segunda-feira, 21 de abril de 2025

ISAÍAS (Profeta Messiânico) - Introdução



A extraordinária composição "O Messias", de Handel, tem nas profecias messiânicas de Isaías uma de suas principais fontes de inspiração.

Chamado por Deus ainda na juventude para “clamar em alta voz e não poupar”, Isaías respondeu voluntariamente: Eis-me aqui. Provavelmente, foi um dos profetas bíblicos com o ministério mais longo, abrangendo o reinado de diversos reis.

Sua mensagem nunca teve o propósito de agradar seus ouvintes, mas sim de cumprir a vontade de Deus. Ao proclamar abertamente a palavra do Santo de Israel para uma “nação pecadora, carregada de iniquidade”, Isaías não se tornou um pregador popular ou querido. Seus temas centrais eram arrependimento, juízo e restauração, e suas mensagens estavam inseridas no contexto histórico dos anúncios proféticos sobre a vinda do Messias, o Senhor da Glória.

Autoria

Na tradição hebraica, há pouca controvérsia sobre a autoria do livro de Isaías, sendo amplamente aceito que o próprio profeta registrou todas as profecias contidas na obra. Isso, contudo, não excluiria a possibilidade de ele ter recorrido a amanuenses ou escribas para auxiliá-lo, sempre sob sua supervisão.

A partir de meados do século XVIII, começaram a surgir, dentro da tradição cristã, discussões e discordâncias sobre quem teria sido, de fato, o autor do livro.

A hipótese mais conhecida entre os estudiosos críticos sugere a existência de três autores distintos, que teriam desenvolvido as profecias em diferentes períodos da história. No entanto, tais teorias permanecem inconclusivas, e mesmo entre acadêmicos liberais, não houve consenso definitivo ao longo de quase dois séculos de debate.

Por outro lado, os estudiosos conservadores apoiam-se na tradição hebraica e assumem coerentemente que o próprio Isaías registrou suas mensagens, possivelmente com o auxílio de amanuenses. Além disso, seus dois filhos também exerceram a função profética, o que reforça a continuidade e autenticidade de sua obra.

Quem Foi o Profeta Isaías

O nome Isaías ou Jesaías (יְשַׁעְיָה - Yᵉshaʻyâh) significa “Yahweh salvou” e está relacionado aos nomes “Josué” e “Jesus” em suas formas hebraicas. Isaías 1.1 afirma que ele era filho de Amóz ( 1.1; 2.1 - não deve ser confundido com o profeta Amós), mas, infelizmente, não há informações adicionais sobre ele além dessa referência. Segundo uma tradição judaica, então extrabíblica, era irmão do rei Amazias; nesse caso, Isaías seria primo do rei Uzias. Corroborando com esta tradição temos o fato de que Isaías desfrutava, de fato, de livre trânsito na casa real, além de ter acesso às pessoas mais influentes do seu tempo. 

Era casado e chama a sua mulher “a profetisa” (8.3); tiveram dois filhos, cujos nomes o pai utilizou para ilustrar suas mensagens proféticas:

Shear-Jashub (שְׁאָר יָשׁוּב - cf. 7.3) — significa “um remanescente voltará”, indicando que, apesar da dureza de coração do povo, Deus preservaria um número de fiéis.

Maher-Shalal-Hash-Baz (מַהֵר שָׁלָל חָשׁ בַּז - cf. 8.3) — significa “rápido é o despojo e veloz é a presa”, um anúncio do julgamento divino sobre os inimigos da nação, que seria iminente e devastador.

Isaías exerceu seu ministério por mais de quarenta anos, aproximadamente entre 740 e 701 a.C.. Logo no início de seu livro, ele menciona os reis que governaram Judá durante seu período profético: Uzias (falecido em 740 a.C.), Jotão (750-731 a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (729-686 a.C.).

Naquele tempo, o Império Assírio era uma força dominante e representava uma ameaça constante para Judá. Deus usou essa grande potência como instrumento de disciplina contra os israelitas, que insistiam em confiar em alianças políticas, em vez de permanecerem fiéis a Yahweh.

Isaías serviu como profeta na corte real de Judá, direcionando suas mensagens principalmente ao reino do Sul, mas também trazendo advertências e orientações para Israel (reino do Norte) e outras nações. O livro de Isaías narra diversos encontros do profeta com os reis de Judá, especialmente Acaz e Ezequias. No entanto, mesmo os melhores governantes não acolheram plenamente suas palavras, e, ao final de seu longo ministério, as consequências foram devastadoras: ambos os reinos sucumbiram diante de seus inimigos.

