sábado, 13 de julho de 2024

Samaritanos e Sua História

 

Samaria tornou-se o nome do reino do norte de Israel depois que o rei Omri comprou a colina de Samaria de Shemer por dois talentos de prata (1 Rs 16.24). Omri construiu aqui a Terceira capital do Reino do Norte. Tão importante tornou-se esta cidade que seu nome se fez uma metonímia para todo o reino do norte (Isaías 9.9-12; Oseias 8.5; Amós 3.9). O Antigo Testamento nomina os habitantes pré-exílicos do reino do norte de “hashomronim” ("Samaritanos"; "Pessoas de Samaria"), em referência à sua capital, Samaria.[1]

Uma referência especifica aos samaritanos nas Escrituras é após o retorno dos judeus do exílio babilônico. Inicialmente, os samaritanos tentaram se associar na reconstrução do templo em Jerusalém e posteriormente nos muros. Mas os líderes judeus perceberam suas reais intenções e os rejeitaram.

A reação samaritana foi imediata e como retaliação empreenderam todos os esforços para interromper a reconstrução:  zombarias (Ne 4.1-3), ameaças (Esdras 4.4; Ne 4.11-13), e fizeram pressões diplomáticas junto às autoridades persas governantes (Esdras 4.7-24). Esse início é apenas um reflexo da relação histórica desses dois povos vizinhos no transcorrer dos anos até o fim de suas respectivas nações.   

No registro bíblico de Segundo Reis 17 encontramos algumas pistas sobre a origem da população de Samaria naquela época. Em 722 a.C., o reino setentrional de Samaria caiu nas mãos dos exércitos assírios. A política assíria para evitar a rebelião entre seus povos conquistados era realocar populações inteiras de maneira que quebrava o espírito nacionalista. Temos esse registro em Segundo Reis 17.24:

O rei da Assíria trouxe pessoas da Babilônia, Cuta, Ava, Hamate e Sefarvaim e os estabeleceu nas cidades dos samaritanos".

Juntamente com esses povos vieram seus deuses e seus cultos, pois eles desconheciam o Deus de Israel. O Senhor, aparentemente ainda ciumento de sua terra, enviou leões para atacá-los. Temendo uma revolta entre os samaritanos restantes e os novos moradores, o rei da Assíria ordenou que um sacerdote fosse enviado para ensiná-los "o costume do deus da terra" (2 Reis 17.27). Infelizmente, o ensinamento do sacerdote enviado teve pouco impacto. Os povos continuaram a adorar seus próprios deuses:

No entanto, cada etnia fez seus próprios deuses nas diversas cidades em que moravam e os puseram nos altares idólatras que o povo de Samaria havia feito.

Os de Babilônia fizeram Sucote-Benote, os de Cuta fizeram Nergal e os de Hamate fizeram Asima; os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; os sefarvitas queimavam seus filhos em sacrifício a Adrameleque e Anameleque, deuses de Sefarvaim (2 Reis 17:29-31).

Ainda com medo da ira do Deus samaritano, as novas populações passaram a servirem o Deus de Israel ao lado de seus próprios deuses. Eles até designaram sacerdotes entre si para oferecer sacrifícios nos lugares altos. Assim, eles continuaram seguindo os costumes religiosos de suas terras (2 Reis 17.29-33).

Mesmo sabendo que esse sincretismo era inaceitável diante do ensino da Torah, os samaritanos se adaptaram à ao “novo normal” e esse era o contexto do diálogo de Jesus com a mulher Samaritana.[2]

O registro de 2 Reis é muito enfático: “Eles não quiseram, no entanto, mas persistiram em suas práticas anteriores. Mesmo enquanto essas pessoas estavam adorando o Senhor, elas estavam servindo seus ídolos. Até hoje filhos e netos continuam a fazer como seus antepassados (17.34, 40-41).

Esse foi o argumento de Esdras e Neemias, para rejeitarem a proposta de associação com os samaritanos no período da reconstrução do templo e muros de Jerusalém. Esta disputa sobre a pureza teológica levou à animosidade política entre os judeus de Judá e os habitantes de Samaria que permaneceu durante o período Inter testamental e até os dias de Jesus.

Relações Samaritanas/Judaicas no Período Inter Testamentário.

Neste período antecedente ao contexto neotestamentário a inimizade entre eles somente cresceu. No período do reinado de Antíoco III (o Grande) os samaritanos chegaram a vender judeus como escravos. Os samaritanos também interferiram com os fogos de sinal que anunciavam a lua nova para os habitantes judeus fora da Judeia. No período da infância de Jesus, os samaritanos contaminaram o templo de Jerusalém espalhando ossos de homens mortos no pátio do templo, o que era algo abominável para os judeus.

