sexta-feira, 19 de julho de 2024

ATOS – Antioquia Nova Base Missionária (13.1-3)

 



O capítulo 13 é um divisor de águas na narrativa lucana da expansão da Igreja Cristã. A partir deste ponto ele deixa Jerusalém e a toda Palestina para trás[1] e começa a descortinar diante de nós os avanços significativos que aquela primeira geração de cristãos deu em direção aos confins da terra.

O verso final de Atos 12 retoma a história da viagem de Barnabé e Saulo/Paulo a Jerusalém para entregar o fundo de socorro, que é mencionado em 11.30. Lucas não fornece detalhes sobre o que aconteceu nestes dias em que estiveram na cidade. Em 12.25, Lucas simplesmente observa que Paulo e Barnabé retornam a Antioquia após a visita de socorro.

Um detalhe interessante é a inserção do jovem João Marcos que retorna com eles de Jerusalém. Este jovem é sobrinho (alguns preferem primo) de Barnabé e tudo indica que ele presenciou muitos dos acontecimentos narrados no final dos evangelhos e no início de Atos. O tio deve ter lhe falado sobre tudo que o Espírito Santo estava fazendo em Antioquia o que certamente despertou o interesse do jovem a ir com eles. Ele fará parte da primeira equipe missionária a partir de Antioquia.

Outro detalhe é que a viagem de Saulo e Barnabé a Jerusalém provavelmente ocorre após a morte de Herodes, o que torna a viagem deles segura e viável. (Herodes ordenando a morte de Tiago e prendendo Pedro agradou as lideranças religiosas judaicas, certamente colocando Saulo (Paulo) na prisão cairia definitivamente no gosto deles).

Após aproximadamente dez anos uma nova base se estabelece. Uma pungente comunidade cristã surge em Antioquia, capital da província romana da Síria, com seus mais de trezentos mil habitantes e quatrocentos e cinquenta quilômetros ao norte de Jerusalém. Ali também se encontra um forte contingente de judeus e muitos deles haverão de participar da Igreja. Provavelmente está igreja foi fundada pelos cristãos que fugiram de Jerusalém logo após a morte de Estevão (11.19-21). Barnabé é enviado pelos apóstolos para verificar se a comunidade cristã em Antioquia está dentro dos parâmetros pré-estabelecidos e percebendo a grande oportunidade que está diante dele vai buscar Saulo de Tarso (futuro Paulo missionário dos gentios), que havia sido convertido na estrada para Damasco (11.22-26) e ali permanecem por mais de um ano. A roda da Providência de Deus continuamente em movimento, de maneira que, sem qualquer alarde se inicia um dos movimentos missionários mais profícuos e extraordinários de toda a história da Igreja Cristã em todos os tempos.

Entre tantos outros núcleos de avanço do cristianismo Lucas optou por acompanhar as chamadas viagens missionárias realizadas a partir da igreja em Antioquia, que desta forma se constituirá em uma nova sede da expansão da Igreja Cristã iniciante. Faz todo o sentido, pois o historiador tendo nos capítulos anteriores registrados os avanços na Palestina judaica, bem como Samaria e adjacências, agora deseja mostrar como o Evangelho foi se expandindo pelo restante do Império Romano e como os não judeus (gentios) foram tomando conhecimento da mensagem evangélica e crendo, estabelecendo desta forma igrejas cada vez mais gentílica e menos judaicas.

Até agora, Jerusalém e a Judeia tinha sido o centro de sua narrativa. Pedro foi o personagem mais proeminente na narrativa. Agora, Lucas muda seu foco para a igreja em Antioquia e o personagem proeminente será Paulo (Saulo).

Os primeiros versos do capítulo treze nos possibilitam ver que o Espírito continua sendo o estrategista e condutor do movimento missionário cristão. É o Espírito quem separa (escolhe) Barnabé e Saulo (Paulo) e os envia para uma obra missionária expansionista. Evidentemente que a sensibilidade espiritual da liderança de Antioquia e a pronta disponibilidade dos convocados não podem ser minimizadas de forma alguma.

Posteriormente, em suas correspondências, Paulo vai ensinar que profetizar e ensinar são dons de Deus, dados pelo Espírito Santo para o bom funcionamento da igreja (Rm 12.4-8). No esboço das funções na igreja que Paulo descreve aos Coríntios, profetas e mestres são mencionados logo após os apóstolos (1Co 12.28). Em outra epístola, Paulo insere o papel de evangelista entre o de profeta e mestre (Ef 4.11).

