terça-feira, 23 de outubro de 2018

Estranhos e Peregrinos - Casa ou Lar?



"Como estrangeiros e peregrinos." (1 Pedro 2.11)
            Postei recentemente uma pequena nota sobre a casa no contexto veterotestamentário. Como era a casa simples do povo israelita até os dias de Jesus. E o interessante é que o termo “casa” no contexto bíblico não trás ideia de “lar”, como tão comumente nós fazemos nos dias atuais. Para a nossa mentalidade ocidental urbana casa e lar são sinônimas. Todavia, a mentalidade oriental é diferente da nossa. A palavra hebraica “bavith” e a palavra árabe “isca” significam principalmente um "abrigo". O termo mais particular e intimo "lar" nunca foi utilizado pelos israelitas porque eles se consideravam um povo "peregrino na terra", de maneira que suas casas eram o mais simples possível e ainda que internamente tivessem um mínimo de acabamento, por fora normalmente eram deixadas rusticas e esteticamente feias.  
Por esta razão o apóstolo Pedro lembra os primeiros cristãos, cuja maioria ainda era judaico/israelita, de que como cristãos devemos viver nesse mundo como “estrangeiros e peregrinos”, de maneira que aqui temos apenas “abrigo” um lugar temporário para refazermos as forças para um novo dia de atividades, mas o nosso “lar” está nos céus, pois lá e não aqui é o nosso lugar definitivo de descanso e alegria eterna.
Uma das críticas feitas pelos profetas aos israelitas era que estavam dando muito valor às seus “abrigos” e as embelezando externa e internamente, como se fossem habitar nelas por muito tempo, mas pouca atenção estava sendo dada ao Senhor, à sua Lei e à Adoração (representada no Templo). O profeta Amós antes das invasões assírias e babilônicas – que destruíram as casas e o próprio templo, mas também os profetas Ageu, Zacarias e Malaquias, que profetizaram após o retorno do cativeiro babilônico, todos eles fazem duras críticas aos moradores de Israel e Judá, que se esqueceram de que eram estrangeiros e peregrinos nesta terra e que seus “abrigos” eram provisórios.
Tanto as palavras dos profetas veterotestamentário, quanto as palavras de Pedro são completamente ignoradas pela geração presente de cristãos evangélicos (assim como foi pelos israelitas). Desde os dias do imperador romano Constantino os cristãos iniciaram sua escalada na pirâmide social e nunca mais pararam – tomaram gosto pelo conforto e luxo. Isso é facilmente percebido nas construções das grandes catedrais cristãs e evangélicas, cada uma mais suntuosa do que a outra. E nessa balada os cristãos passam a vida inteira embelezando seus “abrigos” por dentro e por fora. Uma casa mais linda do que a outra – mas Deus, sua Palavra e a Adoração estão cada vez mais na periferia da vida desta geração cristã hedonista e materialista.
Até pouco tempo atrás, década de 70/80 ainda se podia sentir uma atmosfera escatológica no meio evangélico brasileiro. Semanas de estudos escatológicos se multiplicavam nas igrejas; hinos e cânticos sobre a volta gloriosa de Jesus Cristo aqueciam os corações e levantavam os olhos dos crentes para contemplarem as glórias celestiais; quase se podia ouvir o som ainda que distante das trombetas angelicais anunciando que o Rei esta voltando!
Mas com a ascensão da pseuda teologia da prosperidade no final da década de oitenta e a partir da década de noventa, com a popularidade dos “pregadores midiáticos” os olhos dos crentes deixaram de contemplar o céu e a eternidade e se fixaram nas coisas perecíveis deste mundo. Não se houve mais falar de temas escatológicos e os cânticos perderam sua fragrância celestial, e suas letras ensinam que cristão abençoado é aquele que tem uma casa muito bonita. Com que facilidade os cristãos trocam uma reunião dominical da igreja por um passeio no Shopping Center.
