segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Epístolas de Judas (Introdução)


            Dentro os livros que compõem a Bíblia há aqueles que são mais populares como Salmos e os Evangelhos ou que despertam mais a curiosidade dos leitores como o Apocalipse, mas também há aqueles livros que são relegados ou quase esquecidos dentre os quais podemos incluir a pequena epístola de Judas com seus poucos 25 versículos.
            Pelo fato de ter sido colocada ao final das chamadas cartas gerais ou universais, cujos autores são mais conhecidos (Tiago, Pedro e João) e por ser o penúltimo livro da bíblia coladinho com o Apocalipse, o breve escrito de Judas acaba passando desapercebido dos leitores bíblicos.
            Todavia, seu conteúdo é bastante significativo e pelo simples fato de estar no cânon bíblico merece toda nossa atenção. Ela deve ser estudada da mesma forma e com o mesmo entusiasmo com que estudamos todos os demais livros, pois esta pequena e singela carta foi tão inspirada pelo Espírito Santo como o foram todas as demais que compõem o Segundo Testamento.
Por sua brevidade esta epístola poderia facilmente ter sido extraviada durante os primeiros séculos da era cristã, todavia o Espírito Santo a preservou. Ela foi incluída entre as cartas universais na lista mais primitiva de escrituras do Novo Testamento (provavelmente do século II), ainda que nenhum dos Pais eclesiásticos a cita nem sequer a menciona antes de Clemente de Alexandria (c. 150- c. 215). Certamente ela circulou amplamente nas comunidades cristãs e apesar das restrições por parte de alguns líderes cristãos, foi aceita como palavra de Deus. Mesmo não tendo uma autoria apostólica, o fato é que a Igreja lhe concedeu uma posição dentre as literaturas canônicas. No Concílio de Cartago em 397 ela foi oficialmente reconhecida como parte integrante da bíblia cristã.
A epístola escrita por Judas não foi dirigida a uma igreja ou pessoa em particular, mas às comunidades judaico-cristãs que estavam dispersas, por esta razão ela foi colada no final desse grupo de correspondências identificadas como sendo gerais ou universais.
Orígenes, um dos pais da igreja, comentando sobre esta epístola de Judas declara: “E Judas escreveu uma Epístola, extremamente pequena, porém cheia de palavras poderosas e graça celestial”. Desta forma quero convidar você para juntos explorarmos esta pequena joia da graça divina que está incrustrada no cânon neotestamentário.
Autoria
            O escritor se identifica como sendo "servo de Jesus Cristo" e irmão de Tiago, deixando de se identificar como sendo meio-irmão do Senhor (Mt 13.55; Mc 6.3).[1] Ao usar o nome composto “Jesus Cristo”, ele deseja enfatiza sua relação espiritual com o Senhor e não sua relação física. Da mesma maneira Tiago (1.1) se apresenta como sendo um servo de Jesus Cristo.  
Tiago exerceu a liderança da igreja em Jerusalém. Quando Paulo e Barnabé levam a questão dos gentios para ser resolvida no que poderíamos chamar de primeiro concílio da igreja cristã (Atos 15) a liderança desta reunião foi de Tiago. Mas sobre Judas não temos quaisquer outras informações sobre algum trabalho especifico desenvolvido por ele, ainda que pelo fato de enviar uma carta circular e o tom exortativo de sua mensagem nos leve a pensar com muita propriedade que tinha liderança e influência junto a estas comunidades judaico-cristãs a quem se dirige.
É possível que fosse um pregador itinerante (1Co 9.5) e que apercebendo-se dos perigos que estão rondando as pequenas e ainda frágeis comunidades cristãs pega de sua pena e pergaminho e o mais rápido possível compõe está missiva alertando os irmãos dos perigos que estão correndo. Judas pode ser aqui relacionado com a Atalaia do profeta Ezequiel, que está em lugar estratégico no alto da torre na muralha que defende a cidade, de maneira que poder avistar os movimentos dos inimigos que se aproximam e então toca as trombetas de alerta de maneira que os demais se posicionem para a guerra.
