quarta-feira, 7 de abril de 2021

Epistola de Judas 1.1 – Um Exercício Interlinear Grego-Português

 


            A epístola escrita por Judas é um dos livros mais curtos do Novo Testamento e da própria bíblia. Talvez por esta razão os leitores nem sempre prestam atenção ou lhe dão o devido valor. Todavia, esse pequeno documento foi preservado e inserido no cânon das Escrituras e isto por si só o reveste de significado e autoridade.

            O fato da pequena carta escrita por Judas anteceder o Apocalipse é significativo, pois o conteúdo da sua mensagem se encaixa perfeitamente à mensagem profética do último livro do cânon e podemos até dizer que a epistola serve de introito à sinfonia do Apocalipse.

Epístola de Judas 1.1 Interlinear Greek New Testament  (IGNT)

 Ἰούδας Ἰησοῦ Χριστοῦ δοῦλος ἀδελφὸς δὲ Ἰακώβου

     Judas        de Jesus        Cristo         escravo       irmão          e       de Tiago

τοῖς ἐν  θεῷ    πατρὶ ἠγίασμένοις, καὶ  Ἰησοῦ Χριστῷ

  para   o    em Deus       “o” Pai       santificado              para       Jesus        Cristo

Τετηρημενοις     κλητοις.

           mantido                   chamados.

Ἰούδας

Ocorre 45 vezes no NT sendo transliterado “Judá, Judas” e uma única vez “Jude” nesta epístola. O Dr. Morris Murray Jr. deduz que talvez seja para se dissociar da imagem negativa com outros nomes, como por exemplo “Judas Iscariotes”.  Do hebraico [יְהוּדָה] e significa: “elogiado, honrado, celebrado”.

 

Ἰησοῦ - 

É uma transliteração do Heb. “Josué", que significa "Yahweh é salvação", ou seja, "é o Salvador". Ainda em gestação um anjo disse a José que colocasse esse nome especifico quando ele nascesse (Mt 1.21).

 

Χριστοῦ - 

ungido, ou seja, o Messias, um epíteto de Jesus: Cristo. Do hebraico מָשִׁיחַ [ungido]. o título com o artigo especifica o Senhor Jesus como "o Cristo", sem o artigo, o caso aqui, enfatiza seu caráter e sua relação com os crentes. No caso especifico aqui tanto do escritor quanto dos leitores a quem se dirige.

 

δοῦλος -

A relação acima mencionada é especifica como sendo de doûlos [escravo, servo] que pode ser em um sentido literal ou figurativo, involuntário ou voluntário, mas frequentemente em um sentido qualificado de sujeição ou submissão). Judas coloca-se na mesma condição das grandes lideranças cristãs Pedro, Tiago e Paulo que se apresentam igualmente como “doûlos” de Jesus Cristo, uma expressão de plena e voluntária sujeição ao senhorio de Cristo. Durante o transcorrer da carta ele se refere sempre a Jesus como Senhor. Se ideia não era de escravo (doûlos) ele poderia ter utilizado o termo diakonos (“servo [doméstico]”).

 

ἀδελφὸς  -

Denota um “irmão, ou parente próximo”, no plural, “uma comunidade baseada na identidade de origem ou vida”. Este é o único lugar no NT onde o autor de uma carta menciona laços de família com seus leitores.

Do fato de Judas se identificar como irmão de Tiago pode se inferir que ele não tinha as credenciais apostólicas ou que os seus leitores reconheciam a autoridade de Tiago como líder da Igreja. Paulo escrevendo aos Coríntios (1Co 9.5) faz referência aos irmãos do Senhor, possivelmente incluindo Judas, como missionários itinerantes.

 

δὲ -

Uma partícula adversa, distinta, disjuntiva (também, e, mas, além disso, agora).

 

Ἰακώβου  -

Tiago, assim como Judas, era meio irmão de Jesus (Mt 12.46-47; Gl 1.19), um dos líderes da igreja em Jerusalém (At 15), e autor da carta que traz seu nome. Uma razão é de que o objetivo principal de ambos era

destacar e engrandecer a Ele e não a si próprios. Talvez, se lembrassem de que inicialmente eles demoraram a crer em Jesus como o Messias e Salvador (Jo 7.5).

