(…) para cada aluno que precisa ser
resguardado de um leve excesso de sensibilidade, existem três que precisam ser
despertados do sono da fria vulgaridade. O dever do educador moderno não é o de
derrubar florestas, mas o de irrigar desertos.
Seu nome completo é Clive Staples
Lewis (1898-1963) e sem medo de errar pode-se dizer que foi uma das mentes mais
brilhantes da vira do século dezenove para o século vinte. Ele morreu há 59
anos, todavia sua literatura está mais viva do que nunca (Cartas de um diabo a
seu aprendiz, Cristianismo puro e simples, Quatro amores e as Crônicas de
Nárnia) são exemplos de uma boa, saudável e inteligente literatura.
Seus
temas foram e continuam sendo discutidos, pois fazem parte da nossa vida
cotidiana. Todavia, os brasileiros de forma geral e os evangélicos de modo
particular, em sua grande maioria, desconhecem as literaturas por ele
produzidas, prova contundente da miopia predominante na cultura brasileira e
mais especificamente na cultura evangélica.
Seus nome passou a ser “descoberto” não por sua vasta literatura, mas em razão da sua série "Crônicas de Narnia" terem sido transportadas para as telas de cinema em um redundante sucesso de bilheteria, rendendo milhões de dólares ao redor do mundo. Mas como tudo nesses tempos mediáticos e imediatistas, a onda Lewis passou e novamente ele foi lançado no limbo do esquecimento.
Mas
sua ampla estante literária contínua disponível para aqueles que tem um mínimo
de interesse em pensar. Ainda que suas literaturas sejam escritas em formas de
linguagem bastante popular e de fácil acessibilidade, as suas proposições,
discussões e principalmente suas conclusões incomodam todos aqueles que não
querem, e lutam desesperadamente, para não sair de sua zona de comodidade
mental. Pensar é algo perigoso (principalmente nesses dias em que a expressão
de opinião está sendo coagida e restringida), pois o pensar pode produzir a
necessidade de mudanças na forma de ver, compreender e fazer as coisas. Desta
forma, para aqueles que acham que “tudo está bem no país tupiniquim” as
literaturas de Lewis tornam-se incomodas e irritantes.
Sua obra aqui mencionada “A Abolição do Homem” desde seu lançamento editorial até hoje continua produzindo convulsões nas mentes de forma geral. O livro é resultante de uma série de palestras ministradas durante a Segunda Guerra Mundial. Ele defende de forma muito clara e sem subterfúgios o senso moral absoluto que é composto pelo arcabouço de valores universais, tais como o altruísmo, a caridade e o amor, que se constitui no fundamento das sociedades humanas. A destruição deste fundamento é a razão pela qual as sociedades desmoronam e o ser humano se descaracteriza a ponto de assemelhar-se cada vez mais ao animalesco irracional.
Este é o livro mais acadêmico filosófico
da biblioteca produzida por Lewis, de maneira que para aqueles leitores acostumados
com suas outras literaturas pode parecer mais difícil de ser compreendido.
Todavia, apesar dele pessoalmente discordar o livro foi bem recebido pelos
leitores de forma geral, assim como pelos críticos da época. Em sua primeira
edição (1943) o livro esgotou as vendas em pouco tempo e nos dez meses
seguintes foram necessárias outras três edições. As criticas foram bastante
positivas “um livro muito instigante [que] merece atenção e estudo” declarou alguém
que havia lido e analisado o texto. Mas mais do que na época o livro foi alcançando
uma reputação e se revestindo das características de um clássico genuíno e
seminal. O público leitor é amplo: filósofos, educadores, críticos literários,
historiadores, juristas, ateus, agnósticos, evangélicos e ainda nos dias atuais
é considerada uma de suas obras mais relevantes. O filósofo ateu John Gray
descreve o livro como “presciente,
profético” e “tão relevante agora”
como quando foi lançado, e continua ele, “se
não mais ainda” (apud, WARD, 2021, p. 11).
O alerta que Lewis faz nesse livro
pode ser claramente observado nos dias atuais, onde uma campanha mediática incessante
tem invadido a mente das novas gerações, desde as mais tenras idades, corroendo
os fundamentos morais e degradando os valores universais. O desafio lançado por
Lewis continua sendo valido hoje: resistir a estas ações ideológicas nefastas
que tem permeado a sociedade contemporânea e que infelizmente tem prevalecido
em muitos redutos evangélicos.
Somos incentivados por ele a estarmos
vigilantes em relação às ideologias relativistas que tem sido encucado nas
mentes juvenis, e aquelas mais simplórias, os primeiros no próprio ambiente
escolar e os demais no ambiente das mídias sociais, de que qualquer lei
natural, verdade objetiva, qualquer essência moral (religiosa), tudo isso não
passa de pura balela. O resultado disso é que o ambiente escolar torna-se espaço
de marketing ideológico, o professor torna-se um ativista, os pais e os
diretores tornam-se cínicos quanto à realidade dos fatos e os alunos tornam-se
apenas objetos a serem manipulados, destituídos de senso crítico e perspectivas
positivas, pois os pontos cardeais lhes foram furtados.
Na terceira e última parte Lewis já
alertava para o perigo do avanço tecnológico que já estava começando a cercear
a liberdade pessoal. A tecnologia é o instrumental para que haja domínio de
alguns sobre muitos, de maneira que um seleto grupo de pessoas haveria de ter
poder para moldar a sociedade de acordo com suas concepções de mundo. As
pessoas uma vez arrancadas de suas bases morais perderam sua identidade humana
tornando-se matéria-prima a ser manipulada à vontade por mestres e senhores.