Alguns comentaristas advogam que a carta foi escrita por um autor desconhecido que se utiliza do nome de Judas. Todavia, se fosse para fazer um documento pseudônimo (pseudoepígrafo), provavelmente não se teria escolhido um nome relativamente desconhecido como Judas ou que poderia ser confundido com o traidor; não teria se identificado como irmão de Tiago, mas como o próprio ou outro apóstolo de maior evidência.
De fato há no Novo Testamento cinco pessoas chamadas Judas:
§  Judas Iscariotes que certamente pode ser descartado;
§  Judas de Damasco, em cuja casa Paulo esteve orando depois de sua conversão no caminho a Damasco (Atos 9.11);
§  Judas Barsabás, que aparece no Concílio de Jerusalém quando da discussão sobre os gentios (Atos 15.22, 27, 32);
§   Judas que foi apóstolo (Lc 6.16; Atos 1.13) e que esteve presente na cena do Cenáculo (João 14.22), conhecido também por Tadeu (Mt 10.4 e Mc 3.18) ou “o filho de Tiago” (Lucas 6:16; Atos 1:13; que em traduções mais antigas diz: “o irmão de Tiago”) do qual também nenhuma outra informação temos afora as referências neotestamentário. Mas certamente se fosse ele o autor se apresentaria como apóstolo de Jesus Cristo o que lhe revestiria de maior autoridade.
Ainda que a questão continue em aberto um consenso sobre a autoria fica estabelecido e o comentarista Delbert R. Rose (2006, p. 353) em harmonia com Guthrie concluem depois de analisar as diversas probabilidades antigas e modernas, que o consenso favorece Judas, o irmão de Jesus, como o mais provável escritor deste penúltimo documento do cânon bíblico cristão. Em sua conclusão William Barclay sintetiza muito bem a defesa da autoria de Judas:
 “Quando lemos Judas, ela é obviamente judaica; suas referências são tais que somente um judeu poderia entendê-las, e suas alusões são tais que somente um judeu poderia captá-las. É simples e sólida; e vívida e pictó­rica. E claramente a obra de um pensador singelo e não a de um teólogo. Adapta-se à pessoa de Judas, irmão do Senhor. Está ligada ao seu nome, e não poderia haver nenhuma razão para assim ligá-la a não ser que ele realmente a escrevesse” (1958, p. 202-3).
Características Literárias
Judas, assim como seu irmão, Tiago, foi criado na Galileia, que era pejorativamente chamada de “Galileia dos gentios” (Mt. 4.15), pois ali conviviam diferentes povos que haviam sido trazidos pelos dominadores babilônicos quando da invasão e posterior cativeiro dos judeus. Mas por outro lado, os galileus conviviam diariamente com duas línguas: o aramaico, sua língua oficial, e o grego que era a língua universal da época (o inglês hoje). Por esta razão não é difícil imaginar que Judas tenha escrito a carta em grego, ainda que algum escriba o tenha auxiliado.
Quais são as características literárias da epístola de Judas?
§  O grego utilizado por ele é simples, mas vigoroso. Ele não é um artista literário, mas escreve como um profeta cristão apaixonado e preocupado com seus leitores.
§  Que seus leitores são de origem judaica é percebido pelo apoio que ele procura na literatura do Primeiro Testamento. Menciona três exemplos tirados diretamente da história bíblica (vv. 5, 6 e 7).
§  Alguma linha depois uma vez mais vai buscar exemplos tirados do contexto histórico bíblico, a atitude de Caim, o erro de Balaão e a rebelião de Coré (v. 11).
§  Demonstra conhecer alguma das literaturas que não foram incluídas no cânon hebraico, chamados de apócrifos. Ele menciona a disputa do Arcanjo Michael com Satanás pelo corpo de Moisés (v. 9; cf. A Assunção de Moisés); ainda cita uma profecia de "Enoque, o sétimo patriarca depois de Adão" (VV. 14-15; cf O Livro de Enoque).
