O capítulo 13 é um divisor de águas na
narrativa lucana da expansão da Igreja Cristã. A partir deste ponto ele deixa
Jerusalém e a toda Palestina para trás[1] e começa a descortinar
diante de nós os avanços significativos que aquela primeira geração de cristãos
deu em direção aos confins da terra.
O verso final de Atos 12 retoma a história da
viagem de Barnabé e Saulo/Paulo a Jerusalém para entregar o fundo de socorro,
que é mencionado em 11.30. Lucas não fornece detalhes sobre o que aconteceu
nestes dias em que estiveram na cidade. Em 12.25, Lucas simplesmente observa
que Paulo e Barnabé retornam a Antioquia após a visita de socorro.
Um detalhe interessante é a inserção do jovem João
Marcos que retorna com eles de Jerusalém. Este jovem é sobrinho (alguns
preferem primo) de Barnabé e tudo indica que ele presenciou muitos dos
acontecimentos narrados no final dos evangelhos e no início de Atos. O tio deve
ter lhe falado sobre tudo que o Espírito Santo estava fazendo em Antioquia o
que certamente despertou o interesse do jovem a ir com eles. Ele fará parte da
primeira equipe missionária a partir de Antioquia.
Outro detalhe é que a viagem de Saulo e Barnabé
a Jerusalém provavelmente ocorre após a morte de Herodes, o que torna a viagem
deles segura e viável. (Herodes ordenando a morte de Tiago e prendendo Pedro agradou
as lideranças religiosas judaicas, certamente colocando Saulo (Paulo) na prisão
cairia definitivamente no gosto deles).
Após aproximadamente dez anos uma nova base se
estabelece. Uma pungente comunidade cristã surge em Antioquia, capital da
província romana da Síria, com seus mais de trezentos mil habitantes e quatrocentos
e cinquenta quilômetros ao norte de Jerusalém. Ali também se encontra um forte
contingente de judeus e muitos deles haverão de participar da Igreja.
Provavelmente está igreja foi fundada pelos cristãos que fugiram de Jerusalém
logo após a morte de Estevão (11.19-21). Barnabé é enviado pelos apóstolos para
verificar se a comunidade cristã em Antioquia está dentro dos parâmetros
pré-estabelecidos e percebendo a grande oportunidade que está diante dele vai
buscar Saulo de Tarso (futuro Paulo missionário dos gentios), que havia sido
convertido na estrada para Damasco (11.22-26) e ali permanecem por mais de um
ano. A roda da Providência de Deus continuamente em movimento, de maneira que, sem
qualquer alarde se inicia um dos movimentos missionários mais profícuos e
extraordinários de toda a história da Igreja Cristã em todos os tempos.
Entre tantos outros núcleos de avanço do
cristianismo Lucas optou por acompanhar as chamadas viagens missionárias
realizadas a partir da igreja em Antioquia, que desta forma se constituirá em
uma nova sede da expansão da Igreja Cristã iniciante. Faz todo o sentido, pois
o historiador tendo nos capítulos anteriores registrados os avanços na
Palestina judaica, bem como Samaria e adjacências, agora deseja mostrar como o
Evangelho foi se expandindo pelo restante do Império Romano e como os não judeus
(gentios) foram tomando conhecimento da mensagem evangélica e crendo,
estabelecendo desta forma igrejas cada vez mais gentílica e menos judaicas.
Até agora, Jerusalém e a Judeia tinha sido o
centro de sua narrativa. Pedro foi o personagem mais proeminente na narrativa.
Agora, Lucas muda seu foco para a igreja em Antioquia e o personagem
proeminente será Paulo (Saulo).
Os primeiros versos do capítulo treze nos
possibilitam ver que o Espírito continua sendo o estrategista e condutor do
movimento missionário cristão. É o Espírito quem separa (escolhe) Barnabé e
Saulo (Paulo) e os envia para uma obra missionária expansionista. Evidentemente
que a sensibilidade espiritual da liderança de Antioquia e a pronta
disponibilidade dos convocados não podem ser minimizadas de forma alguma.
Posteriormente, em suas correspondências, Paulo
vai ensinar que profetizar e ensinar são dons de Deus, dados pelo Espírito
Santo para o bom funcionamento da igreja (Rm 12.4-8). No esboço das funções na
igreja que Paulo descreve aos Coríntios, profetas e mestres são mencionados
logo após os apóstolos (1Co 12.28). Em outra epístola, Paulo insere o papel de
evangelista entre o de profeta e mestre (Ef 4.11).