 

τοῖς -

corresponde ao nosso artigo definido e que é propriamente um pronome demonstrativo.

 

ἐν -

Preposição “em”, neste caso melhor do que “por”; A expressão, "amado em Deus” é unívoca no Novo Testamento.

 

θεῷ -

Deus [Pai], a primeira pessoa da Trindade.

 

πατρὶ -

Pai – aquele que é o gerador de todos. A salvação é gerada pelo Pai, efetuada pelo Filho e aplicada pelo Espírito Santo. A palavra patri ("Pai") denota um relacionamento com Deus em que o amor predomina de forma inata e pulsa em cada faceta do Pai em uma base contínua e interminável.

 

ἠγίασμένοις

É o particípio passivo perfeito de “hagiazo” significando, "para fazer santo. É uma ação exclusiva de Deus "ser separado por Deu; ser modelado para ser semelhante a Ele no caráter (santo, santificado – Se santo como Eu sou santo). O termo vem do cerimonial de purificação dos utensílios que seriam utilizados no templo, bem como dos sacerdotes e levitas que estariam ministrando diante de Deus. O escritor e os seus leitores foram “santificados” para serem instrumentos de Deus. Em português somente a tradução Corrigida Fiel optou por “santificados”, outras como a Revista Corrigida e a NIV optaram por “amados”, ambas têm respaldo nos manuscritos neotestamentários.  

 

καὶ -

O simples dativo sem preposição, portanto, “para” Jesus Cristo, melhor do que “em”.

 

Ἰησοῦ -

Jesus, revelando seu caráter salvador – “Deus salva ou Deus é salvação”

 

Χριστῷ -

Cristo, pronome conectado a Jesus como referência messiânica-divino.

 

Τετηρημενοις

Preservado no sentido de manter a nova condição em Cristo e que se distingui do esforço humano (doutrina dos gnósticos e nicolaítas que seguiram o caminho de Balaão), pois somente por Cristo são salvos e preservados.  Melhor “preservado para Jesus Cristo”, enquanto aguardam a parousia, para ser Seu no Reino (glória). O que preserva (guarda, cuida) é Deus – os que são preservados são os chamados - e tudo está sendo feito “para Jesus Cristo”.

 

κλητοις -

Chamado, selecionado de forma especifica e definida. Todos os que foram chamados a um conhecimento de Deus através do evangelho. A ideia é de que o chamado, mesmo tendo sido feito no passado, permanece valido no presente. Segundo  Vincent, Marvin Richardson Vicent [New Testament Word Studies] colocado no final da frase para dar ênfase.

 

 

 

 

Epístola de Judas 1.2 Interlinear Greek New Testament  (IGNT)

 

 ἔλεος    ὑμῖν    καὶ εἰρήνη καὶ ἀγάπη πληθυνθείη

 

Misericórdia   para você (s)      e             paz           e          amor             seja multiplicado

 

ἔλεος

 Misericórdia [compaixão] – é a base da relação de Deus (Pai) com os “chamados” – trás a ideia de ação em favor daqueles que não possuem mérito algum em si mesmos. Mesmo depois de “chamados” eles estão sujeitos à corrupção pecaminosa, mas Deus continuamente manifesta sua misericórdia e os “preserva” para Jesus Cristo.

 

ὑμῖν

para (com ou por) você(s)

 

καὶ

tendo uma força copulativa e às vezes também cumulativa - e, também, mesmo, então, também, etc.; muitas vezes usado em conexão (ou composição) com outras partículas ou pequenas palavras.

 

εἰρήνη

Traduzida como "paz" e expressa os limites da relação de Deus com os que foram chamados, com base no sacrifício de Cristo. É o estado de contentamento (satisfação; descanso; reconciliação). “É uma sensação de estar em casa na presença de Deus - necessária, feliz e livre”. (MURRAY, 2018, p. 8).

 

καὶ 

A adição καὶ ἀγάπη é peculiar desta epístola.

 

ἀγάπη

A palavra aqui traduzida como "amor" e refere-se ao amor abnegado, sacrificial e abrangente para o bem de outros. Deus ama os “chamados” dessa forma e torna-se o modelo para que eles amem igualmente. Amor tanto de Deus para com eles, como deles para com o próximo.

