Todo mês de novembro,
em muitos lugares do mundo, milhões de pessoas comemoram o dia de Ação deGraças. A data foi instituída no Brasil pela Lei n.° 781, de 17 de agosto
de 1949, mas como não é um feriado (ex. Estados Unidos), nem todos comemoram o
Dia de Ação de Graças no país. Essa comemoração fica a cargo de algumas igrejas
protestantes.
A
palavra grega [εὐχαριστία
- eucharistía] é composta pelo
prefixo “eu” que significa bem, em
todos os sentidos (bom, agradável, justo) e pelo substantivo “charis” [ χαρις ] que significa
graça, Graça, favor, generosidade e a tradução dela é “ação de graças”.
No Primeiro Testamento (Antigo
Testamento) o termo que expressa “ações de graças” é a palavra “todah” e que era relacionada a um
sacrifício (pacífico), seguidos de cânticos e uma refeição onde a família e
amigos eram convidados para “agradecer”
a Deus por um grande livramento de perigo, doenças ou espada. A importância
desta oferta pode ser aferida nas palavras de um antigo ensino rabínico: "Na era messiânica vindoura, todos os
sacrifícios cessarão, mas a oferta de agradecimento [todah] nunca cessará"
(Retirado do Pesiqta, conforme citado em
Hartmut Gese “Essays On Biblical Theology (Minneapolis: Augsburg Publishing
House, 1981). A refeição se constitui em
um cordeiro seria sacrificado (Templo) e o pão para a refeição seria consagrado
no momento em que o cordeiro fosse sacrificado. O pão e a carne, juntamente com
o vinho, constituiriam os elementos da refeição sagrada da todah , que seria
acompanhada de orações e cânticos de ação de graças, como o Salmo 116.
Foi
o rei Davi que introduziu o “todah” na liturgia do culto israelita. Após trazer
a Arca da Aliança para Jerusalém Davi ordena que se façam "ofertas
pacíficas" e a “todah” era a oferta pacífica mais importante e comum.
Todos os elementos da todah estavam presentes, pois o rei ofereceu pão e vinho
junto com a carne dos sacrifícios (1Cr 16.3), e Davi (compositor e cantor) fez
com que os levitas liderassem o povo em “cânticos todah” , isto é, cânticos de
“ação de graças” (1Cr 16.8-36). Alguns exemplos de salmos de ação de graças (todah)
são: 16, 18, 21, 32, 65, 100, 107, 116, 124, 136. E mais ainda, o rei
estabeleceu através de Asafe que os levitas devessem agradecer e louvar a Deus
"continuamente" (1Cr 16.7, 37, 40), caracterizando a partir daquele
momento que a adoração no Templo seria pautada por uma liturgia todah, ou seja,
uma liturgia de ação de graças. As orações pelo sacrifício da manhã e da noite
foram caracterizadas pelo todah de ação de graças (1Cr 16.40-41).
No grego o termo “ação de graças” está
associada diretamente a outra palavra (ainéo)
elogio, louvor e ambas expressam a reação ou resposta em relação à outra pessoa
e, mormente no grego clássico quando estão conectadas essas ações de graça e louvor
é reservado para uma divindade, o que era frequentemente destacada com um
estilo de escrita específico (formato) em uma correspondência. Epiteto fala de “tó eucháriston”, como uma atitude ética
básica, enfatizando o dever de se dar graças a Deus.
Nos escritos neotestamentário é mais
utilizado pelo apóstolo Paulo em suas epístolas (24 vezes na forma verbal e 12
vezes na forma substantiva); nos escritos evangélicos aparece apenas 11 vezes e
sempre na forma verbal. Na forma adjetiva apenas uma única vez na carta de
Paulo aos Colossenses (3.15). Todas as referências são sempre relacionadas a
Deus e apenas em três destas passagens se referem a uma pessoa (Lc 17.16; At 24.3
e Rm 16.4).
O apóstolo Paulo utiliza com
frequência esta palavra, na abertura de suas cartas, para expressar sua
gratidão a Deus pela vida dos seus destinatários, independentemente dos temas
espinhosos que muitas vezes terá que tratar no transcorrer de sua
correspondência (Rm 1.8; 2Co 1.11; Ef 1.16; Cl 1.3; 1Ts 1.2; 2Ts 1.3; Fm 1.4).
