Parábola: Vinho
novo em odres velhos[1]
Referências Bíblicas: Mt 9.17; Mc 2.22; Lc 5.37-38
οὐδὲ βάλλουσιν οἶνον νέον εἰς ἀσκοὺς παλαιούς· εἰ δὲ μή γε, ῥήγνυνται οἱ ἀσκοὶ καὶ ὁ οἶνος ἐκχεῖται καὶ οἱ ἀσκοὶ ἀπόλλυνται· ἀλλὰ βάλλουσιν οἶνον νέον εἰς ἀσκοὺς καινούς, καὶ ἀμφότεροι συντηροῦνται.
Nem se deita vinho novo em odres velhos do contrário se rebentam, derrama-se o vinho, e os odres se perdem, mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam. [Revisada]
E quem usaria odres velhos para guardar vinho novo? Pois os odres velhos arrebentariam com a pressão, o vinho se derramaria e os odres se estragariam. Para guardar vinho novo só se usam odres novos. Desta maneira, ambos são conservados juntos [Viva paráfrase].
Ponto Central: Jesus não faz reciclagem; ele faz cousas
novas.
Contexto
no Ministério de Jesus: pouco depois do encarceramento de
João Batista pelo rei Herodes Antipas, pois os interlocutores são discípulos do
Batista e não há nenhuma referência de que ele já havia sido decapitado.
Motivo
da Parábola: Jesus é questionado sobre a razão pela
qual seus discípulos não cultivam a prática do jejum como o fazem os fariseus e
os próprios discípulos do Batista.
Peculiaridade: São
poucas as Parábolas que são registradas pelos três evangelistas, o mais comum é
que seja registrada por dois ou apenas um deles. Apesar de provavelmente a
narrativa de Marcos tenha sido a primeira a circular entre as comunidades
cristãs, nós seguiremos a organização canônica como estabelecida em nossas
bíblias, partindo sempre de Mateus para os outros dois evangelistas.
Ponto
Central: Jesus não faz reciclagem; ele faz cousas novas.
Exposição Textual: Mateus 9.17
Para uma melhor compreensão textual é preciso
ler a parábola (gêmea) que antecede (Mateus 9.16) e seu comentário.
Como sempre Jesus surpreende seus inquisidores por
meio de parábolas, no caso duas parábolas paralelas[2] que enfatizam o mesmo
ponto: o Evangelho que Ele está anunciando é uma Nova Mensagem, distinta do
ensino produzido pelo judaísmo e anunciado pelos fariseus e seus escribas,
sancionados pelos sacerdotes mandatários do Templo.
Todavia, enquanto o ensino
fariseu/escriba é fundamentada na tradição oral produzida ao longo dos séculos
do judaísmo, o Evangelho proclamado por Jesus é enraizado na fonte original da
Torá. Portanto, as duas parábolas realçam este princípio fundamental – Jesus veio
para resgatar o projeto original de Deus, amplamente estabelecido na Palavra e
nada mais do que a Palavra.
Lembrando que uma das características da
narrativa evangélica de Mateus é que seu público primário são os judeus
convertidos, tanto na Palestina/Jerusalém, quanto os que estão espalhados por
todo o império romano. De maneira que o pano de fundo do ensino da Torah
torna-se bastante evidente a eles.
Na diminuta parábola os odres velhos representam
o judaísmo, incluindo todas as regras e regulamentos adicionados ao longo dos
séculos (leis orais). O vinho novo representa em essência o Evangelho, que traz
em seu bojo uma nova maneira de se relacionar com Deus.
Jesus estava dizendo que os velhos odres do
judaísmo ritualístico e legalista, bem como as mentes cauterizadas de suas
lideranças, não teria como conter o novo vinho do Evangelho da graça (Atos
20.24 segs.). É totalmente incompatível misturar o legalismo com a graça,
e quando isso é feito o resultado é a perda total. O novo "vinho"
de Jesus necessita de um novo recipiente, a igreja, que reuniria judeus e
gentios [sem qualquer distinção] em um novo Corpo (Efésios 2.16 segs.; Gálatas
3.28,29).
Exposição
Textual: Marcos 2.22
Jesus neste texto frustra o esforço de
se criar uma religião mundial, onde se pega aspectos gerais de cada religião e
as formatas em uma única religião. O Evangelho de Jesus não é uma mistura de
religiões antigas e novas; pelo contrário, é algo único e completamente novo[3]. Assim como o novo vinho
não poderia ser colocado em velhos[4] odres[5], pois ao fomentar haveria
de rompê-lo e se perder, o Evangelho não pode ser colocado em odres religiosos,
pois ao se manifestar haverá de rompê-los. Pedro em seu primeiro sermão após o Pentecostes
já deixa bem claro aos seus ouvintes [judeus] de que o Jesus ressurreto é único
meio pelo qual eles poderiam se relacionar com Deus de fato e de verdade (Atos
4.12); para Pedro e todos os demais escritores neotestamentários a
salvação efetuada por Cristo não é um remendo parcial em uma vida/criação
velha, mas uma nova vida/nova criação (Is. 61.10; 2 Coríntios 5.21).
