sábado, 24 de agosto de 2024

Paulo: Alegria e a Tribulações Paradoxo de uma Vida Cristã Autêntica


Poucos cristãos de fato conhecem a vida do apostolo Paulo. O livro de Atos tem uma proposta ampla de registrar a expansão da Igreja e do Evangelho e ainda que Paulo seja o personagem relevante da segunda parte desta narrativa histórica de Lucas, e por esta proposta o historiador não se detém em muitos detalhes peculiares da vida do apostolo dos gentios.

Para construirmos um desenho mais detalhado de Paulo é necessário nos debruçarmos em suas epístolas. Serão nelas que encontraremos momentos em que o apostolo abre seu coração e derrama sua alma, compartilhando suas alegrias e dissabores no exercício de seu ministério apostólico de missionário itinerante.

Certamente será em sua segunda carta aos crentes de Corinto que poderemos ouvi-lo em seus momentos mais agudos. Evidente que ele não entra nos mínimos detalhes de cada situação aflitiva que teve que enfrentar, mas os leitores primários desta correspondência tinham pleno conhecimento de muitos destas particularidades.  

Em sua correspondência anterior (1Coríntios 15.32) Paulo se refere como que “lutando com feras[1] referindo-se às tribulações enfrentadas em seu longo ministério na cidade de Éfeso.[2]

A natureza da crise não é especificada na epístola, mas os coríntios sabiam bem a que ele estava se referindo, pois eles devem se consolar e esperar no sofrimento e libertação de Paulo (2 Coríntios 1.3-7). Ele está ansioso para abrir seu coração para eles sobre o assunto e dizer-lhes sobre a alegria e tribulações que estão inseparável e paradoxalmente unidas na vida de todos que se dispõem à pregação do Evangelho.

Ele registra nesta epístola uma pequena biografia onde menciona parte de sofrimentos e dificuldades suportados por causa do Evangelho (2Co 11.23-29). Em outras correspondências ele fala de Prisca e Áquila que arriscaram seus pescoços por ele (Rm 16.4); alerta Timóteo de seu adversário Alexandre, o latoeiro, que lhe fez muito mal (2Tm 4.14-17); e descreve seu trabalho em Éfeso em termos de “uma porta aberta. . . e muitos adversários” (1Co 16.9).

As batalhas dele chegaram ao auge na experiência compartilhada aqui nesta epístola (1.8-10). Ele chega a contemplar a própria morte e pensou que havia chegado ao final de sua jornada. E quando a libertação veio, ele reconhece a ação milagrosa de Deus atendendo as orações e a compara a uma ressurreição.

Mas em vez desistir de seu ministério, a fraqueza e o sofrimento que experimentou serviram para fazê-lo confiar e depender ainda mais do poder de Deus, que trabalha nele e por meio dele, e para não confiar em si mesmo (2Co 4.7-5.10).

Abaixo uma pequena síntese de suas lutas mencionadas:

·       O motim de Demétrio (At 19.23-41), aqui o sistema judiciário romano ficou ao lado do apostolo e não deram atenção às acusações de seus adversários.

·       Lutando com feras” (1Co 15.32). Aqui ele usa uma imagem muito conhecida, pois as arenas estavam repletas de pessoas sendo destroçadas por feras selvagens para delírio das multidões. Certamente tratava-se de pessoas extremamente violentas ou que usaram de extrema violência contra sua vida. Sua determinação e persistência em proclamar o Evangelho trouxe risco para sua vida e outros que com ele estavam associados. Esta é uma experiência representa um presságio do que estaria por vir e que quase acabou com a vida e a obra de Paulo em Éfeso.

·       Julgamento em Tribunal Estadual. Ele faz referência a numerosas prisões (2Co 11.23). A comunidade judaica em Éfeso se associa aos opositores de Paulo, os mercadores da deusa Diana, para explorar a situação e acusarem o apostolo de ser fomentador de tumultos. Se tivessem obtido êxito, seguido de condenação, poderia ter levado Paulo à sentença de morte.

·       Açoitamento em uma corte judaica. Não conseguindo condenar Paulo em um tribunal romano, os judeus mesmos, reunidos em um tribunal eclesiástico puramente judaico, aplicaram-lhe a sentença (espúria) de trinta e nove chicotadas (2Co 11.23).

·       Doença. É possível que esse perigo fosse uma doença que quase mostrou-se fatal. Certamente ele enfrentou muitas enfermidades, mas está que ele não identifica foi extremamente grave (2Co 12.7-10). É possível associar um estresse e consequente depressão após a amarga humilhação da "dolorosa visita" (2 Coríntios 2.1). Uma dupla terrível capaz de prostrar o mais valente dos cristãos enfermidade/depressão. O profeta Elias experimentou algo semelhante, mas da mesma forma com que Deus sustentou seu profeta do passado, sustentou e renovou as forças e animo do precioso apostolo e missionário.

