domingo, 25 de fevereiro de 2018

Evangelho Segundo Lucas: Características Peculiares – no Feminino


            Como comentado anteriormente os evangelistas desenvolvem suas narrativas com liberdade e criatividade, apesar de compartilharem muitas fontes comuns. Desta forma cada um deles têm ênfases peculiares que se ajustam adequadamente aos seus respectivos leitores alvos.[1] No caso especifico de Lucas uma das suas características particular é o papel desenvolvido pelas mulheres no transcorrer do ministério terreno de Jesus.
Nenhum outro evangelista e escritor bíblico destacam tanto o papel da mulher quanto Lucas. Carinhosamente ele é denominado de o Evangelho no Feminino. É a abundância de histórias envolvendo mulheres que levaram comentadores bíblicos como Alfred Plummer a observar: "O Terceiro Evangelho é, em especial, o Evangelho para as mulheres. . . Ao longo deste Evangelho, é permitido vê-las ocuparem um lugar proeminente, e muitos tipos de feminilidade são colocados diante de nós".
Em seu cuidadoso trabalho de pesquisa Zenilda Luiza Petry destaca que o:
 “vocábulo grego Gyné é utilizado quarenta e uma vezes no Evangelho, enquanto Mateus o faz trinta e duas vezes, Marcos doze vezes e João vinte e duas vezes. Lucas é quem mais emprega o vocábulo Gyné no Novo Testamento, e o emprega basicamente em dois sentidos: como “mulher” e como “esposa”. Além de mais empregar o vocábulo em questão, Lucas ainda identifica dez mulheres pelo nome: Maria a mãe de Jesus; Isabel, Ana, Herodíades, Maria Madalena, Joana, Susana, Marta, Maria e Maria mãe de Tiago. Por nove vezes se refere à mulher como “filha”, “virgem” ou emprega pronomes. Dos quarenta e um empregos do vocábulo Gyné, vinte e dois fazem parte de relatos exclusivos de Lucas e cinco, embora fazendo parte dos relatos comuns dos sinóticos, apenas em Lucas contêm o acréscimo do vocábulo Gyné” (1995, p.16). (1995, p.16).
Na Bíblia não faltam figuras femininas vigorosas de personalidade, de empreendimento, como as mulheres dos patriarcas e Miriam, irmã de Moisés, Débora, juíza em meio aos juízes, Rute e Noemi, Ester, uma rainha hebreia em uma corte estrangeira, e outras mais. Entretanto, não é difícil encontrar textos judaicos que as menosprezam e as descrever negativamente. Um triste extrato desta visão míope é a oração judaica: “Agradeço-te, Senhor, porque não me criou pagão (estrangeiro), ignorante, mulher, escravo”. Jesus veio para romper definitivamente com este ranço machista e recolocar a mulher do lugar que jamais deveria ter saído – ao lado do homem. Mulheres e homens são igualmente filhos e filhas de Deus. Não é o homem que determina o modo de ser de uma mulher, mas o critério de discernimento deve ser a prática da palavra de Jesus e nisto as mulheres foram testemunhas exemplares e Jesus o reconheceu amplamente.
E Lucas é entre todos o que mais percebeu este aspecto.[2] O terceiro Evangelho não apenas enumera uma pluralidade de mulheres, como lhes dá papeis mais significativos. Em momento algum ele pretende fazer um manifesto feminista (alguns liberais entendem que o evangelho foi escrito por uma mulher), mas ao atribuir-lhes tanta atenção o faz para demonstrar que o amor de Deus manifestado em Cristo abrange indistintamente o homem e a mulher e que a salvação nunca foi privilégio do sexo masculino.
Desde as primeiras linhas as mulheres surgem como personagens centrais e não secundárias. Isabel é denominada de justa e irrepreensível em associação direta a seu marido. Surge a figura linda de Maria com sua delicadeza, amor, inteligência e submissão incondicional à vontade de Deus. Na sequência podemos enumerar a profetiza Ana, a viúva de Naim, a pecadora na casa de Simão, as mulheres que sustentam Jesus com seus bens, Marta e Maria, a mulher que proclamava bem-aventura a mãe de Jesus, a mulher encurvada, a parábola da mulher que perdeu e encontrou a moeda, a parábola da viúva e do juiz iníquo, as mulheres na via-sacra. Além destas acrescenta-se aquelas mencionadas também pelos outros evangelistas.
Lucas também faz várias citações de personagens femininos: a viúva de Serepta, as viúvas cujos bens são devorados pelos fariseus. Mas elas não apenas abrem sua narrativa evangélica, são elas também quem fazem o fechamento – elas permanecem (quando os homens se mandam) ao pé da cruz, são as primeiras a ouvirem as boas novas da ressurreição e contemplar o Jesus ressurreto e também são elas as primeiras a anunciarem esta preciosa mensagem.
Além disso, a construção narrativa de Lucas de pares paralelos de homens e mulheres criou a noção popular de que Lucas considera mulheres e homens iguais. Assim, os homens e as mulheres recebem os mesmos benefícios salvíficos, dentro do programa gracioso de Deus em Cristo. Mulheres e homens têm experiências semelhantes e cumprem funções semelhantes.
Um texto significativo para entendermos o papel das mulheres no ministério de Jesus e provavelmente na comunidade cristã primitiva é Lc 8.1-3, que se constitui em um breve sumário tão comum na narrativa lucana. O diferencial é o fato de que Jesus está acercado de dois grupos – os discípulos e um grupo de mulheres, o qual ele faz questão de nomear ao menos três: Maria Madalena, Joana e Susana. Em seu ministério na Galileia cresce muito a participação das mulheres no ministério de Jesus (Lc 7.11-17; 7.36-50; 8.1-3; 8.40-56), deixando bem claro a importância relevante das mulheres na nova comunidade que Jesus esta formando – a Igreja. Lucas deixa claro que elas “o seguiam e o serviam” que são as duas características proeminentes do discipulado. Apesar de todo ambiente hostil elas permanecem firmes em sua fé e serviço ao Mestre e Salvador e o seguem até Jerusalém, até à cruz, até ao sepulcro e até à ressurreição.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo:  ed. Vida Nova, 1997.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
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LEAL, João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1945.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
PETRY, Zenilda Luiza, Estudos Bíblicos-47-Evangelho de Lucas. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995.
PLUMMER, Alfred. The Gospel According to S. Luke, 5th. Edinburgh: T. & T. Clark, 1981.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.





[1] Na cultura greco-romana, que serão os primeiros leitores deste evangelho, a mulher também sofre marginalização. Ela é considerada inferior ao homem. Ela não é livre e deve ser orientada e conduzida pelo homem. Jesus rompe definitivamente com este modo de ver a mulher.
[2] Somente Lucas, em seu segundo volume (Atos), nos dá as tradições sobre as mulheres discípulas no Cenáculo (Atos 1.14); Safira (5.1-11); a jovem escrava de Felipos (16.16-24); Tabita (9.36-43); Lídia (16.13-15, 40); Damaris (17.34); Priscila (18.2, 18, 26); e as quatro filhas de Filipe que eram profetisas (21.8-11).

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