Retomamos nossa proposta de
verificarmos o pano de fundo histórico do Novo Testamento. O profeta Daniel e
os demais livros deste período (Ester, Esdras e Neemias) estão inseridos no
contexto histórico do Império Persa.
Encontramos nestas páginas referências aos seus grandes imperadores: Ciro, Dario I, Xerxes e Artexerxes I.
Todos estes impérios têm como
referência geográfica a região do Irã, que abrange a região montanhosa entre a
Assíria e a Índia Transcaspiana e o golfo Pérsico. Vejamos inicialmente um
pouco da formação destes grandes impérios.
Em primeiro lugar temos o império
dos medos. Eles fundaram ao nordeste do Irã um dos reinos mais
poderosos e temidos o qual deram o nome de Média
(700-550 a.C.; cf. Jr 25.25). Por não deixarem fontes escritas pouco sabemos
sobre eles e por esta razão acabaram sendo associados aos persas. O historiador
grego Heródoto não faz distinção entre eles, em seu relato sobre as guerras
gregas se refere às Guerras Médicas, como se os dois povos fossem apenas um.
Eles sempre foram um povo difícil de ser conquistado. Os assírios chegaram a
dominar parte da Média, mas nunca sua totalidade. Depois da vitória sobre o
reino de Israel, em 740 a.C., os
israelitas foram enviados ao exílio em lugares na Assíria e "nas cidades dos medos", indicando
que eram cidades vassalas da Assíria. Foi com Ciáxares II (645-585 a.C.) que
após acabar com as invasões Citas, inimigos naturais, estabeleceu uma aliança
com Nabopolasar (Babilônia) e juntos enfrentaram e venceram o então poderoso Império
Assírio, tomando-lhe sua capital Nínive
em 612 a.C. Nesse momento ocorre uma mudança na geografia mundial: os babilônicos ficaram com as terras baixas
da Mesopotâmia e formando um dos maiores impérios já visto com Nabucodonosor (605-562 a.C.); os medos ficaram com as terras altas do
leste e se tornaram em uma nova potência no Próximo
Oriente. Mas em meados do século VI a.C., os persas, que de um sistema
tribal haviam evoluído para um aglomerado de pequenos reinos, liderados por Ciro II e/ou Ciro, o Grande (550 a.C.) rebelou-se contra o rei medo Astíages
(seu avô), derrotando-o e capturando-o e após vencer os aliados dos Medos reinou
na capital Ecbátana.[1]
Após a conquista do rei persa Ciro II e/ou Ciro, o Grande[2] temos o início da chamada Pérsia
grega, estabelecendo a dinastia dos Aquemênida
que passaram a ter um domínio mundial (550-331 a.C.).[3] Em seu apogeu os
Aquemênidas construíram um império com cerca de 8 milhões de quilômetros
quadrados que abrangia três continentes: Ásia, África e Europa, estimando um número
de 50 milhões de pessoas que viviam debaixo da autoridade e governo desta
dinastia Persa, ou cerca de 44% da população mundial daquele período histórico.
Posteriormente temos um
terceiro império denominado de Partas (250 a.C.). A dinastia parta dos
Aquemênida controlaram as estradas comerciais durante o tempo anterior ao
cristianismo, incrustado no meio de dois dos maiores impérios China e Roma.
Finalmente em 224 d.C. eles foram expulsos pelos vassalos romanos. Duas cidades
importantes foram Ecbátana na Média e Selêucia à margem ocidental do rio
Tigres.
Os persas voltaram a dominar
esta região sob a dinastia dos sassânidas,
considerada um dos períodos mais relevantes e influentes da história da Pérsia.
Em seu apogeu foi o último grande Império Persa antes da conquista muçulmana e da adoção do islamismo. Antes, porém, disputou metro
a metro com o império Romano a
predominância da região, até a ocupação da Mesopotâmia pelos árabes em 636 d.C. Os sassânidas davam a
seu império o nome de Irã e a capital
deste último império persa foi a cidade de Ctesífon. Segundo o notável
orientalista estadunidense Arthur Pope (1881–1969), referindo-se a todos os
governos persas conclui: "o mundo
ocidental tem uma dívida enorme a ser paga à civilização persa" ( p.11).