Desta forma, o livro está plenamente sintonizado com as problemáticas do século
XXI, e a sua leitura nos habilita a fazermos um diagnóstico da sociedade atual
e identificarmos suas falhas.
Nestes dias em que vivemos um cientificismo
construído à base do poder econômico especifico de poucos e manipulado
artificialmente por um conglomerado mediático, e usando a linguagem do autor,
desumanizado, a leitura desta pequena obra de Lewis é de premente urgência.
Abaixo transcrevo pequenos trechos
da obra para despertar aguçar o apetite dos que ficaram desejos de lerem essa
pequena, mas inquietante, obra literária de Lewis:
“O ceticismo em relação aos valores é apenas superficial,
sendo válido apenas para valores alheios; eles não são muito céticos em relação
aos valores correntes em seus próprios meios. E esse fenômeno é bastante comum.
Muitos dos que ‘desmascaram’ os valores tradicionais ou (como eles dizem)
‘sentimentais’ têm no fundo valores próprios , que crêem imunes a
desmascaramentos semelhantes. Alegam estar cortando pela raiz o crescimento
parasitário da emoção, da autoridade religiosa, de tabus herdados, para que os
valores ‘verdadeiros’ ou ‘autênticos’ possam emergir”. P. 27.
“Eu preferiria jogar
cartas contra um homem que fosse inteiramente cético em relação à ética, mas
que tivesse sido criado para acreditar que ‘um cavalheiro não trapaceia’, do
que contra um irrepreensível filósofo moral que tenha crescido entre
vigaristas”. P.22.
“Produzimos homens sem peito e esperamos deles virtude e
iniciativa. Caçoamos da honra e nos chocamos ao encontrar traidores entre nós.
Castramos e ordenamos que os castrados sejam férteis”. P.24.
“O dever do educador
moderno não é o de derrubar florestas, mas o de irrigar desertos. A defesa
adequada contra sentimentos falsos é inculcar os sentimentos corretos. Ao
sufocar a sensibilidade dos nossos alunos, apenas conseguiremos transformá-los
em presas mais fáceis para o ataque propagandista. Pois a natureza agredida há
de se vingar, e um coração duro não é uma proteção infalível contra um miolo
mole”. P.12.
Lewis
declara que ao bater o último prego no caixão dos valores objetivos, abre-se a
caixa de Pandora. Um verdadeiro caos social e político tomara conta das
sociedades humanas. Nessa esteira haverá uma cegueira endêmica, permanente,
inevitável, fazendo até mesmo que qualquer memória do conhecimento desaparecerá,
como se nunca tivesse existido.
Qual a
solução que Lewis propõe (e que me parece única): Resgatar urgentemente a
"crença dogmática no valor objetivo", pois essa é uma crença
necessária "para a própria ideia de uma regra que não é tirania ou uma
obediência que não é escravidão".
A questão é: os leitores (nós) estão dispostos a resgatar as verdades dogmáticas?
Temas Centrais do Livro
Perigo
do subjetivismo
Lewis está preocupado
com o fato de o ensino escolar está desconectando as crianças/alunos de suas
próprias experiências e emoções, tornando-as robôs programáveis.
Valores
Universais
Para Lewis há valores
inerentes no ser humano e toda criança deve ser ensinada a distinguir o que é
bom do que é mau, o que é certo do que é errado e incentivá-las a escolherem o
bom e certo.
Os
perigos do controle do pensamento
O terror de Lewis é de
que se nada for feito para reverter esta tendência maligna, a vida humana será
controlada pelos “especialistas”, que nada mais são do que manipuladores de
mentalidades.
Lei
Natural
Um tema significativo
em A Abolição do Homem é a importância que Lewis dá à Lei Natural, um
conceito que transcende as culturas e sociedades humanas. A Lei Natural é um
conjunto de regras universais e imutáveis que determinam o que é razoável e
justo dentro da comunidade. Como o ser humano é incapaz de vivenciar
corretamente esta Lei Natural, o ensino/educação formal deve ser a bussola para
orientá-los.
O
papel da educação
Para Lewis a educação é
o instrumental adequado e indispensável para se promover valores morais e
integridade emocional nas crianças. Para ele é inaceitável que as instituições
educacionais enfatizem o crescimento acadêmico acima do desenvolvimento moral e
emocional.
Papel
da mulher na sociedade
Por fim, mas não menos relevante Lewis, enfatiza
o papel das mulheres na sociedade. Elas não são meras procriadoras, mas parte
integrante de uma sociedade humana na plenitude desta expressão. Em nada elas
são menos dignas do que os homens e nem menos capazes. Ainda que haja
diferenciação no exercício dos papeis a serem desempenhados, as mulheres são
tão dignas quanto seus pares masculinos.
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes,
Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia
Protestantehttp://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Referências Bibliográficas
LEWIS, C. S. A abolição do homem. Tradução Gabriele Greggersen 1ª ed. Rio de
Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.
WARD, Michael. After Humanity – a guide to C.S. Lewis’s The Abolition of Man. Park
Ridge, IL: Word on Fire Academic, 2021.
LEWIS, C. S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
DURIEZ, Colin. The A of Z C. S. Lewis - an encyclopedia of his life, thought and writings. Oxford, England: Published by Lion Books, 2013.
_____________. J.R.R. Tolkien e C.S. Lewis: O dom da Amizade. Tradução Ronald Kyrmse. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2018.
MCGRATH, Alister. A vida de C. S. Lewis - do ateísmo às terras de Nárnia. Tradução Almiro Pisetta. São Paulo-Lisboa: Mundo Cristão, 2013.
________________. Conversando com C. S. Lewis. 1 ed. São Paulo: Planeta, 2014.
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