Apesar disso, as mensagens messiânicas de Isaías atravessaram os séculos, oferecendo consolo e esperança aos remanescentes fiéis. Um dos momentos mais marcantes dessa expectativa se manifesta nas palavras do sacerdote Simeão, que, ao segurar o bebê Jesus em seus braços, declarou:

“Porque os meus olhos já viram a tua salvação” (Lucas 2.25-32).

Simeão havia recebido uma revelação do Espírito Santo de que não morreria antes de ver o Messias, e ao finalmente contemplá-Lo, sua alegria foi completa. Assim, Isaías deixou um legado profundo, repleto de profecias que se cumpriram plenamente na vida e obra de Jesus Cristo.

Autoria do Livro

A partir do século XIX, críticos céticos e liberais passaram a tratar o livro de Isaías como uma colcha de retalhos, propondo diversas teorias sobre sua autoria e estrutura. No entanto, essas abordagens frequentemente se mostraram inconsistentes, com argumentos sendo revisados ou até contraditos ao longo do tempo.

Muitas dessas análises pareciam menos focadas na busca pela verdade e mais voltadas à desconstrução do texto bíblico. Em vez de reconhecer sua solidez e inspiração divina, havia uma forte inclinação para contestá-lo, como se o objetivo fosse negar as Escrituras em vez de compreendê-las.

Os críticos racionalistas liberais desenvolveram diversas teorias sobre a autoria do livro de Isaías, sendo a mais conhecida a hipótese do Trino Isaías. Segundo essa teoria, o livro teria sido escrito em três períodos distintos por diferentes autores: Isaías de Jerusalém (capítulos 1-39), um profeta do período do exílio chamado Deutero-Isaías (capítulos 40-55) e um terceiro profeta pós-exílio, conhecido como Terceiro Isaías (capítulos 56-66).

Embora amplamente difundida em círculos acadêmicos desde o século XIX, essa teoria carece de evidências históricas e manuscritas concretas que sustentem a existência desses autores distintos. Não há qualquer comprovação externa ou documental que ateste a separação dessas três divisões em qualquer período específico. Além disso, as análises baseadas em diferenças estilísticas e contextuais frequentemente entram em contradição, levando estudiosos a revisar ou até mesmo abandonar argumentos anteriores, sem alcançar um consenso definitivo.

Enquanto alguns estudiosos insistem em fragmentar o livro de Isaías, desconsiderando sua unidade e coesão interna, a tradição bíblica sempre reconheceu o profeta como seu autor legítimo. A identificação antecipada de Ciro (Isaías 44.28 e 45.1), que governaria o Império Persa mais de 150 a 200 anos depois, longe de ser um argumento contra a autoria única de Isaías, apenas reforça a ideia de que Yahweh conduz os detalhes da História Humana, pois Ele “conhece o fim desde o princípio” (Isaías 46.10).

Como mencionado anteriormente, nunca houve comprovação concreta dessas teorias, tampouco evidências da existência desses supostos autores distintos ou de escritos independentes fora do contexto do livro canônico. O que se tem é o mesmo texto íntegro, preservado nas versões judaicas e cristãs, sem fragmentações externas que sustentem tais hipóteses.

Os estudiosos Reformados do século XVI, reconhecidos por sua profunda capacidade acadêmica e domínio das línguas bíblicas, endossaram sem hesitação o livro de Isaías como parte legítima do cânon hebraico. Mesmo os doutores da Igreja Romana, que possuíam vasta formação teológica, aceitaram Isaías como um dos textos proféticos fundamentais das Escrituras.

Essa concordância entre diferentes tradições cristãs reforça o reconhecimento histórico da autenticidade e autoridade do livro, sem questionamentos quanto à sua integridade e inclusão no cânon hebraico.

Para sustentar a unicidade da autoria de Isaías, observa-se que suas mensagens eram tão extensas que não podiam ser acomodadas em um único rolo de manuscrito devido às limitações físicas de espaço. Dessa forma, seus escritos foram organizados em dois rolos: o primeiro contendo os capítulos 1 a 39 e o segundo, os capítulos 40 a 66. No entanto, essa divisão ocorreu exclusivamente por questões práticas, sem qualquer evidência que indique múltiplos autores, preservando assim a continuidade e a integridade do texto.