Para o filosofo Georg Hegel, em sua obra História da Filosofia, o Império Persa
foi o primeiro império no sentido moderno e seu povo foram as "primeiras pessoas
históricas". E complementado citamos as palavras de outro
grande historiador, Will Durant, quando se refere à relevância da civilização Persa:
Por milhares de anos os persas
têm produzido beleza. Vocês têm sido uma espécie de divisor de águas da
civilização, derramando seu sangue e pensamento, da arte e da religião para
leste e para o oeste no mundo ... Eu não preciso mencionar para você novamente
as realizações de seu período Aquemênida. Pois, pela primeira vez na história
um império quase tão extensa como os Estados Unidos estabeleceram um governo
ordenado, com competência administrativa, uma rede de comunicações rápidas, uma
garantia de circulação de pessoas e mercadorias em estradas majestosas,
igualados antes do nosso tempo unicamente pelo auge da Roma imperial (Palestra
proferida na Sociedade Irã-Estados Unidos em Teerã em 21 de abril de 1948).
Diante deste pequeno quadro
geopolítico podemos perceber a tremenda influência que os persas exerceram sobre a região da Palestina e sobre a vida dos
judeus. Tanto Israel quanto Judá estiveram alternadamente sobre a influência do
vale do Nilo e da Mesopotâmia. Tanto Ciro quanto os persas inseriram os judeus
numa ampla e poderosa civilização cosmopolita (equivalente à globalização
atual), incluindo a culta região da Ásia Menor. O Império Aquemênida deixou uma
impressão duradoura, bem como influenciou o desenvolvimento e estrutura dos
impérios futuros. Na verdade, os gregos
e, mais tarde, os romanos assimilaram
as melhores características do método persa de governar o império, e
indiretamente as adotou. Mais ainda, as influências persas haverão de
transpassar os séculos e influenciar até mesmo o próprio cristianismo em seus primeiros séculos.
Olhando pelo prisma da Providência de Deus, esta inserção
cosmopolita da Palestina proporcionou o desenvolvimento externo do judaísmo que
por sua vez tornou-se o roteiro a ser seguido pelos missionários cristãos e
ninguém soube aproveitar melhor esta vantagem do que Paulo e seus companheiros.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
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emocionantes de se entender a história sagrada. 13ª. ed. Rio de Janeiro:
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[1] Depois da vitória sobre o reino de
Israel, em 740 AEC, os israelitas foram enviados ao exílio em lugares na
Assíria e "nas cidades dos medos", algumas delas sendo então vassalos
da Assíria. Quando a reconstrução
da cidade e do Templo judeu de Jerusalém foram questionados por autoridades
persas, ainda nos dias de Zorobabel, uma comunicação foi enviada ao Rei Dario
I, da Pérsia, solicitando a confirmação do decreto de Ciro que autorizava esta
reconstrução (Ed 5.1-17). Após uma consulta nos arquivos reais o decreto de
Ciro foi encontrado em Ecbátana,
confirmando assim a legalidade da obra de reconstrução do templo. De fato,
Dario emitiu uma ordem com o fim de que a obra dos judeus prosseguisse sem
impedimento, e os opositores deles receberam até mesmo a ordem de prover-lhes
os materiais necessários, o que “fizeram prontamente”. O templo foi finalmente
completado “ao terceiro dia do mês lunar de adar, isto é, no sexto ano do
reinado de Dario, o rei”, ou já perto da primavera setentrional de 515 a.C.
(Esd 6.6-15).
[2] Segundo os historiadores gregos segundo
Heródoto e Xenofonte ele teve pai persa e mãe média, e foi ele o responsável
por unir os persas sob a sua liderança. (Heródoto, I, 107, 108; Ciropedia;
ambos de Clássicos Jackson, Vol. XXIII, e Vol. I, Livro I, p. 7.).
[3] A desagregação do Império Aquemênida
ocorreu nos conflitos com as cidades gregas, culminando com a conquista do
Império por Alexandre, o Grande (século IV a.C.).
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