O objetivo desta parábola é o mesmo da anterior
(remendo novo em vestes velhas). Torna-se inadequado para os discípulos jejuar
neste momento (em que Jesus está com eles) quanto seria colocar vinho novo em
odres velhos. Se as mentes dos fariseus e dos discípulos de João se
tornam endurecidas e inflexíveis, eles tornam-se incapazes de receber e conter
os novos ensinamentos de Jesus. Os acontecimentos da paixão é apenas o reflexo
desta verdade, quando as velhas mentes e corações humanos rebentam em ira e
violência, contra Jesus e sua “boas novas” de salvação. Os gritos de crucifique
Jesus (o novo) e solte Barrabas (o velho) é a terrível realidade de uma
sociedade empedernida/petrificada pelo pecado. E esse terrível gripo ainda
ressoa nesta sociedade humana pós-moderna.
Exposição
Textual: Lucas 5.37-38
O contexto das duas parábolas é o mesmo - porque
os discípulos de Jesus não jejuavam.[6] Tanto os discípulos de
João Batista quanto os fariseus não conseguem perceber/compreender que
a chegada de Jesus inaugura uma nova realidade – no que tange ao relacionamento
com Deus. As cerimônias e jejuns tradicionais já cumpriram suas funções e agora
tornaram-se ressequidas e já não servem mais, tornaram-se inutilizadas. Jesus
passa a comparar sua vinda com à vinda de um noivo para sua festa de casamento.
Em um tempo de alegria ninguém pensa em jejuar, de maneira que, os discípulos
de Jesus não necessitavam jejuarem enquanto ele estava com eles. Mas Jesus
seria tirado deles e morto, e então eles jejuariam por causa da dor da
separação. Todavia, completa Jesus, essa tristeza momentânea seria transformada
em regozijo, porque Jesus ressuscitaria da morte vitoriosamente (Marcos 2.18-20;
Lucas 5.33-35).[7]
Jesus deixa claro aos seus ouvintes que Ele não
tinha vindo para reparar, melhorar ou atualizar o
judaísmo. O judaísmo tornou-se inútil, desgastado, acabado. Jesus está trazendo
algo que era inteiramente novo. O judaísmo era como uma roupa velha desgastada
que não podia ser remediada; tornou-se semelhante a um velho odre ressecado e quebradiço
que não poderia suportar a pressão gerada pela fermentação do vinho novo. Mas
os acontecimentos da paixão e os gritos final da multidão fomentada pelas
autoridades religiosas do Templo, revelam direta e claramente que eles
preferiam sua antiga religião ressequida e inútil ao Evangelho novo proposto
por Jesus (Lucas 5.39).
Mas as palavras conclusivas de Jesus, registrada
com exclusividade por Lucas, antecede e esclarece a escolha posterior de seus
ouvintes (como o fizeram os ouvintes do profeta Elias e demais profetas antes
de Jesus): “E ninguém tendo bebido o velho quer logo o novo, porque diz:
Melhor é o velho”.
As pessoas de forma geral rejeitam o Evangelho
simplesmente porque não desejam renunciar a seus velhos hábitos e estilos de
vida (o jovem rico...vai e vende tudo que tens, dá aos pobres...vem e
segue-me...se afastou triste) como diria o velho Salomão “não há nada
novo debaixo do sol”. Há também um número crescente que estupidamente deseja
amalgamar a velha vida com o novo Evangelho, mas eles serão plenamente frustrados.
“O velho é melhor” (χρηστοτερος
- é mais agradável ao paladar). Esta é a mentalidade do ser humano desde a
queda até os dias atuais. O diálogo de Jesus com Nicodemos é muito esclarecedor
nesta questão. Nicodemos eram um excelente religioso judaico e até onde sabemos
moralmente irrepreensível, todavia ele próprio ainda não estava satisfeito e
plenamente seguro de sua salvação, por isso procura Jesus. A solução
apresentada por Jesus, continua sendo a mesma para os “Nicodemos” atuais: “É
necessário nascer de novo” (João 3.1-12). O apostolo Paulo vai
aplicar isso afirmando que crer ou estar em Cristo é experimentar um novo
nascimento ou ainda, participar da Nova Criação (2Coríntios 5.17),
que o Espírito Santo está fazendo a partir da Cruz. Não há espaço para as
coisas velhas, pois elas já passaram do prazo de validade, é necessário que
tudo se faça novo – é preciso “nascer de novo, da água e do espírito” (João
3.5).