Mas os atos de animosidade eram mútuos: os judeus no reinado de João Hircano reduziram as dimensões da cidade samaritana de Siquém e conquistaram a cidade de Samaria, vendendo seus habitantes como escravos. Hircano também cometeu a profanação final contra a religião samaritana, destruindo seu templo no Monte Gerizim."

De acordo com Yehoshua M. Grintz,[3] "os samaritanos consideravam este templo como seu local mais sagrado, e sua tradição atribui quase todo o relato bíblico dos feitos dos patriarcas e os lugares associados a eles (a terra de Moriá, Beth-El, etc.) ao Monte Gerizim. Apesar da destruição do templo, o Monte Gerizim continuou como o local de culto samaritano (a questão levantada pela mulher samaritana no diálogo com Jesus).

Relação de Cristo e os primeiros Cristãos com os Samaritanos

Quando lemos as narrativas evangélicas, os samaritanos, ao menos inicialmente, viam em Jesus apenas mais um judeu, e, desta forma, manifestavam a mesma hostilidade e aversão que teriam por qualquer judeu (cf. Lc 9.51-56; Jo 4.9). Todavia, a atitude de Jesus era justamente o oposto dos judeus em geral, Ele não possuía ou demonstrava hostilidade, rivalidade, ódio ou sentimento de exclusão para com os habitantes de Siquém, Samaria e região.

       Jesus nunca teve qualquer dificuldade em se relacionar com os samaritanos (João 4.1-42). Cristo não marginalizou esse povo em relação à Sua pregação, pregando a eles sem distinção quando tinha oportunidade, e quando de sua ascensão aos céus incluiu-os nominalmente em sua ordem de evangelização, deixando claro que os samaritanos não poderiam ser negligenciados, e mais, eles fazem parte daqueles que deveriam ouvir a mensagem de salvação em primazia, ao lado de Jerusalém e Judeia (At 1.8).

       A narrativa de Lucas (gentio) em Atos revela que a antiga aversão judaica não predominou no espírito dos apóstolos. Lucas registra que eles lhes faziam o bem e pregavam a eles, batizando-os e os aceitando como membros da comunidade de fé (At 8.4-8, 14-17). Evidente que dois fatores propiciaram essa mudança radical de atitude: o exemplo das palavras, ações e posição de Jesus em relação aos samaritanos, incluindo-os na ordem da grande comissão (Atos 1.8) e a descida do Espírito Santo/Pentecostes (Atos 2.1-4).

       Pode se identificar essa nova perspectiva em Atos quando da conversão dos samaritanos e seus batismos, incluindo o recebimento do Espírito Santo que não trouxe quaisquer reações negativas em relação à Igreja apostólica em Jerusalém. O que não ocorreu com o ingresso dos gentios que causou a convocação do primeiro Concilio cristão.

       Como tão bem enfatiza o apostolo Paulo em suas diversas correspondências na Igreja de Cristo não pode haver nenhuma distinção étnica. Mas em amor deve-se buscar sempre a harmonia e comunhão.

 

Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
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Historiologia Protestante
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Referências Bibliográficas

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BRUCE, F. F. João: Introdução e Comentário. São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Mundo Cristão, 1988.

BRIGHT, J. História de Israel. 3. ed. São Paulo, SP: Paulinas, 1985. v. 7.

CHAMPLIN, R. N. O Antigo Testamento Interpretado: versículo por versículo. Dicionário M-Z. São Paulo, SP: Hagnos, 2001. v. 7.

DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1995.

DODD, C. H. A Interpretação do Quarto Evangelho. São Paulo SP: Paulus, 2003.

FOHRER, G. História da Religião de Israel. São Paulo, SP: Academia Cristã, 2006.

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JOSEFO, F. História dos Hebreus: obra completa. 6. ed. Rio de Janeiro, RJ: CPAD, 2002.

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SILVA, E. R. Os samaritanos: quem eram e o que criam. Kerygma, v. 5, n. 1, p. 102-120, 2009.

BEITZEL, Barry J. (General Editor). Lexham Geographic Commentary on the Gospel. (p. 96-98).

 


[1] Mais tarde, o termo "samaritano" se restringiu a diferenciar um grupo de habitantes considerados estrangeiros para os judeus. (Jesus faz distinção entre os samaritanos, os gentios e os judeus (Mt 10.5, 6).

[2] Na Bíblia, o termo "samaritanos" aparece pela primeira vez em Mateus 10:5. Em Jesus dia, o termo "samaritano" se referia a um que vivia na província romana de Samaria, não necessariamente da cidade de Samaria. A mulher, sem dúvida, originou-se de Sicar, pois a cidade de Samaria ficaria a cerca de duas horas a pé do poço.

 [3] Grintz, Yehoshua M., and Shimon Gibson. “Gerizim, Mount.” EJ 7:507-9.

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