Sendo uma característica peculiar de Barnabé, acaba por incluir o jovem João Marcos, seu sobrinho (ou primo) que havia vindo junto com eles de Jerusalém após a entrega da oferta aos necessitados, para compor a pequena equipe missionária. O termo grego usado para ele indica que é um ajudante, um aprendiz, na nossa linguagem um seminarista iniciando seu treinamento prático. Aparentemente o jovem fracassa em seu teste prático, todavia, posteriormente o veremos sendo extremamente importante para o trabalho realizado neste período inicial da Igreja, inclusive sendo ele o escritor de uma de nossas narrativas evangélicas, provavelmente decorrente das memórias do apostolo Pedro. O Espírito Santo trabalha prepara seus instrumentos a partir de suas limitações. Quando fracassamos, e vamos fracassar em algum momento, não significa que nunca teremos sucesso, apenas que vai demorar um pouco mais.

Lucas nomeia cinco profetas e mestres em Antioquia. Barnabé, Simeão chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém (que havia sido criado com Herodes) e Saulo. Seus nomes mostram que eles vêm de uma ampla variedade de origens sociais e étnicas.

Barnabé é mencionado primeiro por Lucas, pois ele é o delegado apostólico e uma figura importante na igreja de Jerusalém (9.27; 11.22-30). Já o conhecemos como um levita de Chipre que viveu em Jerusalém (4.36-37). Ainda mais, o conhecemos como "um homem bom, cheio do Espírito Santo e da fé" (11.24).

Simeão tem o apelido latino de Níger, ou "o negro". Seu nome é judeu, então é improvável que ele seja africano, embora possa ter tido a pele escura. O apelido pode distingui-lo de outros Simões na igreja, como Simão Pedro.

Lúcio tem um nome latino (romano). É possível, embora não seja certo, que ele seja um gentio, porque ele é de Cirene no norte da África. Talvez ele tenha feito parte do grupo cirênio (os de Cirene) que primeiro pregou o evangelho da salvação aos gentios de Antioquia (11.20).

Manaém é a forma grega do hebraico Menahem, que significa "consolador". Ele foi "criado com Herodes, o tetrarca (13.1). Este é o Herodes dos Evangelhos, a quem Jesus certa vez chamou de "aquela raposa" (Lc 13.32). Este Herodes foi responsável pela prisão e morte de João Batista (Mc 6.14-28). Se Manaém cresceu com ele, é possível que ele tenha sido levado para a corte real para ser um companheiro do príncipe; Esses meninos eram então chamados de "irmãos adotivos".

Que destinos tão diferentes tomaram esses dois rapazes - um alcança a honra como líder cristão, enquanto o outro é lembrado por seu comportamento inglório no assassinato de João Batista e no julgamento de Jesus!

Saulo é mencionado por último por Lucas, e ele continua a usar a forma judaica de seu nome, e não Paulo nome romano. Ele é o último porque é um recém-chegado a Antioquia (11.25). Mas ele logo assumirá o centro do palco no relato de Lucas, enquanto os outros, com exceção de Barnabé, não farão mais parte da história.

Esses homens são diferentes, cada um tem sua própria história, mas o Espírito Santo os trouxe e os colocou na mesma igreja e os capacitou com dons espirituais, para que pudessem conduzir o processo da expansão missionária.

Estamos por volta do ano 47 d.C. quando eles iniciam esta primeira viagem missionária (13.4-14.28)[2]. Nos próximos artigos acompanharemos passo a passo esta fascinante jornada e seus desdobramentos na expansão do cristianismo mundial.

 

Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br

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Referência Bibliográfica

BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.6. São Paulo: Vida Nova, 1989.

FITZMYER, Joseph A. Los Hechos de los apóstoles, v. 1. Salamanca (Espanha): Ediciones Sígueme, 2003.

MARSHALL, I. Howard. Atos – introdução e comentário. Tradução Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 1982 (2008).

STAGG, Frank. O Livro de Atos – a luta primitiva em prol de um Evangelho vencedor. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1958.

SMITH, T. C. Comentário Bíblico Broadman, v.10, JUERP, Rio de Janeiro, 1984.

WILLIAMS, David J. Atos - Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São Paulo: Editora Vida, 1996.



[1] Jerusalém somente reaparecera no capítulo 15 (realização do primeiro Concílio da Igreja Cristã) e esporadicamente até à prisão de Paulo e seu encaminhamento para Roma.

[2] Este é o primeiro de três blocos narrativos que compõem os registros das viagens missionárias de [Paulo] Saulo. O primeiro deles estabelece o modelo dos três. É importante, sem embargo, ter em conta que nem o apóstolo e nem Lucas numeraram estas viagens. A numeração é obra dos comentaristas modernos de Atos, que dividem os episódios em três blocos". Fitzmyer, Joseph A. Los Hechos de los Apóstoles, v.2, Ediciones Sígueme, Salamanca, 2003, p. 122. 

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