Todas as vezes que se relaciona a
Deus a forma substantiva é sempre empregada no modo absoluto, de maneira que
ação de graças e louvor se constituem em uma atitude fundamental e permanente
da vida do cristão. Deve ser manifestadas em nome de Jesus (Ef 5.20); toda
oração e súplica devem ser acompanhadas de ações de graça (Fp 4.6; Cl 2.7; 4.2;
1Tm 2.1).
Nas
narrativas evangélicas, quando da multiplicação dos pães, Jesus segue a
tradição judaica de dar ações de graça antes das refeições [Louvado sejas,
Javé, nosso Deus, rei do universo...] e ora dando graças ao Pai antes de
efetuar o milagre e alimentar aquela grande multidão (Mc 8.6).
Mas
é quando Jesus faz a instituição da Ceia que podemos perceber a mais
significativa relação com a “todah” veterotestamentária. Evidente que a Ceia é
instituída dentro e com os elementos da refeição pascoal, cujas implicações
teológicas são indiscutíveis. Todavia, a ceia celebrada no cenáculo, é uma
refeição de Páscoa e de “ação de graças”. A Páscoa contém todos os mesmos
elementos encontrados na todah : pão, vinho e sacrifício de um cordeiro, junto
com hinos e orações. De fato, os salmos de Hallel (113-118), cantados durante a
refeição da Páscoa, eram todos salmos de todah. Philo, um judeu do primeiro
século, descreve a Páscoa como um festival de ação de graças: "E este festival é instituído em memória e
como forma de agradecimento [eucaristia – ação de graças] pela grande migração
que eles fizeram do Egito" (Philo,
The Special Laws, II, 145. The Works of Philo, trans. by C.D. Young (Peabody,
MA: Hendrickson Publishers, 1993).
Quando
os discípulos veem Jesus partindo o pão e pronunciando palavras de “ação de
graças” (eucaristia), eles estão apenas recordando a grande libertação do Egito
(Êxodo), mas o que eles vão entender somente depois da morte e ressurreição é
que Jesus está contemplando muito além da história da salvação de Israel – pois
através de Sua morte e ressurreição milhões haveriam de serem salvos
(libertados) em todas as nações. E Jesus estabelece essa verdade como
fundamento da “Nova Aliança” ordenando: “Façam
isso em memória de mim, até que eu venha” (Lc 22.19). Trazer à memória as
ações salvadoras de Deus é o grande objetivo da “ação de graças” (todah). Portanto, a Ceia cristã é uma celebração e
não um ato fúnebre. A nossa adoração e participação da Ceia deve ser
permeada pela ação de graças, pois somos lembrados perpetuamente do grande dom
(presente) que Jesus nos deu através de seu sacrifício na cruz por nós – nas
palavras de João Batista – o Cordeiro de Deus que tira o (nosso) pecado do
mundo.
O
apóstolo Paulo compreendeu como poucos a importância da ação de graças na vida do cristão. Além
de utilizar o termo nos prólogos de suas epístolas, o apóstolo Paulo utiliza ação
de graças por tudo quanto Deus esta fazendo na vida das comunidades e dos
cristãos: pelo crescimento espiritual na vida comunitária (2Co 4.15); pela
participação na herança escatológica (Cl 1.12); pela aceitação da pregação
evangélica (1Ts 2.13); pelas coletas recebida (2Co 9.11s). Os projetos de Paulo
são seus motivos de gratidão a Deus (1Ts 3.9); para o apóstolo a ausência de
ação de graças é reflexo de deficiência no conhecimento de Deus (Rm 1.21) e uma
triste marca da sociedade sem Deus. Desta forma, todas as ações do cristão
devem ser feitas em espírito de gratidão (Ef. 5.4) e para o apóstolo a fé em
Jesus Cristo somente é genuinamente expressada quando temos disposição e
coragem para sermos gratos a Ele por tudo ou em todas as circunstâncias.
No livro do Apocalipse tanto na
forma substantiva quanto verbal “ação de graças” está na composição das doxologias
e hinos apocalípticos (Ap 4.9; 7.12). Todos os seres vivos querem celestiais ou
terrestres oferecerão permanentemente ação de graças ao Cristo glorificado que
se assenta no trono e reina. Mas esses cânticos não decorrem do temor e sim da
gratidão por tudo quanto Ele faz. Enquanto vivemos nesse mundo tenebroso nem
sempre é perceptível o quanto Deus age bondosamente em nosso favor, mas na
glória, livre de todos os males que nos afligem, haveremos de oferecer a Cristo
ação de graças permanentemente.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
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