·       Problemas nas Igrejas (2Co 11.28), as fontes era as mais diversas, desde legalistas, libertinos, falsos irmãos e outros. Paulo era constantemente pressionado em seu ministério apostólico-missionário. Um exemplo clássico é a relação conflitante com a própria Igreja em Corinto, em algum momento aqui o apostolo enfermo e exaurido emocionalmente (foi humilhado, e até sua aparência foi motivo de críticas – sem porte físico, eloquência/oratória fraca, calvo...) quase levando-o ao colapso potencial de seu campo missionário.

·       O ódio dos judeus. Eles nunca o perdoaram por ter abandonado as fileiras do judaísmo. E mais do que isso, suas pregações e testemunho alcançava a menina dos olhos dos judeus da diáspora (viviam fora de Jerusalém) os chamados “prosélitos” (gentios que se submetiam aos rituais judaicos, incluindo a circuncisão) e os “tementes a Deus” (que mesmo adotando o judaísmo não se submetiam à circuncisão – mormente oficiais romanos). Além das mulheres gentias que se refugiavam na religião judaica, para fugirem dos rituais das religiões que as sujeitavam à rituais regados à libertinagem sexual. Todos esses segmentos ao ouvirem a mensagem do Evangelho pregado por Paulo abandonavam o judaísmo e formavam as primeiras comunidades cristãs. Isto fica evidente quando fala à igreja em Éfeso - ele fala de "provações que me sobrevieram por causa das tramas dos judeus" (At 20.19); e quando de sua última visita a Jerusalém (para entregar as ofertas recolhidas), foram “judeus da Ásia” (At 21.27) que incitaram as multidões do templo a linchar Paulo (e por muito pouco não conseguiram). O apostolo foi salvo pelas tropas romanas que o retiraram de suas terríveis mãos de ódio.

    Sua pregação da salvação pela graça confrontava o judaísmo legalista e aguerrido ao cumprimento dos rituais da Lei. O seu desejo de alcançar seus contemporâneos étnicos o motivava a entrar de cidade em cidade primeiramente nas sinagogas e anunciar o Evangelho. Essa atitude transtornava seus adversários que utilizavam dos meios lícitos e ilícitos para mata-lo.

    Ainda mais, os chamados judaizantes de Jerusalém (queriam fazer uma mistura de judaísmo e cristianismo – de Graça e Lei), que discordavam da pregação de Paulo “somente pela fé mediante a graça” saíram de Jerusalém, municiados com cartas de credenciamento, para corrigir o que acreditavam ser as interpretações errôneas de Paulo (Gl 2.2; Co 10-13).

Em outra frente, Paulo teve que lidar com chamados libertinos que desejavam amalgamar o Evangelho da graça com os princípios emanados de um gnosticismo libertino, desvirtuando a genuína liberdade em Cristo.

Todavia, apesar das provações e tribulações, a mensagem proclamada por Paulo prevaleceu e continua prevalecendo até os dias deste século 21. Mas no pico desta crise compartilhada aqui (2Co 1.8), todo projeto da missão gentia estava em jogo, Paulo estava em risco de morte, de maneira que sua peculiar mensagem do Evangelho corria o risco de ser varrido pelas diversas perseguições acima mencionadas.

Mas a graça de Deus sempre foi maior do que todas as ameaças e pressões sofridas por Paulo e sobreviveu à provação para consolidar seu trabalho e a cada provação ele descobria que o Evangelho era eficaz tanto na fraqueza quanto na força.

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento - 2 Coríntios. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2019.

KRUSE, Colin. 2 Coríntios. São Paulo: Edições Vida Nova, 1994. [Série Introdução e Comentário].

MILLOS, Samuel Pérez. 2 Coríntios - Comentario Exegético Al Texto Griego del Nuevo Testamento. Vida Publishers, 2020. [Edição Espanhol].

ROBERTSON, A. T. Épocas na vida de Paulo. Tradução A. Bem Oliveira, 3ª ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1987.

REID, Daniel G., HAWTHORNE, Gerald F., MARTIN, Ralph P. (Orgs.). Dicionário de Paulo e suas cartas. São Paulo: Paulus Editora, 2008.

SANDERS, E. P. Paulo, a Lei e o Povo Judeu. Traduzido do inglês por José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulus, 1990.



[1] Pode ser uma referência tirada das terríveis cenas dos Coliseus romanos, onde prisioneiros e posteriormente milhares de cristãos foram destroçados pelas feras selvagens.

[2] Lucas registra mais particularmente o grande tumulto causado por Demétrio, o ourives (At 19. 23-41).

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