As palavras de Pedro precisam ser recuperadas, ainda que a grande maioria dos cristãos não as queira ouvir e se as ouvirem em nada lhes mudara a forma de viver, pois seus olhos estão encantados com as coisas deste mundo, assim como Eva esteve com seus olhos cativos pela beleza do fruto proibido; não sem razão Jesus advertiu seus discípulos: “Se teus olhos são trevas (perderam a perspectiva celestial), quão densas são essas trevas”. Creio que nem mesmo na Idade Média, denominada por alguns historiadores cristãos de a “era das trevas”, tantos cristãos vivem completamente cegos como na geração presente. Os evangélicos estão tão ofuscados pelas luzes coloridas deste mundo que perderam a capacidade de enxergarem as coisas eternas – louco hoje mesmo irás encontrar com teu Deus e o que você ajuntou aqui na terra de que te servirá?
Pedro precisa ainda no primeiro século lembrar os cristãos da primeira geração, de que eles são “estrangeiros e peregrinos” nesse mundo e que a condição atual deles, assim como a nossa se de fato somos cristãos, é temporária e passageira, assim como o nosso modelo maior que é o nosso Senhor Jesus Cristo que não tinha onde reclinar a cabeça. Ainda estamos no mundo, mas não pertencemos mais a ele – não somos mais escravos deste mundo e sua mentalidade materialista. A questão é: sou um cristão? Tenho a mentalidade de Cristo? Meus olhos estão fixados na eternidade?
1.    Todo cristão nascido de novo vive em duas dimensões: a terrena e a celestial. Aqui temos apenas um “abrigo”, pois nosso “lar” está na eternidade, de maneira que somos “estrangeiros” neste mundo. Minha verdadeira vida não é esta, pois meu corpo e tudo que se relaciona com ele vão perecer e por mais que se tente embelezar a velhice ela é “canseira e enfado; nossa vida verdadeira é a nossa alma imperecível – essa é a nossa vida real. Mas onde está nosso lar? Nunca o vimos! Ainda que tenhamos nascidos nessa terra estrangeira, nosso lar está prometido e descrito para nós na Palavra de Deus. A promessa de Jesus continua sendo verdadeira “vou preparara um lugar”. Muitos dos nossos irmãos já foram e estão lá e em breve também haveremos de partir deste abrigo (mundo) passageiro e adentraremos em nosso lar eterno e definitivo. Assim como os israelitas naquela noite da páscoa tinham que fazer uma refeição simples e estar prontos para partirem do Egito em direção à terra de Canaã, assim somos nós, devemos lançar fora tudo e qualquer coisa que possa nos prender à este mundo e estarmos prontos para partirmos em definitivo à nossa Canaã celestial.
2.    Mas Pedro declara que não somos apenas estrangeiros neste mundo, mas também peregrinos nele. Abraão foi chamado da terra de Ur (idolatria e morte), para peregrinar na terra que Deus lhe haveria de dar. Peregrino trás a ideia de movimento, não de descanso. Um peregrino em viagem não pode carregar uma bagagem muito pesada, pois terá dificuldade de locomoção; nossa vida neste mundo é, portanto uma permanente viagem. Somos peregrinos em direção ao nosso lar. A peregrinação exige paciência, determinação, perseverança, força, fé – a caminhada é difícil e cheia de situações inesperadas (vales da sombra da morte) e a pequena biografia de Paulo em sua carta aos Corintos deixa claro isso. Jesus ao enviar os doze e depois os setenta para anunciarem a mensagem do Evangelho lhes privou de tudo que não fosse estritamente necessário para a viagem (peregrinação) por toda a Palestina escaldante. Por isso é necessário manter os nossos olhos fixos única e exclusivamente no autor e consumador da nossa fé e esperança – Jesus Cristo! Devo contemplar pela fé a gloria celestial e as delicias do céu. Assim como os israelitas nos dias de Josué, devemos nos preparar adequadamente, para atravessarmos o nosso rio Jordão e adentrarmos à nossa terra da Promessa; assim como as madrinhas prudentes devemos encher nossas lâmpadas de óleo, pois eis que ouve-se ao longe o grito – EIS O NOIVO! O NOIVO CHEGOU E AS PORTAS SERÃO FECHADAS E AS FESTIVIDADES DO CASAMENTO TERÃO INICIO!
