terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Evangelho Segundo Lucas: Data e Propósito


Data
Normalmente temos dois períodos sugeridos para a data do Evangelho de Lucas que são: (1) 59-63 d.C., e (2) 70s ou 80s, mas a conclusão de Atos mostra-nos que Paulo esteva ainda vivo em prisão domiciliar em Roma, e desde que o Evangelho é uma pesquisa anterior, escrito antes de Atos (cf. Atos 1:1), o Evangelho de Lucas deve ter sido escrito no período mais antecipado, cerca 60 d.C. Entretanto, sugerindo que o Evangelho de Lucas recebeu seu formato final na Grécia e não em Roma, alguns têm sugerido 70 d.C.
            O comentarista Anthony Lee Ash destaca que os defensores destas duas hipóteses quanto à datação partem de um mesmo argumento: a destruição de Jerusalém pelo exercido romano, que ocorreu em 70 d.C.
É interessante notar que argumentos, tanto para a data anterior como para a posterior, são baseados na relação entre o evangelho e a destruição de Jerusalém. Os favoráveis aos anos sessenta afirmam que Lucas com seu interesse especial na profecia não deixaria de implicar claramente a queda de Jerusalém, caso tal acontecimento tivesse ocorrido. Por outro lado, os favoráveis aos anos setenta argumentam com base numa comparação entre o discurso apocalíptico de Lucas (cap. 21) e Marcos 13. Eles indicam que as minúcias descritas por Lucas quanto à queda da cidade mostrariam que o evento já era passado. Desde que os escritores do evangelho nem sempre transmitiam as palavras exatas de Jesus, é possível que as mesmas tivessem sido registradas por Lucas em termos do evento real. Não parece possível, porém, chegar a uma data conclusiva para o evangelho a partir desta linha de pensamento (1980, p. 9-10).
            Por sua vez Nicoll indica as razões que levam alguns comentaristas a pensarem em uma data muito avançada para a data deste evangelho:
A data definitivamente não pode ser fixada. Opiniões variam de 63 d.C. aos primeiros anos do segundo século. Para uma data avançada 90 d.C. é compatível se o escritor é mais jovem e um companheiro de Paulo nos movimentos missionários posteriores dele. Ainda para uma data posterior de 100 ou 105 d.C. seriam requeridos se fosse certo, o qual não é, que o escritor usou as “Antiguidades de Josefo” que foi publicado em 93-94. Dr. Sanday, em seu trabalho, expressa a visão de que Atos foi escrito em 80 d.C., e o Evangelho o precedeu uns cinco anos aproximadamente (1961, p.51).
            O Evangelho segundo Lucas provavelmente foi o último dos chamados Evangelhos Sinóticos a ser escrito. Desde que a narrativa evangélica precede Atos, e que ao final de Atos o apóstolo Paulo ainda esta vivo e que ele foi morto com toda certeza antes de 70, as datas mais conservadoras é de que foi provavelmente escrito entre 60 ou 63 DC, certamente antes da queda de Jerusalém (70 d.C.) e provavelmente enquanto Lucas estava com Paulo em Roma ou durante os dois anos em Cesaréia.
            Na dobradinha Lucas-Atos outros fatores que embasam essas datas mais conservadoras são a incerteza de onde o cristianismo se encaixa entre as religiões do Império Romano, mormente o cristianismo era apenas mais uma seita do judaísmo; Lucas-Atos não menciona a destruição de Jerusalém; e a relação interna das comunidades cristãs expressão ainda os conflitos entre judeus e gentios no mesmo nível que nas epístolas de Paulo.
Propósito
O propósito de Lucas é claramente exposto no prólogo do Evangelho:
Fiz o primeiro tratado, ó Teófilo, acerca de tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar, até ao dia em que foi recebido em cima, depois de ter dado mandamentos, pelo Espírito Santo, aos apóstolos que escolhera; aos quais também, depois de ter padecido, se apresentou vivo, com muitas e infalíveis provas, sendo visto por eles por espaço de quarenta dias e falando do que respeita ao Reino de Deus. E, estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes (1.1-4).
Há várias coisas que podemos destacar com respeito ao propósito dele  para elaborar este  evangelho:
Lucas declara que seu trabalho foi estimulado pelo trabalho de outros (1.1), que ele consultou testemunhas oculares (1.2), e que ele selecionou e organizou estas informações (1.3) sob a orientação do Espírito Sagrado para instruir o Teófilo na confiança histórica da fé (1.4). Este é um trabalho cuidadosamente pesquisado e documentado. 
Sendo ele um gentio, ou seja, não de origem judaica, Lucas deve ter se sentido responsável em escrever seus dois volumes contando a vida de Cristo e tornando-a disponível aos leitores gentios. Isto parece evidente pelo fato de que ele tem o cuidado de traduzir os termos Aramaicos (o hebraico popular) por suas similares gregas; esclarece os costumes judaicos, bem como a geografia palestina de modo que sua narrativa evangélica seja inteligível para os seus leitores originais.  Por fim, em Lucas, transparece um universalismo gentílico, que vai além dos estritos limites judaicos, como veremos mais à frente.
A narrativa lucana é a mais longa e compreensiva dos Evangelhos, para o leitor que não estavam familiarizados com as Escrituras judaicas. Ele apresenta o Salvador como o Filho do Homem (Homem Perfeito)[1] que veio procurar e salva o perdido (19:10). Em Mateus vemos Jesus como Filho de Davi, o Rei de Israel; em Marcos o vemos como o Servo do Senhor, servindo outros; em Lucas o vemos como o Filho do Homem, um homem perfeito dentre os homens, escolhido dos homens, testado dentre os homens, e supremamente qualificado para ser o Salvador e Sumo Sacerdote. Em Mateus vemos agrupamentos de eventos significativos, em Marcos vemos a revelação destes eventos significativos, mas em Lucas vemos mais detalhes destes eventos pelo prisma deste médico-historiador.
Em Lucas a natureza perfeita de Jesus Cristo, tanto como Filho do Homem como Filho de Deus, é demonstrado pelo seguinte:
1. Seu nascimento físico bem como sua genealogia traçada de forma a retornar até Adão (3.38) (Mateus retrocede apenas até Abraão).
2. Seu desenvolvimento mental é acentuado (2.40-52).
3. Sua moral e perfeição espiritual são acentuadas, bem como evidenciadas no seu batismo, pela voz do Pai dos céus e pela unção do Espírito Santo.
Assim, segundo Lucas, em Jesus nós temos Um que é plenamente perfeito — física, mental, e espiritualmente.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:  ed. Vida Nova, 1997.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
GOODSPEED, Edgar J. An Introduction to the New Testament. Chicago, Illinois: University of Chicago Press, 1937.
LEAL, João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1945.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.



[1] No pensamento greco-romano a busca pela perfeição humana, mental e fisica, era um objetivo a ser alcançado.

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