Inerente às duas
analogias do reino que Jesus proferiu está o fato da "novidade" do
reino de Cristo. Não era para ser apenas um remendo imposto ao judaísmo, nem um
mero reenchimento de velhas formas com novas verdades vitais. "Vinho novo... roupa nova..." Aqui estava um vislumbre da verdade enfatizada pelos apóstolos:
"Eis que todas as coisas se fizeram [continua
sendo feita] novas!" (2
Coríntios 5.17). Na medida em que o Evangelho é proclamado o
Espírito Santo continua produzindo um novo nascimento – são estes os que creem.
Aplicação
Prática
Deus
trabalha com odres novos – quando vivemos em novidade de vida o
Espírito Santo continua sendo derramado (até sua plenitude) realizando sua
vontade em e através de nossas vidas.
A genuína
vida cristã é dinâmica e renovadora – esse era o entendimento de Paulo “eis
que tudo se faz [continuamente] novo” Todo aquele que nasce de novo, passa
a ter novos olhares, novos motivos, novos princípios, novos objetos e planos de
vida. Ele busca novos propósitos e vive para novos fins – ser cada dia mais semelhante
ao seu Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Ouçamos as palavras de Jesus glorificado e assentado no
trono:
“Eis que faço novas todas as coisas”
Apocalipse 21.5
Utilização livre desde que citando a fonte Guedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.Universidade Presbiteriana Mackenzieme.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia Protestantehttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/ Contribua para a manutenção deste blog
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Referências
Bibliográficas
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Mons. L. O tesouro das parábolas. São Paulo: Paulinas, 1974.
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Michel. Parábolas de Jesus em Marcos e Mateus. São Paulo:
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KENDALL,
R. T. The Parables of Jesus – a guide to understanding and applying the stories
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John. As parábolas de Jesus comentadas por John Macarthur. São
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J. P. M. van der. Jesus nos fala: as parábolas e alegorias dos quatro
evangelhos. São Paulo: Paulinas, 1999.
SNODGRASS,
Klyne. Compreendendo todas as parábolas de Jesus – guia completo. Rio
de Janeiro: CPAD, 2012.
[1]
OBSERVAÇÕES: Vamos seguir a cronologia estabelecida em artigo disponível
neste blog - Parábolas: Uma Ordem Cronológica (https://reflexaoipg.blogspot.com/2017/06/parabolas-uma-ordem-cronologica.html?spref=tw).
O texto pode ser lido sem
as notas de referência, mas nelas o leitor encontrara alguns detalhes
interessantes relacionadas ao contexto e termos utilizado nas narrativas
evangélicas.
[2]
A data em que a narrativa é produzida e divulgada não é menor do que 15 anos
depois do ministério de Jesus. De acordo com o relato de Lucas em Atos centenas
de comunidades cristãs foram sendo estabelecidas por todo o território do
Império Romano. Todas as narrativas evangélicas são escritas de forma
didática/pedagógica para ensinar e orientar os primeiros convertidos – o que
chamamos hoje de catecúmenos e/ou discipulado.
[3] Há
dois termos para novo no grego bíblico: Neos (usada aqui em Marcos) significa recente
no tempo, e kainos significa um novo tipo. O reino
messiânico seria novo tanto no tempo quanto na espécie/qualidade.
[4]
Palaios (velho) significa existir por muito
tempo, e em vários contextos transmite a sensação de estar obsoleto, antiquado
ou desgastado. Desgastada é a ideia nas parábolas paralelas sinóticas; o verbo
relacionado palaioo é usado em Hebreus 8.13 para descrever
a Antiga Aliança "tornando-se obsoleta (palaioo)".
[5]
Os odres eram peles tiradas de pequenos animais,
como cabras, que eram costuradas para conter água, leite e vinho.
[6]
A oração e o jejum eram deveres piedosos e muito respeitados naquele contexto
religioso judaico. De acordo com Lucas 18.12, os fariseus jejuavam pelo menos
duas vezes por semana. O fato de os discípulos de João Batista também jejuarem
regularmente pode ter-lhes conferido um certo grau de respeitabilidade - pelo
menos aos olhos dos fariseus presunçosos.
[7]
A Noiva de Cristo é a Igreja, e Jesus é o Noivo. Foi a primeira vez que Ele identificou
como o Noivo, e é também possivelmente a primeira vez que Ele implicitamente
apontou para o facto de que um dia os deixaria (ascensão). Disse-lhes que
chegaria o momento em que o Esposo lhes seria tirado - e que, nessa altura,
jejuariam. A razão pela qual jejuamos e oramos é que aguardamos a Sua volta.
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