas a ataques dos povos não dominados. Exigiam, portanto, uma forte
guarnição militar e eram governadas por um “legado” que dependia
diretamente do governador. Por sua vez, estas províncias imperiais
eram divididas em três categorias segundo seu grau de
dificuldade em administrá-las: as “consulares”, maiores e onde ficavam
instaladas varias legiões; as “pretorianas” recebiam apenas uma legião;
e as “procuratórias”, consideradas as mais problemáticas eram governadas
por um procurador.
Desta
forma, tanto a Judéia quanto a Samaria estavam
classificadas nesta terceira categoria, salvo um curto período
(41-44 d.C) em que foram governadas pelo rei Agripa I, como parte de seu reino.
O Império Romano sabia da fama de insurreição dos judeus e que, portanto as
revoltas eram uma constante. Como sabemos, logo ocorreu a grande revolta (70
d.C.) no final do governo de Nero e a invasão e destruição de Jerusalém debaixo
das ordens do então imperador Vespasiano.
Evidentemente
que o livro de Atos
não se restringe à Palestina, mas abrange todo o território Romano e se
constitui em uma das mais fascinantes viagens por estas diversas regiões que
foram palco tanto das ações de Pedro e Paulo como
de milhares de cristãos que se espalhavam tão rapidamente como fogo em capim
seco. Vejamos algumas destas regiões:
- Síria, esta próxima da Palestina, sua capital é Antioquia e
chega a ser a terceira em importância dentro do império com aproximadamente
500.000 habitantes. Dentro desta província encontramos uma cidade que interessa
muito ao leitor de Atos – Damasco
– onde Paulo foi batizado. Esta província era a mais importante do Oriente,
pois contava com quatro legiões para defender a fronteira contra os indomáveis
partos e nabateos.
- Chipre, cuja capital era Pafos. Foi a pátria de um dos mais
queridos personagem do livro de Atos – Barnabé.
- A Cilícia, cuja capital era Tarso,
berço do Apóstolo Paulo.
- Capadócia, ficava ao norte da Cilícia.
- A região da Galácia, ocupava o centro da Ásia Menor, com suas regiões
limítrofes da Psídia, Licaônia e Frígia.
- Ásia, que culturalmente era a mais importante e ocupava toda
a parte ocidental da Ásia Menor, sendo contornada pelo mar da Grécia. Estava
subdividida em outras regiões menores, tais como Caria, Misia e Lídia. Suas
cidades tornaram-se muito conhecidas dos leitores de Lucas – Éfeso,
a capital, famosa por seu templo e culto a Diana; Mileto,Laodiceia, Colossos, Pérgamo, Sardes, Esmirna, Filadelfia,
etc... (também do Apocalipse).
- Lícia e Panfília, ao sul da região anterior, com importantes cidades
portuárias e comerciais, como Atalia, Perge, etc.
- Bitínia e Ponto, eram duas regiões ladeadas pelo Mar Negro, chamada na
antiguidade “Ponto Euxino”.
- Macedônia, está no continente europeu e sobre a Grécia, cuja
capital era Tessalônica. Aqui temos também a importante cidade
de Filipos, onde Paulo e Silas estabeleceram a primeira comunidade
cristã na Europa.
- Acaia ou Grécia. Entre suas cidades mais importantes estão Atenas e Corinto.
- Egito, no continente Africano, cuja capital era Alexandria, a segunda em importância dentro
do Império. Era uma cidade culta e comercial, com uma das
maiores comunidades judaicas foram da Palestina. Ao sul do Egito estavam
os países da Etiópia e Nubia.
Todas
estas regiões tão distantes entre si por sua cultura, seus cultos, sua
filosofia e o mosaico de seus povos, tinham sem embargo uma unidade fundamental
proporcionado pelo Império Romano, com um governo central, uma boa
administração e a influência da cultura e da língua grega ou helenística. Tudo
isto, somados às viagens e um bom sistema de comunicação (epistolas) propiciara
ao cristianismo uma expansão rápida e uma influência cada vez maior em todo
este vasto Império.
Outro
aspecto relevante é o fato de que este período do inicio da Igreja coincide com
uma época de paz por quase todo o Império, resultado do esforço do
imperador Augusto e seu sucessor Tibério, em cujo
mandato nasceu Jesus em Belém. Também Calígula e
Claudio exerceram uma política de tolerância religiosa com
os povos dominados, o que permitiu que o cristianismo, a princípio confundido
com o judaísmo, gozasse de ampla liberdade de ação. Ainda que Roma tivesse seus
próprios deuses e culto, jamais os impôs aos povos conquistados.
Somado
a tudo isto, é importante destacar as numerosas colônias de judeus que
se espalhavam por todo o império, particularmente na Ásia Menor e Egito.
Especula-se que se na Palestina houvesse aproximadamente um
milhão de judeus, outro milhão na Síria e Egito,
e um milhão e meio no resto do Império. Estes judeus
viviam autonomamente dentro de cada cidade, com sua sinagoga, o
estudo da Lei, a visita periódica a Jerusalém e seu tributo ao Templo. Tinham
até mesmo alguns privilégios dos cidadãos romanos, tais como
dispensa do serviço militar, o descanso do sábado e certa jurisdição civil
interna (pequenos tribunais).
Todavia,
seu numero às vezes desproporcional em relação aos povos locais acabavam por
produzir tumultos e a intervenção das autoridades. Um caso muito conhecido foi
o decreto de Tibério no ano 19 d.C. que expulso os judeus da cidade de Roma
(voltaram somente nos dias de Claudio em 49 d.C.). Outro caso aconteceu em
Alexandria onde houve uma grande revolta da população contra os judeus, onde
ocupavam dois dos cinco bancos da cidade. Foi também aqui em Alexandria que se
produziu a primeira grande tradução do Antigo Testamento para o grego,
conhecida por Septuaginta ou Versão dos Setenta, e que
passou a ser utilizada inicialmente pelos judeus de fora da Palestina, mas que acabou
sendo adotada pelos judeus menos ortodoxos. Os apóstolos e cristãos dos
primeiros séculos utilizaram abundantemente esta preciosa tradução grega.
Conclusão
É
neste complexo mundo antigo, com mais de setenta milhões de
habitantes que formavam um só Império, o mais poderoso da terra, com suas
legiões invencíveis e uma cultura considerada a maior expressão do pensamento
humano, com seu mosaico de povos debaixo da “paz romana”, que surge
um pequeno grupo de pessoas, pobres, rudes e quase analfabetos, com a mensagem
estranha de um Jesus que fora morto, mas que ressuscitou, e que ao final de
pouco mais de trinta anos se faria presente em todo o território romano e que posteriormente
se tornaria a maior e mais influente religião do Império e do mundo ocidental. E
Lucas registra para nós de forma maravilhosa os primórdios desta história
cristã.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
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