Em
que você crê? Essa simples pergunta parece totalmente fora de foco neste início
e século XXI. Entretanto, a resposta continua sendo relevante para cada pessoa
neste mundo. Mesmo aqueles que se autodenominam ateus creem em alguma coisa,
nem que seja nele mesmo, ou na razão ou como atualmente é mais popular, na
ciência.
Ricos ou pobres, corajosos ou
covardes, honestos ou corruptos, homens, mulheres ou velhos e jovens toda e
cada pessoa vive e morre por aquilo que creem (acham, acreditam, imaginam,
pensam, pressupõem, presumem, supõem).
William Barclay quando propôs escrever seu
comentário sobre o chamado Credo dos Apóstolos, expressou sua gratidão
aos muitos que escreveram sobre esse precioso documento cristão ao longo dos
séculos. Essa síntese da fé cristã escrita ou elaborada nos primeiros séculos
do cristianismo continua sendo excelentes balizas para nos ensinar a vivermos
em meio a este mundo tenebroso sem nos desviarmos evitando que venhamos a cair
nos muitos abismos que surgem muitas vezes inesperadamente diante de nós na
estrada da vida.
Mais do que em outras épocas nessas primeiras
décadas do século XXI é preciso definirmos com muita clareza para nós mesmos,
antes de comunicarmos aos outros, aquilo que cremos e pelo qual vivemos e
morremos. Pois, se aquilo que cremos não permeia toda nossa vivência e não nos
prepara para o dia da nossa morte, para que serve então?
As primeiras gerações de cristãos sintetizaram
de forma muito claro o cerne da fé pela qual viviam, e estavam dispostos a
morrerem, e milhares de fato morreram. As gerações atuais desconhecem por
completo tais convicções. A fé cristã tornou-se apenas um slogan social que os
identificam como um entre milhares de grupos que perfazem esta sociedade multimidia.
A famosa frase: “sou cristão, mas não sou
fanático” ou a versão atualizada “o novo normal”, mascara a total falta de
convicções e comprometimentos com aquilo que se diz crer. Perguntaram a um
jovem se ele cria em Deus e de imediato ele respondeu: “creio em Deus, mas não
creio nesse negócio de céu, inferno e bíblia”. Esta é a geração de uma fé vazia
e estéril, que não permeia as esferas da vida cotidiana e não prepara para a
morte. Nas palavras curtas e diretas de Tiago, ainda no primeiro século cristão:
uma “fé morta” inútil e sem sentido.
Quando as coisas estão dentro de uma
normalidade favorável e positiva crer em qualquer coisa e de qualquer jeito
serve. Mas quando se tem que atravessar os vales da sombra da morte passamos depender
total e unicamente daquilo que cremos e como cremos. Nos momentos agudos da
vida e principalmente quando estamos face a face com a morte inevitável, aquilo
que cremos e como cremos nos salvam de cairmos na vala comum do desespero.
A
grande distinção entre a fé genuína e a falsa fé está nos fundamentos. A fé que
não está fundamentada na Palavra de Deus não se mantém diante das tempestades
da vida e dos grandes tsunamis, pois seus fundamentos são frágeis (construídos
sobre a areia); mas a fé estabelecida sobre os sólidos princípios bíblicos
(construído sobre a rocha) não apenas enfrenta os mais intensos desafios da
vida, mais ainda, possibilita antevisão da esperança eterna.
A única coisa que sustentou, e ainda sustenta,
cada um daqueles cristãos que eram arrancados de suas casas, torturados e
lançados no Coliseu Romano para delírio dos milhares que assistiam ao vivo, era
que tinham plena convicção no que eles criam. Algo que nenhum de seus algozes:
imperador, governador, multidão, poderia arrancar de suas mentes e corações. O
apostolo Paulo antevendo seu martírio declara ao jovem amigo Timóteo: “Porque
eu sei em quem tenho crido e estou totalmente convicto de que Ele é poderoso”.
