Todos nós temos medo de alguma coisa. É aquela sensação que nos deixa apreensivos pelo receio de que alguma coisa ou alguém nos ameaça. A ideia de que uma pessoa corajosa é aquela que não tem medo de nada é equivocada. A pessoa realmente corajosa é aquela que aprende a controlar e/ou dominar o medo.
Uma das barreiras para confiarmos
plenamente em Deus é o medo/receio de que não temos fé suficiente. O termo medo
é mencionado ao menos trinta e cinco vezes nas páginas do Novo Testamento e
seus correlatos oitenta e três vezes.
Ao
longo da Bíblia encontramos expressões como estas: "Não tenhais
medo", ou "Não temais". É interessa que estas frases são as mais
repetidas no contexto de toda a bíblia. Uma passagem bastante conhecida são as
palavras de Deus dirigida a Josué em um dos momentos cruciais de sua história e
dos israelitas, quando estão prestes atravessar o rio Jordão e tomarem posse da
terra de Canaã – “Não fui eu que lhe ordenei? Seja forte e corajoso! Não
tenha medo, nem desanime, pois o Senhor, o seu Deus, estará com você por
onde você andar” 1.9.
Certamente as palavras de Deus "Não
tenham medo" é um balsamo para nossas almas angustiadas e apavoradas, mas
também se constituem nas mais difíceis de obedecermos, pois naturalmente
olhamos para nós mesmos e percebemos todas nossas debilidades e limitações e
nos apavoramos. Uma ilustração interessante é a cena em que Pedro obedecendo as
palavras de Jesus começa a caminhar sobre as águas, indo ao encontro Dele, mas de
repente Pedro começa a olhar a impetuosidade dos ventos: “Mas,
quando reparou no vento, ficou com medo e, começando a afundar, gritou:
"Senhor, salva-me!" Mt 14.22-36.
O grande desafio do crente está justamente em confiar e
continuar a confiar em Deus mesmo quando as coisas parecem muito ruins ou não parecem
fazer sentido. As primeiras palavras do anjo à jovem Maria, que teria sua vida
e história totalmente transformada foram: "Não tenha medo"
Lc 1.30. Quando Jairo, um dos chefes da sinagoga judaica, se
aproxima de Jesus e lhe pede ajuda em relação à sua jovem filha que está à
beira da morte (e de fato morreu), antes de qualquer outra cousa, Jesus o olha
nos olhos e diz: "Não tenhais medo; crê somente"
Lc 8.50.
Na maioria das vezes, a palavra traduzida como
"medo" é a palavra grega “phobeo” [φοβέω],[1] cuja raiz é “Fobos”,
sendo muitas vezes traduzida como "medo". Entretanto, Phobeo significa ser ou
estar atemorizado/assustado, mas também pode vir a ser usado para significar temor
reverente, como em: "O temor [medo] do Senhor", no sentido
de se reconhecer/admirar a imensidão grandiosa de Deus. Enquanto este último sentido
é mais comum no Antigo Testamento, a ideia, em seu sentido negativo, de
medo/pavor é usada com mais frequência no Novo Testamento.
no
sentido negativo de ter medo ou medo.
Há outras palavras gregas que se relacionam com medo – deeper
(alarmado/tremulo) Lc 24.5, Atos 24.25; deilia
ou seu derivado deiliao, que expressa timidez ou covardia 2Tm
1.7, João 14.27; e Ekphobos, que essencialmente traz a ideia de
assustar-se, aparecendo apenas uma vez nos textos neotestamentários, onde descreve
a reação dos discípulos diante da transfiguração de Jesus Mt 9.6.
Paulo escrevendo ao seu jovem sucessor Timóteo e tendo o
propósito de animá-lo e fortalece-lo diante de seu eminente martírio lembra-o: "Porque
Deus não nos deu um espírito de timidez/covardia (deiliao), mas espírito de
poder, de amor e de autodisciplina" 2Tm 1.7.
As palavras de João são maravilhosas e esclarecedoras: "No amor
não há temor, mas o amor perfeito expulsa o medo. Porque o medo tem a ver com o
castigo, e quem teme não foi aperfeiçoado no amor" 1João 4.18.
Aqui está a fórmula para anularmos o medo, principalmente no que tange ao
futuro eterno – o amor. E como é que temos acesso a esse amor, ou como é que
somos "aperfeiçoados no amor"?
O velho apostolo relaciona o medo ao juízo de Deus. Por
sua vez o amor relaciona-se diretamente com a graça. Desta forma, ao experimentarmos
da graça emanada da cruz, podemos confiar plenamente na justiça de Cristo que
nos reveste, nos tornando justos e/ou justificados no tribunal de Deus, de
maneira que não mais somos dominados pelo medo da condenação eterna. Quando
deixamos de lado o medo, podemos
podemos
confiar na graça de Deus, o que nos torna perfeitos aos olhos de Deus. Não
apenas nos livramos do medo, mas o substituímos por algo infinitamente melhor –
o amor.
O escritor C. S. Lewis se expressa de forma incomparável
nesse ponto:
“Amor perfeito,
nós sabemos, expulsa o medo. Mas assim fazem várias outras coisas: ignorância,
álcool, paixão, presunção e estupidez. É muito desejável que todos nós
avancemos para essa perfeição do amor, na qual não teremos mais medo; mas é
muito indesejável, enquanto não tivermos atingido essa fase, que permitamos que
qualquer agente inferior elimine o nosso medo!”[2]
E aqui encontramos uma das maiores ironias bíblicas, pois
o amor que nos assusta - o ágape que é generoso e abnegado - é o tipo de amor
que anula/neutraliza o fhobeo. Esta é a razão pela qual o escritor de Hebreus
declara com ousadia que podemos, com toda tranquilidade, aproximar-nos do trono
da graça com confiança e sem medo Hebreus 4.16.
Há de fato uma tensão gerada pelo termo grego. Somos
instruídos a temer a Deus, mas não de termos medo de Deus. E phobeo trás em si ambas
as ideias - medo ou respeito. Entretanto, "o temor de Deus” vai além
do trivial respeito que temos para com nossos semelhantes e autoridades. É muito mais profundo, pois implica em reverência
e temor.
Temer a Deus significa que temos uma visão correta do
tamanho de nós mesmos e da grandeza de Deus. O teólogo reformado João Calvino
tinha como sua tese primário que na mesma medida em que conhecemos a Deus
haveremos de conhecermos a nós mesmos. Quanto mais pobre e medíocre é o nosso
conhecimento de Deus, mas pobre e medíocre será o conhecimento de nós mesmos.
Paulo possuía um conhecimento correto a respeito de
Cristo, por isso declara: "Posso fazer todas as coisas por meio de
Cristo, que me fortalece” Fp 4.13. Ele não tinha medo porque era
bom e capaz, mas porque estava focado em Cristo e não nele mesmo. Quando
tememos a Deus, não precisamos temer mais nada.
O SENHOR É A minha luz e a minha salvação. Quem será capaz de me
assustar?
O Senhor é à força da minha vida; de quem eu poderia ter medo?
Salmo 27.1
Utilização
livre desde que citando a fonteGuedes,
Ivan PereiraMestre
em Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro
BlogHistoriologia
Protestante
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[1] Strong's
Greek: 5399. φοβέω (phobeó) — 95 Ocorrências.
[2] C.
S. Lewis, “The Christian Hope—Its Meaning for Today,” Religion for Life,
Winter 1952. Republished as “The World’s Last Night” in The World's Last Night
and Other Essays (New York: Harcourt, 2002), 109.
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