3.    Portanto, nada deve nos ocupar demasiadamente ou nos atrasar em nossa viagem. Como estrangeiros e peregrinos não temos compromisso definitivo neste mundo. Nada aqui pode ser comparado com aquilo que haveremos de receber na gloria. Nenhum um “abrigo” neste mundo, por mais luxuoso que seja, pode ser comparado ao nosso “lar” celestial. Nenhum “abrigo” aqui vai de fato nos proporcionar o descanso perene do nosso “lar” celestial. Ainda que haja muitas coisas apreciáveis e uteis ao longo da nossa jornada, nada pode nos roubar a percepção da eternidade. Mas muitas vezes somos acometidos pela canseira e nos sobrecarregamos com as demandas da vida terrena e nesses momentos somos tentados a nos tornarmos indolentes e inclinados a interrompermos nossa viagem e estabelecermos uma zona de conforto ao nosso derredor e nos fixarmos ali; mas precisamos tomar animo e nos levantarmos e retomarmos nossa jornada, pois aqui não é nosso lugar definitivo – não podemos fixar nosso “abrigo” entre as campinas vistosas e atrativas de Sodoma e Gomorra e ali nos assentarmos à porta para negociarmos, pois o juízo de Deus é eminente sobre elas e sobre esse mundo tenebroso. Precisamos seguir a viagem.
4.    Mas tudo que precisamos para fazermos nossa viagem nos foi e será provida por Aquele que nos amou e nos salvou. Ele é o nosso Pastor e nada teremos falta daquilo que necessitamos para fazermos a nossa jornada. Teremos água fresta, teremos maná diário e até codornizes para nos saciarmos e nos alegrarmos; pois assim como os passarinhos seremos supridos e como as pequenas flores do campo seremos vestidos, pois o nosso Pai celeste sabe do que necessitaremos para alcançarmos o final de nossa peregrinação neste mundo. Ele também nos guarda, conforta, anima e nos dá a sua Paz – que excede todo o entendimento. Apesar da canseira somos motivados a entoarmos canções que engrandecem a Deus e nosso Salvador. Em alguns momentos somos embaraçados pelas concupiscências de nossa mente carnal e secularizada, mas pacientemente Ele nos desvencilha e nos capacita a continuarmos nossa caminhada em direção a tudo quanto Ele mesmo tem preparado para nós usufruirmos. Nosso amado Salvador jamais nos abandona, mesmo quando em semelhança aos dois discípulos de Emaús não somos capazes de perceber sua doce companhia enquanto caminha ao nosso lado nos consolando e animando a continuarmos em direção ao lar. Toda a dificuldade é transitória; por isso não temos razão de caminharmos com espírito amargurado. Em breve estaremos em casa, devemos nos alegrar e regozijar. Quão gloriosa é a nossa casa!
Que nada possa nos embaraçar a ponto de impedir nossa caminhada; que nada neste mundo possa ser mais atraente e desejável do que as bem aventuranças celestiais; que o nosso coração e a nossa alma possam louvar e engrandecer àquele que morreu e ressuscitou para poder nos habilitar a fazermos em segurança a jornada até o final onde adentraremos no nosso lar definitivo e eterno.

Peregrinando por sobre os montes,
E pelos vales, sempre na luz,
Cristo promete nunca deixar-me,
"Eis-me convosco" - disse Jesus.

Se vejo sombras por toda parte,
O Salvador não hão de ocultar!
Pois Cristo é luz que nunca se apaga,
Bem ao seu lado sempre hei de andar.

A luz bendita me vai guiando
Em meu caminho para a Mansão;
Mais e mais perto seguindo o Mestre,
Possuo o gozo da salvação.

Brilho celeste! Brilho celeste!
Enche a minha alma, glória do Céu!
Aleluia! Sigo cantando,
Dando louvores, pois Cristo é meu!

Brilho Celeste
Hinos Presbiterianos



Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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