 

πληθυνθείη

Aumentar; multiplicar; abundar – eles não devem ser econômicos, mesquinhos manifestação do amor para com Deus e para com os outros.

 

 

 

 

 

 

 

 

Notas

A carta de Judas foi escrita para ser lida em público quando a comunidade estivesse reunida e seu objetivo é anular a influência dos falsos mestres que haviam se infiltrado entre eles.

Nestes dois versos iniciais ele apresenta as credenciais que lhe dão credibilidade e autoridade e ao mesmo tempo descredencia os falsos mestres. Também utiliza termos que serão repetidos e darão consistência temática à correspondência, como por exemplo ele descreve os destinatários como sendo “preservados por Cristo” (v.1), e quase ao final exorta-os a se preservarem no amor de Deus (v. 21). Há também as recorrências: “misericórdia” (vv. 2, 21, 22-23); “amor, amado” (vv. 1, 2, 17, 20, 21).

O autor faz duas reivindicações iniciais para fundamentar suas credenciais: ele é um escravo de Jesus Cristo e irmão de Tiago, que era o líder da igreja de Jerusalém e meio irmão do próprio Senhor. Líderes do Primeira Testamento como Moisés, Josué, Davi e os profetas foram chamados de “escravo [servo] de Deus” como atestado de que estavam comprometidos totalmente a vontade de Deus na terra, assim como Paulo, Tiago, Pedro e João fazem uso desse título honorífico como distintivo para seu chamado e vocação apostólica missionária. Cumulativamente ele faz uso de seu parentesco com Tiago, liderança reconhecida por toda comunidade cristã (cf. Gl 2.9,11-12; Atos 15.13-21; 21.18) e até mesmo entre os judeus não cristãos, por seu zelo pela Torá e piedade pessoal (cf. (Eusébio, Híst. Eccl 2.23.4-7). E por fim, o autor se identifica como um dos meios-irmãos do próprio Jesus, que em um primeiro momento chegam a se opor a Jesus, mas após a ressurreição tornaram-se parte integrante dos cristãos (Atos 1.14) e reconhecidos como missionários itinerantes (1Co 9.5).

Ao se referir aos leitores/ouvintes Judas expressa os laços que os unem: eles são igualmente chamados, amados em Deus Pai e guardados por Jesus Cristo e conclui sua saudação inicial expressando o desejo sincero de que a misericórdia, a paz e o amor sejam multiplicados continuamente sobre suas vidas (v. 2). É muito importante que ele cative a mente e o coração de seus leitores/ouvintes, visto que ele haverá de tratar de forma contundente temas difíceis e desagradáveis, assim como um bom médico, por mais agradável e gentil que seja, precisa extirpar o câncer maligno do corpo de seu paciente, para que o mesmo não venha a morrer.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

 

Referências Bibliográficas (citadas neste artigo)
Robert H. Gundry. Commentary on First and Second Peter, Jude. Michigan: Baker Academic, 2011. [Commentary on the New Testament v.17].
MAYOR, Joseph B. The Epistle of St. Jude and Second Epistle of St. Peter - Greek Text with introductio, notes and comments. Eugene, Oregon: Wipf and Stock Publisher, 2004.
MURRAY, Morris Jr. Jude: A Commentary. 10/25/2018
PAINTER, John and deSILVA, David A. James and Jude. Michigan: Backer Academic, 2012. [Paideia Commentaries on the New Testament].
VICENT, Marvin R. The Word Studies in the New Testament.

Referências Bibliográficas (pesquisadas)
BARCLAY, William. The Letters of Peter e The Letters of John and Jude. Daily Study Bible, 1958.
CALVINO, João. Epistolas Gerais. Tradução Valter Graciano Martins. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015. (Comentários Bíblicos).
CARREZ, M. et all. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. São Paulo: Paulinas,1987.
GREEN, Michael. Segunda epístola de Pedro e Judas. Tradução Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova e Mundo Cristão, 1983.
KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: 1Pedro, 2Pedro e Judas. Tradução Susana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
KÚMMEL, W. Introdução ao Novo Testamento. S. Paulo: Paulinas, 1982.
ROSE, Delbert R. A Epístola de Judas. Rio de Janeiro: CPAD, 2006. [Comentário Bíblico Beacon – Hebreus a Apocalipse, v. 10]
 
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