Ao contrário das teorias modernas que fragmentam o livro em seções independentes, a organização de Isaías reforça a visão tradicional de sua autoria única, transmitindo uma mensagem profética coesa e ininterrupta.

Os copistas hebreus sempre demonstraram extremo zelo na reprodução dos livros bíblicos, assegurando sua fidelidade ao longo dos séculos. Foi apenas no século XVIII que começaram a surgir teorias propondo uma pluralidade de autores e divisões adicionais, chegando a fragmentar Isaías em três, quatro ou até mesmo em coletâneas de autores distintos, como se vê hoje em algumas abordagens acadêmicas.

Os famosos Manuscritos do Mar Morto trouxeram evidências importantes para reforçar o cânon judaico-cristão. Foram encontrados dois rolos praticamente intactos, preservando a mesma divisão tradicional. Embora o segundo rolo tenha seus capítulos finais bastante corroídos pela umidade ao longo do tempo, não há qualquer indício de subdivisões adicionais ou de autorias distintas.

Os Rolos do Mar Morto foram descobertos em 1947, nas cavernas de Qumran. Segundo os estudiosos, são datados entre o século II a.C. e o século I d.C., o que significa que foram escritos cerca de mil anos antes das cópias massoréticas do texto canônico de Isaías, que serviram de base para as versões modernas da Bíblia Hebraica.

O pesquisador J. Daniel Hays reforça essa perspectiva ao afirmar: “Estudos literários sobre o livro de Isaías nos últimos vinte anos apontaram que não apenas existem numerosos temas literários conectando todo o livro, mas a estrutura literária real do livro defende a unidade” (HAYS, 2010, p. 96).

Contexto Histórico

O século VIII a.C. foi um período marcante para a atuação dos profetas bíblicos, trazendo mensagens impactantes para os reinos de Israel e Judá. Nesse contexto, destacam-se Amós, Oséias, Isaías e Miqueias. Isaías e Miqueias profetizaram em Judá, enquanto Amós, apesar de ser do sul, foi enviado para proclamar suas mensagens no reino do norte, onde Oséias também exerceu seu ministério.

Amós foi pioneiro entre eles, encerrando sua missão antes dos demais. Já Isaías, um dos profetas mais influentes, deixou um legado de escritos extenso e profundo. Essa diferença na quantidade de registros levou à distinção entre Profetas Maiores e Menores—uma categorização baseada exclusivamente no volume de textos preservados, e não na importância das mensagens. Para ilustrar, os escritos de Isaías preencheram dois rolos de pergaminho, enquanto todos os chamados profetas Menores, juntos, ocuparam apenas um.

Mas sem dúvida é Miqueias que tem mais afinidade com o conteúdo das mensagens de Isaías. Muitos entendem que Miqueias atuou mais no interior da nação judaica, enquanto Isaias atuava mais na capital Jerusalém. Mas as ênfases de suas mensagens convergem sem nunca se contradizerem, um importante argumento da unicidade da mensagem bíblica.

·       Justiça e condenação ao pecado: (Isaías 1.17) e (Miquéias 3.1-3).

·       Chamado ao arrependimento: (Isaías 1.11-18) e (Miquéias 6.8).

·       Esperança messiânica: (Isaías 9.6) e (Miquéias 5.2).

A quantidade de escritos preservados indica que Isaías desenvolveu suas mensagens de forma mais aprofundada e abordou um número maior de temas. Além disso, ele iniciou seu ministério profético ainda jovem, enquanto Miqueias recebeu seu chamado em uma fase mais madura, refletindo não apenas períodos distintos de atuação, mas também diferenças na abordagem e no alcance de suas mensagens.

Diante dessa realidade iminente, o reino de Judá tinha dois caminhos a seguir: continuar sua trajetória e enfrentar o mesmo destino destrutivo de seus irmãos do norte, ou aprender com a ruína deles, arrepender-se e mudar sua história, retornando aos caminhos de Yahweh.

Infelizmente, para o pesar do profeta, a nação permaneceria indiferente à sua mensagem, assim como havia feito com outros profetas de seu tempo. Cerca de 136 anos separam a invasão e destruição irreversível de Samaria pelos exércitos assírios e a completa devastação de Jerusalém e seu Templo pelas forças babilônicas.

