A
extraordinária composição "O Messias", de Handel, tem
nas profecias messiânicas de Isaías uma de suas principais fontes de
inspiração.
Chamado
por Deus ainda na juventude para “clamar em alta voz e não poupar”, Isaías
respondeu voluntariamente: “Eis-me aqui”. Provavelmente, foi um
dos profetas bíblicos com o ministério mais longo, abrangendo o reinado de
diversos reis.
Sua
mensagem nunca teve o propósito de agradar seus ouvintes, mas sim de cumprir a
vontade de Deus. Ao proclamar abertamente a palavra do Santo de Israel para uma
“nação pecadora, carregada de iniquidade”, Isaías não se tornou um pregador
popular ou querido. Seus temas centrais eram arrependimento, juízo e
restauração, e suas mensagens estavam inseridas no contexto histórico dos
anúncios proféticos sobre a vinda do Messias, o Senhor da Glória.
Autoria
Na
tradição hebraica, há pouca controvérsia sobre a autoria do livro de Isaías,
sendo amplamente aceito que o próprio profeta registrou todas as profecias
contidas na obra. Isso, contudo, não excluiria a possibilidade de ele ter
recorrido a amanuenses ou escribas para auxiliá-lo, sempre sob sua supervisão.
A
partir de meados do século XVIII, começaram a surgir, dentro da tradição
cristã, discussões e discordâncias sobre quem teria sido, de fato, o autor do
livro.
A
hipótese mais conhecida entre os estudiosos críticos sugere a existência de
três autores distintos, que teriam desenvolvido as profecias em diferentes
períodos da história. No entanto, tais teorias permanecem inconclusivas, e
mesmo entre acadêmicos liberais, não houve consenso definitivo ao longo de
quase dois séculos de debate.
Por
outro lado, os estudiosos conservadores apoiam-se na tradição hebraica e
assumem coerentemente que o próprio Isaías registrou suas mensagens,
possivelmente com o auxílio de amanuenses. Além disso, seus dois filhos também
exerceram a função profética, o que reforça a continuidade e autenticidade de
sua obra.
Quem
Foi o Profeta Isaías
O
nome Isaías ou Jesaías (יְשַׁעְיָה - Yᵉshaʻyâh) significa
“Yahweh salvou” e está relacionado aos nomes “Josué” e “Jesus”
em suas formas hebraicas. Isaías 1.1 afirma que ele era filho de Amóz ( 1.1;
2.1 - não deve ser confundido com o profeta Amós), mas, infelizmente, não há
informações adicionais sobre ele além dessa referência. Segundo uma tradição
judaica, então extrabíblica, era irmão do rei Amazias; nesse caso, Isaías
seria primo do rei Uzias. Corroborando com esta tradição temos o fato de
que Isaías desfrutava, de fato, de livre trânsito na casa real, além de ter
acesso às pessoas mais influentes do seu tempo.
Era
casado e chama a sua mulher “a profetisa” (8.3); tiveram dois filhos,
cujos nomes o pai utilizou para ilustrar suas mensagens proféticas:
•
Shear-Jashub
(שְׁאָר יָשׁוּב - cf. 7.3) — significa “um remanescente voltará”,
indicando que, apesar da dureza de coração do povo, Deus preservaria um número
de fiéis.
•
Maher-Shalal-Hash-Baz
(מַהֵר שָׁלָל חָשׁ בַּז - cf. 8.3) — significa “rápido é o despojo e veloz é a presa”,
um anúncio do julgamento divino sobre os inimigos da nação, que seria iminente
e devastador.
Isaías
exerceu seu ministério por mais de quarenta anos, aproximadamente entre 740 e
701 a.C.. Logo no início de seu livro, ele menciona os reis que governaram Judá
durante seu período profético: Uzias (falecido em 740 a.C.), Jotão (750-731
a.C.), Acaz (735-715 a.C.) e Ezequias (729-686 a.C.).
Naquele
tempo, o Império Assírio era uma força dominante e representava uma ameaça
constante para Judá. Deus usou essa grande potência como instrumento de
disciplina contra os israelitas, que insistiam em confiar em alianças
políticas, em vez de permanecerem fiéis a Yahweh.