Sendo uma característica peculiar de Barnabé,
acaba por incluir o jovem João Marcos, seu sobrinho (ou primo) que havia vindo
junto com eles de Jerusalém após a entrega da oferta aos necessitados, para
compor a pequena equipe missionária. O termo grego usado para ele indica que é
um ajudante, um aprendiz, na nossa linguagem um seminarista iniciando seu
treinamento prático. Aparentemente o jovem fracassa em seu teste prático,
todavia, posteriormente o veremos sendo extremamente importante para o trabalho
realizado neste período inicial da Igreja, inclusive sendo ele o escritor de
uma de nossas narrativas evangélicas, provavelmente decorrente das memórias do
apostolo Pedro. O Espírito Santo trabalha prepara seus instrumentos a partir de
suas limitações. Quando fracassamos, e vamos fracassar em algum momento, não
significa que nunca teremos sucesso, apenas que vai demorar um pouco mais.
Lucas nomeia cinco profetas e mestres em
Antioquia. Barnabé, Simeão chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém (que havia
sido criado com Herodes) e Saulo. Seus nomes mostram que eles vêm de uma ampla
variedade de origens sociais e étnicas.
Barnabé é mencionado primeiro por
Lucas, pois ele é o delegado apostólico e uma figura importante na igreja de
Jerusalém (9.27; 11.22-30). Já o conhecemos como um levita de Chipre que viveu
em Jerusalém (4.36-37). Ainda mais, o conhecemos como "um homem bom, cheio
do Espírito Santo e da fé" (11.24).
Simeão tem o apelido latino de Níger,
ou "o negro". Seu nome é judeu, então é improvável que ele seja
africano, embora possa ter tido a pele escura. O apelido pode distingui-lo de
outros Simões na igreja, como Simão Pedro.
Lúcio tem um nome latino (romano).
É possível, embora não seja certo, que ele seja um gentio, porque ele é de Cirene
no norte da África. Talvez ele tenha feito parte do grupo cirênio (os de
Cirene) que primeiro pregou o evangelho da salvação aos gentios de Antioquia
(11.20).
Manaém é a forma grega do hebraico
Menahem, que significa "consolador". Ele foi "criado com
Herodes, o tetrarca (13.1). Este é o Herodes dos Evangelhos, a quem Jesus certa
vez chamou de "aquela raposa" (Lc 13.32). Este Herodes foi responsável
pela prisão e morte de João Batista (Mc 6.14-28). Se Manaém cresceu com ele, é
possível que ele tenha sido levado para a corte real para ser um companheiro do
príncipe; Esses meninos eram então chamados de "irmãos adotivos".
Que destinos tão diferentes tomaram esses dois
rapazes - um alcança a honra como líder cristão, enquanto o outro é lembrado
por seu comportamento inglório no assassinato de João Batista e no julgamento
de Jesus!
Saulo é mencionado por último por Lucas, e ele
continua a usar a forma judaica de seu nome, e não Paulo nome romano. Ele é o
último porque é um recém-chegado a Antioquia (11.25). Mas ele logo assumirá o
centro do palco no relato de Lucas, enquanto os outros, com exceção de Barnabé,
não farão mais parte da história.
Esses homens são diferentes, cada um tem sua
própria história, mas o Espírito Santo os trouxe e os colocou na mesma igreja e
os capacitou com dons espirituais, para que pudessem conduzir o processo da
expansão missionária.
Estamos por volta do ano 47 d.C. quando
eles iniciam esta primeira viagem missionária (13.4-14.28)[2]. Nos próximos artigos
acompanharemos passo a passo esta fascinante jornada e seus desdobramentos na
expansão do cristianismo mundial.
Guedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.Universidade Presbiteriana Mackenzieme.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia Protestantehttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br
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Referência
Bibliográfica
BAXTER,
J. Sidlow. Examinai as Escrituras, v.6. São Paulo: Vida Nova,
1989.
FITZMYER,
Joseph A. Los Hechos de los apóstoles, v. 1. Salamanca
(Espanha): Ediciones Sígueme, 2003.
MARSHALL,
I. Howard. Atos – introdução e comentário. Tradução Gordon
Chown. São Paulo: Vida Nova, 1982 (2008).
STAGG,
Frank. O Livro de Atos – a luta primitiva em prol de um Evangelho
vencedor. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1958.
SMITH,
T. C. Comentário Bíblico Broadman, v.10, JUERP, Rio de Janeiro, 1984.
WILLIAMS,
David J. Atos - Novo Comentário Bíblico Contemporâneo. São
Paulo: Editora Vida, 1996.
[1]
Jerusalém somente reaparecera no capítulo 15 (realização do primeiro Concílio
da Igreja Cristã) e esporadicamente até à prisão de Paulo e seu encaminhamento
para Roma.
[2]
Este é o primeiro de três blocos narrativos que compõem os registros das
viagens missionárias de [Paulo] Saulo. O primeiro deles estabelece o modelo dos
três. É importante, sem embargo, ter em conta que nem o apóstolo e nem Lucas
numeraram estas viagens. A numeração é obra dos comentaristas modernos de Atos,
que dividem os episódios em três blocos". Fitzmyer, Joseph A. Los Hechos
de los Apóstoles, v.2, Ediciones Sígueme, Salamanca, 2003, p. 122.
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