No início do ministério de Isaías, a Assíria iniciava sua expansão sob a liderança de Tiglath-Pileser III (745-727 a.C.), tornando-se uma ameaça crescente para os reinos menores ao seu redor. A destruição assíria se alastrava rapidamente, trazendo instabilidade e medo.

No entanto, Deus havia prometido, por meio de Seu profeta, proteção contra qualquer inimigo, desde que o povo permanecesse firme na fé. A mensagem de Isaías apresentava dois caminhos: o juízo iminente—exemplificado na queda de seus irmãos do Reino do Norte—ou segurança e proteção, caso confiassem unicamente em Deus, sem recorrer a acordos políticos ou, pior ainda, à adoração de outros deuses.

Infelizmente, os reis e líderes religiosos (sacerdotes) ignoraram essa advertência e falharam gravemente em conduzir a nação pelo caminho da fé. Como resultado, aproximadamente um século depois, Judá foi devastado pelos exércitos babilônicos, culminando na destruição de Jerusalém e de seu Templo.

 

OBS.: como o artigo ficou muito extenso o dividi em duas partes. Na segunda parte faço uma síntese da mensagem deste profeta querido.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

CROATTO, J. Severino. Isaías – A palavra profética e sua releitura hermenêutica. v. 2. Tradução de Haroldo Reimer. Petrópolis, RJ; São Leopoldo, RS: Editora Vozes; Editora Sinodal, 1998.

DARDER, Francesc Ramis. Isaías 40-66. Bilbao: Editorial Desclée De Brouwer, 2008.

FALCÃO, Silas Alves. Panorama do Velho Testamento – Os livros proféticos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965.

GUFFIN, Gilbert. The Gospel in Isaiah [O Evangelho em Isaías]. Nashville: Convention Press, 1968.

HAYS, J. Daniel. The Message of the Prophets: A Survey of the Prophetic and Apocalyptic Books of the Old Testament. Grand Rapids: Zondervan Academic, 2010.

HORTON, Stanley M. Isaías – O profeta messiânico. Tradução de Benjamim de Souza. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.

RIDDERBOS, J. Isaías: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1986.

SMITH, James E. An Expository Commentary on the Book of Isaiah. Lulu.com, 2019.


segunda-feira, 14 de abril de 2025

Vocabulário Bíblico Teológico - Anticristo



 Este é um termo eminentemente joanino epistolar (1João 2.18; 2.22 e 4.3; 2João 1.7). Primeiramente é preciso corrigirmos o equívoco de que o velho apostolo esteja se referindo alguma figura unicamente escatológica relacionado à Parousia e/ou Segunda Vinda de Jesus Cristo. Em suas epístolas o anticristo uma figura presencial, uma realidade ativa que os cristãos devem rejeitar e confrontar com discernimento e fidelidade.

“Anticristo” é uma palavra nova, provavelmente cunhada pelo apostolo João.[1] No singular, torna-se um personagem que atuará mais enfaticamente no mundo no momento da Vinda do Senhor (1João 2.18, 43). Ele negará que Jesus é o Cristo (1João 2.22). Ele é o Enganador (2João 1.7). O apostolo utiliza o plural como que indicando que surgirão muitos anticristos (1João 2.18), até à Volta de Cristo. Portanto, querer identificar um único Anticristo, como foi muito popular na década de 70, é um equívoco exegético-hermenêutico.[2]

É um termo composto por uma preposição – anti -, que aqui indica duas possibilidades: ser “contra”, ou ainda, “em vez de”. Assim, este elemento se constitui em um “pseudocristo”, um “falso Cristo” (em vez de), mas também traz a ideia de um opositor ao verdadeiro Cristo (“contra”). Desta forma o Anticristo afirmar que ele mesmo é Cristo e/ou afirma que não há Cristo.[3]

De maneira que este termo grego “anticristo” pode estar fazendo referência a uma pessoa e/ou ser maligno que não está apenas lutando contra Jesus, mas que empreende todo seu esforço e poder para alcançar a mesma posição que Jesus. De maneira que, sua pretensão é a de ser um “Cristo substituto”. No Apocalipse essa figura almeja receber a adoração que somente Jesus Cristo recebe. Aqueles que rejeitam a Cristo adorarão o Anticristo como sendo um deus (“todos os que habitam na terra o adorarão” – Ap. 13.7-8).