Isaías
serviu como profeta na corte real de Judá, direcionando suas mensagens
principalmente ao reino do Sul, mas também trazendo advertências e orientações
para Israel (reino do Norte) e outras nações. O livro de Isaías narra diversos
encontros do profeta com os reis de Judá, especialmente Acaz e Ezequias. No
entanto, mesmo os melhores governantes não acolheram plenamente suas palavras,
e, ao final de seu longo ministério, as consequências foram devastadoras: ambos
os reinos sucumbiram diante de seus inimigos.
Apesar
disso, as mensagens messiânicas de Isaías atravessaram os séculos, oferecendo
consolo e esperança aos remanescentes fiéis. Um dos momentos mais marcantes
dessa expectativa se manifesta nas palavras do sacerdote Simeão, que, ao
segurar o bebê Jesus em seus braços, declarou:
“Porque os meus olhos já
viram a tua salvação” (Lucas 2.25-32).
Simeão
havia recebido uma revelação do Espírito Santo de que não morreria antes de ver
o Messias, e ao finalmente contemplá-Lo, sua alegria foi completa. Assim,
Isaías deixou um legado profundo, repleto de profecias que se cumpriram
plenamente na vida e obra de Jesus Cristo.
Autoria
do Livro
A
partir do século XIX, críticos céticos e liberais passaram a tratar o livro de
Isaías como uma colcha de retalhos, propondo diversas teorias sobre sua autoria
e estrutura. No entanto, essas abordagens frequentemente se mostraram
inconsistentes, com argumentos sendo revisados ou até contraditos ao longo do
tempo.
Muitas
dessas análises pareciam menos focadas na busca pela verdade e mais voltadas à
desconstrução do texto bíblico. Em vez de reconhecer sua solidez e inspiração
divina, havia uma forte inclinação para contestá-lo, como se o objetivo fosse
negar as Escrituras em vez de compreendê-las.
Os
críticos racionalistas liberais desenvolveram diversas teorias sobre a autoria
do livro de Isaías, sendo a mais conhecida a hipótese do Trino Isaías.
Segundo essa teoria, o livro teria sido escrito em três períodos distintos por
diferentes autores: Isaías de Jerusalém (capítulos 1-39), um profeta do
período do exílio chamado Deutero-Isaías (capítulos 40-55) e um terceiro
profeta pós-exílio, conhecido como Terceiro Isaías (capítulos 56-66).
Embora
amplamente difundida em círculos acadêmicos desde o século XIX, essa teoria
carece de evidências históricas e manuscritas concretas que sustentem a
existência desses autores distintos. Não há qualquer comprovação externa ou
documental que ateste a separação dessas três divisões em qualquer período
específico. Além disso, as análises baseadas em diferenças estilísticas e
contextuais frequentemente entram em contradição, levando estudiosos a revisar
ou até mesmo abandonar argumentos anteriores, sem alcançar um consenso
definitivo.
Enquanto
alguns estudiosos insistem em fragmentar o livro de Isaías, desconsiderando sua
unidade e coesão interna, a tradição bíblica sempre reconheceu o profeta como
seu autor legítimo. A identificação antecipada de Ciro (Isaías 44.28 e
45.1), que governaria o Império Persa mais de 150 a 200 anos depois,
longe de ser um argumento contra a autoria única de Isaías, apenas reforça a
ideia de que Yahweh conduz os detalhes da História Humana, pois Ele
“conhece o fim desde o princípio” (Isaías 46.10).
Como
mencionado anteriormente, nunca houve comprovação concreta dessas teorias,
tampouco evidências da existência desses supostos autores distintos ou de
escritos independentes fora do contexto do livro canônico. O que se tem é o
mesmo texto íntegro, preservado nas versões judaicas e cristãs, sem
fragmentações externas que sustentem tais hipóteses.
Os
estudiosos Reformados do século XVI, reconhecidos por sua profunda
capacidade acadêmica e domínio das línguas bíblicas, endossaram sem hesitação o
livro de Isaías como parte legítima do cânon hebraico. Mesmo os doutores
da Igreja Romana, que possuíam vasta formação teológica, aceitaram
Isaías como um dos textos proféticos fundamentais das Escrituras.