Você é
Aquilo que Crê. A questão é: “em que você crê?”
"Edificai-vos a vós mesmos na vossa
santíssima fé" (Judas v. 20).[1] O escritor bíblico faz uma
vez mais um alerta contrastando aqueles que causam divisões (Judas v. 19) e
aqueles que edificam ou constroem. E ao utilizar o pronome reflexivo “vós
mesmos” (heautou) ele quer enfatizar que o seu/meu/nosso crescimento
contínuo na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é
uma responsabilidade pessoal. Portanto, deve ser levada a sério, pois não é uma
opcional, mas um imperativo do discipulado cristão autêntico. Algo que aqueles
que menosprezam e barateiam a maravilhosa graça que emana da Cruz jamais vão
entender. Devemos edificar/construir nossa vida cotidiana sobre a mesma e única
fé, pois ela é o fundamento que sustenta toda a nossa vida pessoal, de tudo que
pensamos, queremos/desejamos e fazemos (Efésios 2.20).[2]
“A vós mesmos” (heautou) não é o mesmo que
"uns aos outros" (allēlous), pois não se trata aqui de uma
atividade mútua, mas cada indivíduo também tem responsabilidade de promover seu
próprio crescimento. Em Atos 20.32 temos claro que a Palavra de Deus ("a
Palavra de Sua graça") é o instrumental que produz essa atividade de
crescimento pessoal. Ela nos imuniza (edifica, fortalece) contra os enganos e
negações dos apóstatas. Vivemos em uma geração sem qualquer imunidade
espiritual, por isso há muitos que estão doentes e morrendo. Uma geração que
cuida e valoriza o corpo, enquanto o espírito está totalmente exposto a toda
sorte de vírus e bactérias mortais. Você está se alimentando corretamente?
Alimento sólido que por si só lhes permitirá discernir a verdade do erro (Jo
21.15-17; cf. Hb 5.14)”? Lembre-se, as pessoas podem menosprezar e até mesmo se
horrorizar com o ensino bíblico, mas é o crer nestas verdades imutáveis
bíblicas que se produz o genuíno caráter cristão.
Ao pensarmos em cada uma das declarações de fé
contidas neste pequeno Credo Apostólico oro para que o Espírito Santo esteja
produzindo em nós uma fé vivida e prenha da esperança da vida eterna. Em Cristo
Jesus. Amém e Amém.
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.Universidade Presbiteriana MackenzieOutro BlogHistoriologia Protestante
Referências
Bibliográficas
BARCLAY,
William. The Apostles' Creed. Westminster John Knox Press, 2001.
BARTH,
Karl. Credo – Comentários ao Credo Apostólico. 1ª Ed. São
Paulo: Editora Cristã Novo século Ltda, 2005.
BETTENSON,
Henry. Documentos da Igreja Cristã. 3ª Ed. São Paulo: ASTE - Associação
de Seminários Teológicos Evangélicos, 2001.
HARNACK,
Adolf. The Apostles’ Creed. (tr. Rev. Stewart Means). Christian Classics
Ethereal Library. Grand Rapids, MI: 2005.
PACKER,
J. I. Affirming the Apostles' Creed. Editora Crossway, 2008.
PELIKAN,
Jaroslav Jan. Creeds and confessions of faith in the Christian tradition.
New Haven and London: Yale University Press, 2003.
WUEST,
Kenneth S. The New Testament – na expanded
translation. William B. Eerdmans Publishing Company. Michigan, 1961.
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a Diogneto: Introdução
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Carta
a Diogneto: Documento
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[1] A paráfrase de Kenneth S. Wuest "edificai-vos
constantemente na esfera e por meio da vossa Santíssima Fé". Faz
ressoar as palavras da oração de Jesus no cenáculo, pedindo ao Pai que
"santifique-os em verdade, Tua Palavra é verdade". (Jo 17.17).
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