O apostolo Paulo o identifica pela expressão “o Homem do Pecado”, um impostor que se assenta no Templo de Deus, na verdade um pseudo - do grego (ψευδής) falso" ou "enganoso" (cf. segundo capítulo de Tessalonicenses).

A Didaquê, um documento cristão que não foi incluído no Canon, interpreta que a manifestação (ou como vimos) a proliferação de Anticristos, anuncia a proximidade da Segunda Vinda do Senhor e que ele vem caracterizado como o Cristo e/ou o Filho de Deus (Did. 16[4]).

Alguns dos primeiros estudiosos cristãos (Orígenes, Tertuliano, Teofilato) entendiam que o Anticristo não era tanto um impostor quanto o um opositor (inimigo de Deus, portanto dos cristãos e da Igreja). Desta forma, para eles e muitos cristãos que foram perseguidos e mortos, primeiramente pelo Império e posteriormente pela própria Igreja Romana, o(s) Papa(s) encarnavam essa figura do Anticristo.

Em vários momentos distintos da História Cristã essa figura foi identificada com os mais terríveis personagens, como Hitler. Mas não devemos limitar uma figura tão significativa à curta vida de qualquer geração em particular. Certamente não é a melhor hermenêutica-exegética vincularmos esse terrível personagem bíblico a uma única figura, por mais terrível e destrutiva que ela seja.

A Bíblia, como um GPS, nos fornece as diversas direções em que ele se move, e sempre com acuidade e bom senso podemos identificar para incidentes históricos isolados como sinais de suas ações maléficas. Neste sentido é possível identificarmos características de Anticristo em um líder e em um governo déspota auto deificado (cf. Ap 13), pois muitos anticristos aparecerão. O que não estamos autorizados a fazer é definir que este ou aquele é o Anticristo definitivo.

Nos dias atuais, não faltam figuras diversas que se apresentam como capazes de estabelecer na terra uma ordem social ideal, um salvador alternativo, um Anticristo. Isso representa uma distorção severa da escatologia cristã genuína, uma fé secularizada fundamentada no poder econômico, tecnológico e científico, que busca construir na terra uma nova ordem para a sociedade humana (exemplo disso é o grupo que orbita em torno do magnata Soros). Esses elementos, quando comparados ao Senhor Jesus Cristo, o verdadeiro Salvador e Senhor do mundo, são tanto "pseudo" quanto "anti".

Aventurar-se pelas especulações e interpretações dos termos, sem um estudo criterioso de seu contexto exegético-hermenêutico, tem produzido elaborações absurdas e antibíblicas, que tem surgido ao longo dos séculos e continuam a atrair cristãos neófitos ou despreparados no estudo sério das Escrituras. Além disso, essas elaborações também seduzem religiosos que se dedicam apenas a discussões frívolas e estéreis. Consequentemente, surgem conjecturas, suposições e hipóteses fundamentadas em evidências insuficientes, meros palpites ou simples deduções.

Mediante a tudo que vimos a conclusão de Warfield é a mais coerente na harmonia das referências bíblicas: "O Anticristo não é um fenômeno futuro, mas um fenômeno presente; não uma coisa a ser esperada com pavor sem nome, mas uma coisa a ser corajosamente enfrentada em nossa vida cotidiana. João faz essa afirmação com a máxima ênfase (iv. 3), p. 72”. Essa é a principal questão do tema do "anticristo" joanino.

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Mestre em Ciências da Religião.
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Referências Bibliográficas

TURNER, Nigel. Christian Words. Edinburgh: T. & T. Clark Ltd., 1980.

WALLACE, Daniel. Greek Grammar Beyond the Basics (Grand Rapids, Michigan: Zondervan, 1996. p. 364.

WARFIELD, Benjamin B. “Antichrist” in John. E. Meeter, ed. Selected Shorter Writings of Benjamin B. Warfield Volume I. (Nutley, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1970. 356.

Verbete – Antichrist. The Interrprete’s Dictionary of the Bible. Abingdon Press: Nashville, 1996.