Essa
concordância entre diferentes tradições cristãs reforça o reconhecimento
histórico da autenticidade e autoridade do livro, sem questionamentos quanto à
sua integridade e inclusão no cânon hebraico.
Para
sustentar a unicidade da autoria de Isaías, observa-se que suas mensagens eram
tão extensas que não podiam ser acomodadas em um único rolo de manuscrito
devido às limitações físicas de espaço. Dessa forma, seus escritos foram
organizados em dois rolos: o primeiro contendo os capítulos 1 a 39
e o segundo, os capítulos 40 a 66. No entanto, essa divisão ocorreu
exclusivamente por questões práticas, sem qualquer evidência que indique
múltiplos autores, preservando assim a continuidade e a integridade do texto.
Ao
contrário das teorias modernas que fragmentam o livro em seções independentes,
a organização de Isaías reforça a visão tradicional de sua autoria única,
transmitindo uma mensagem profética coesa e ininterrupta.
Os
copistas hebreus sempre demonstraram extremo zelo na reprodução dos
livros bíblicos, assegurando sua fidelidade ao longo dos séculos. Foi apenas no
século XVIII que começaram a surgir teorias propondo uma pluralidade de
autores e divisões adicionais, chegando a fragmentar Isaías em três, quatro ou
até mesmo em coletâneas de autores distintos, como se vê hoje em algumas
abordagens acadêmicas.
Os
famosos Manuscritos do Mar Morto trouxeram evidências importantes para
reforçar o cânon judaico-cristão. Foram encontrados dois rolos praticamente
intactos, preservando a mesma divisão tradicional. Embora o segundo rolo
tenha seus capítulos finais bastante corroídos pela umidade ao longo do tempo,
não há qualquer indício de subdivisões adicionais ou de autorias distintas.
Os
Rolos do Mar Morto foram descobertos em 1947, nas cavernas de Qumran.
Segundo os estudiosos, são datados entre o século II a.C. e o século I d.C.,
o que significa que foram escritos cerca de mil anos antes das cópias
massoréticas do texto canônico de Isaías, que serviram de base para as versões
modernas da Bíblia Hebraica.
O
pesquisador J. Daniel Hays reforça essa perspectiva ao afirmar: “Estudos
literários sobre o livro de Isaías nos últimos vinte anos apontaram que não
apenas existem numerosos temas literários conectando todo o livro, mas a
estrutura literária real do livro defende a unidade” (HAYS, 2010, p. 96).
Contexto
Histórico
O
século VIII a.C. foi um período marcante para a atuação dos profetas bíblicos,
trazendo mensagens impactantes para os reinos de Israel e Judá. Nesse contexto,
destacam-se Amós, Oséias, Isaías e Miqueias. Isaías e Miqueias profetizaram em
Judá, enquanto Amós, apesar de ser do sul, foi enviado para proclamar suas
mensagens no reino do norte, onde Oséias também exerceu seu ministério.
Amós
foi pioneiro entre eles, encerrando sua missão antes dos demais. Já Isaías, um
dos profetas mais influentes, deixou um legado de escritos extenso e profundo.
Essa diferença na quantidade de registros levou à distinção entre Profetas
Maiores e Menores—uma categorização baseada exclusivamente no volume de textos
preservados, e não na importância das mensagens. Para ilustrar, os escritos de
Isaías preencheram dois rolos de pergaminho, enquanto todos os chamados
profetas Menores, juntos, ocuparam apenas um.
Mas
sem dúvida é Miqueias que tem mais afinidade com o conteúdo das mensagens de
Isaías. Muitos entendem que Miqueias atuou mais no interior da nação judaica,
enquanto Isaias atuava mais na capital Jerusalém. Mas as ênfases de suas
mensagens convergem sem nunca se contradizerem, um importante argumento da
unicidade da mensagem bíblica.
· Justiça
e condenação ao pecado: (Isaías 1.17) e (Miquéias 3.1-3).
· Chamado
ao arrependimento: (Isaías 1.11-18) e (Miquéias 6.8).
· Esperança
messiânica: (Isaías 9.6) e (Miquéias 5.2).
A
quantidade de escritos preservados indica que Isaías desenvolveu suas mensagens
de forma mais aprofundada e abordou um número maior de temas. Além disso, ele
iniciou seu ministério profético ainda jovem, enquanto Miqueias recebeu seu
chamado em uma fase mais madura, refletindo não apenas períodos distintos de
atuação, mas também diferenças na abordagem e no alcance de suas mensagens.
Diante
dessa realidade iminente, o reino de Judá tinha dois caminhos a seguir:
continuar sua trajetória e enfrentar o mesmo destino destrutivo de seus irmãos
do norte, ou aprender com a ruína deles, arrepender-se e mudar sua história,
retornando aos caminhos de Yahweh.
Infelizmente,
para o pesar do profeta, a nação permaneceria indiferente à sua mensagem, assim
como havia feito com outros profetas de seu tempo. Cerca de 136 anos separam a
invasão e destruição irreversível de Samaria pelos exércitos assírios e a
completa devastação de Jerusalém e seu Templo pelas forças babilônicas.
No
início do ministério de Isaías, a Assíria iniciava sua expansão sob a liderança
de Tiglath-Pileser III (745-727 a.C.), tornando-se uma ameaça crescente para os
reinos menores ao seu redor. A destruição assíria se alastrava rapidamente,
trazendo instabilidade e medo.
No
entanto, Deus havia prometido, por meio de Seu profeta, proteção contra
qualquer inimigo, desde que o povo permanecesse firme na fé. A mensagem de
Isaías apresentava dois caminhos: o juízo iminente—exemplificado na queda de
seus irmãos do Reino do Norte—ou segurança e proteção, caso confiassem
unicamente em Deus, sem recorrer a acordos políticos ou, pior ainda, à adoração
de outros deuses.
Infelizmente,
os reis e líderes religiosos (sacerdotes) ignoraram essa advertência e falharam
gravemente em conduzir a nação pelo caminho da fé. Como resultado,
aproximadamente um século depois, Judá foi devastado pelos exércitos
babilônicos, culminando na destruição de Jerusalém e de seu Templo.
OBS.: como o artigo ficou muito extenso o dividi em duas partes. Na
segunda parte faço uma síntese da mensagem deste profeta querido.
Utilização livre desde
que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da
Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro Bloghttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Artigos
Relacionados
Profetas:
Citações de Isaías nos Evangelhos
http://reflexaoipg.blogspot.com/2018/02/profetas-citacoes-de-isaias-nos.html?spref=tw
O
Período Clássico do Profetismo Bíblico - Século VIII
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/08/o-periodo-classico-do-profetismo-no-at.html
O
Desenvolvimento do Profetismo em Israel/Judá
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/08/o-desenvolvimento-do-profetismo-em.html
Profetas:
As Diversidades Contextuais
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/04/profetas-diversidade-contextual.html
Referências
Bibliográficas
CROATTO,
J. Severino. Isaías – A palavra profética e sua
releitura hermenêutica. v. 2. Tradução de Haroldo Reimer. Petrópolis, RJ;
São Leopoldo, RS: Editora Vozes; Editora Sinodal, 1998.
DARDER,
Francesc Ramis. Isaías 40-66. Bilbao: Editorial Desclée
De Brouwer, 2008.
FALCÃO,
Silas Alves. Panorama do Velho Testamento – Os livros
proféticos. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1965.
GUFFIN,
Gilbert. The Gospel in Isaiah [O Evangelho em Isaías].
Nashville: Convention Press, 1968.
HAYS,
J. Daniel. The Message of the Prophets: A Survey of the Prophetic
and Apocalyptic Books of the Old Testament. Grand Rapids: Zondervan
Academic, 2010.
HORTON,
Stanley M. Isaías – O profeta messiânico. Tradução de Benjamim
de Souza. Rio de Janeiro: CPAD, 2002.
RIDDERBOS,
J.
Isaías: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1986.
SMITH,
James E. An Expository Commentary on the Book of Isaiah. Lulu.com,
2019.