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[1] Estudiosos tem empreendido pesquisas nas literaturas judaicas antigas, todavia, não encontram substancialmente relações diretas deste termo. Nas fontes judaicas, o messias tem oponentes políticos, mas a figura do Anticristo cristão é eminentemente uma figura religiosa. B. B. Warfield observou: "O Antigo Testamento não nos diz nada sobre o Anti-Messias. Não foi descoberto em nenhum dos fragmentos da literatura judaica pré-cristã que chegaram até nós”. (WARFIELD, 1970, p.356)

[2] Todo o período entre a primeira e a segunda vinda de Jesus é chamado de "última hora" e "últimos dias". Ver Atos 2.17; 2 Timóteo 3.1; Hebreus 1.2; 1 Pd 1.20 (cf. 1 Cor. 10.11). Assim, a "última hora" em 1 João 2.18 não é uma referência aos últimos dias que precedem o retorno de Cristo, mas uma referência a toda a era da igreja em que vivemos agora.

[3] De acordo com Daniel Wallace, a preposição anti tem dois significados básicos e um discutível. Pode expressar substituição (em vez de, no lugar de); pode expressar troca/equivalência (para, como, no lugar de); e também pode expressar causa (por causa de), embora esta última categoria seja debatida. (WALLACE, 1996, p. 364).

[4] “Então o sedutor do mundo aparecerá, como se fosse o Filho de Deus, e fará sinais e prodígios. A terra será entregue em suas mãos e cometerá crimes como jamais foram cometidos desde o começo do mundo”.


sábado, 5 de abril de 2025

LEWIS – Pequenas Reflexões: Vivendo Adequadamente as Bênçãos de Deus

Tendemos a pensar que, ao recebermos as bênçãos de Deus, nossos corações naturalmente responderiam com gratidão e louvor. No entanto, tanto a Bíblia quanto as experiências do dia a dia revelam que isso nem sempre acontece. Na verdade, viver na abundância dessas bênçãos e da satisfação que elas trazem pode gerar perigos ocultos — efeitos colaterais - que exigem de nós uma atenção constante e uma vigilância redobrada sobre os nossos corações.

Um exemplo claro está na advertência de Deus ao povo de Israel, enquanto se preparavam para entrar na Terra Prometida, cheia de ricas bênçãos: “... acautelai-vos para que não vos esqueçais do Senhor, vosso Deus” (destaque meu). Entretanto, ao estudar a história dos israelitas em Canaã, percebemos que essas palavras não foram plenamente entendidas ou levadas a sério. Eles rapidamente se esqueciam de que foi Deus quem lhes concedeu aquela terra maravilhosa e garantiu as numerosas vitórias sobre seus inimigos.

Exatamente como Deus havia alertado, as bênçãos podiam trazer o risco de um coração orgulhoso e afastado: “... caso contrário, quando você tiver comido e estiver satisfeito, e tiver construído boas casas e morado nelas, e quando sua prata e ouro se multiplicarem, e tudo o que você tem se multiplicar, então seu coração se tornará orgulhoso e você se esquecerá do Senhor seu Deus... podes dizer em teu coração: Meu poder e a força de minha mão me fizeram esta riqueza” (Deuteronômio 8.11-18). Esse é um risco constante que enfrentamos em nossa jornada cristã. Como, então, podemos evitar nos tornarmos orgulhosos e autossuficientes em nossos corações, esquecendo de Deus?

Lewis nos oferece uma importante perspectiva ao compartilhar sua descoberta: os prazeres genuínos da vida são como flechas que apontam para a glória de Deus. Ele reflete: “Desde então, tenho me esforçado para transformar cada prazer em um caminho para a adoração. Não estou falando apenas de agradecer por isso. Agradecer é essencial, mas o que quero dizer vai além... A gratidão proclama de forma correta: ‘Como Deus é bom por me dar isso’. Já a adoração exclama: ‘Como deve ser o caráter daquele Ser cujos reflexos fugazes e distantes são assim!’ Nossa mente segue o raio de sol até chegar ao próprio sol” (LEWIS, 1964, p. 117-118).

Porque o teu amor é melhor do que a vida, os meus lábios te glorificarão. Eu te louvarei enquanto eu viver, e em teu nome levantarei minhas mãos. Minha alma ficará satisfeita como com os alimentos mais ricos; com lábios cantantes a minha boca te louvará (Salmos 63:3-5 NTLH).


Texto Adaptado e Comentado
Letters to Malcolm: Chiefly on Prayer
London: Geoffrey Bles, 1964, p. 117-118.
Instituto C.S. Lewis

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