§  Sua colocação no cânon bíblico a constitui em uma perfeita introdução ao último livro da bíblia. Enquanto a epístola de Judas nos fala sobre a perversidade e a deturpação do evangelho cristão, o apocalipse nos apresenta antecipadamente e em detalhes o julgamento que deve seguir os que assim procedem.
Outra característica literária é que ao longo de toda a epístola Judas organiza seu material em um padrão triplo, conforme os exemplos abaixo:
§  Na apresentação: Judas, Jesus Cristo, Tiago (v. 1a)
§  Destinatários: chamados, amados e preservados (v.1b)
§  Ao fazer a saudação deseja aos leitores misericórdia, paz e amor (v.2)
§  Ao se referir aos apóstatas e imorais afirma que “estão contaminados no corpo, rejeitam a autoridade e insultam os seres celestiais” (v. 8);
§  Quando se refere aos murmuradores e críticos afirma que eles “seguem seus próprios desejos maus; falam com arrogância e elogiam os outros para tirar vantagem” (v. 16);
§  São pessoas que causam "divisões e são deixados aos seus próprios instintos e não têm o espírito” (v. 19);
§  E ao concluir com uma doxologia menciona três tempos: “desde antes de todas as eras, agora e para sempre” (v. 25).
Similaridades com 2ª epístola de Pedro (capto 2)
Ainda no que se refere às características literárias a carta de Judas é muito semelhante a Segunda Epístola de Pedro. Mas o paralelismo é especialmente evidente no segundo capítulo de Pedro e um exame mais minucioso revela que nenhum dos escritores copiou simplesmente o material do outro, mas que ambos escrevem dentro de um mesmo contexto histórico-temporal. Abaixo temos uma lista das passagens paralelas (a lista de tópicos segue o texto da epístola de Judas):
Judas
2 Pedro (capto 2)
4 Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente [secretamente] no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformam a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor.
2.1 No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também surgirão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre si mesmo repentina destruição.
2.3 Em sua cobiça, tais mestres os explorarão com histórias que inventaram. Há muito tempo a sua condenação paira sobre eles, e a sua destruição não tarda.
6 E aos anjos que não conservaram suas posições de autoridade mas abandonaram sua própria morada, ele os tem guardado em trevas, presos com correntes eternas para o juízo do grande Dia.
2.4 Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos a fim de serem reservados para o juízo.
7 De modo semelhante a estes, Sodoma e Gomorra e as cidades em redor se entregaram à imoralidade e a relações sexuais antinaturais. Estando sob o castigo do fogo eterno, elas servem de exemplo.
2.6 Também condenou as cidades de Sodoma e Gomorra, reduzindo-as a cinzas, tornando-as exemplo do que acontecerá aos ímpios;
16 Essas pessoas vivem se queixando e são descontentes com a sua sorte, seguem os seus próprios desejos impuros; são cheias de si e adulam os outros por interesse.
2.10 especialmente os que seguem os desejos impuros da carne e desprezam a autoridade. Insolentes e arrogantes, tais homens não têm medo de difamar os seres celestiais;
8 Da mesma forma, estes sonhadores contaminam seus próprios corpos, rejeitam as autoridades e difamam os seres celestiais.
9 Contudo, nem mesmo o arcanjo Miguel, quando estava disputando com o diabo acerca do corpo de Moisés, ousou fazer acusação injuriosa contra ele, mas disse: "O Senhor o repreenda! "
10 Todavia, esses tais difamam tudo o que não entendem; e as coisas que entendem por instinto, como animais irracionais, nessas mesmas coisas se corrompem.
2.10 especialmente os que seguem os desejos impuros da carne e desprezam a autoridade. Insolentes e arrogantes, tais homens não têm medo de difamar os seres celestiais;
2.11 contudo, nem os anjos, embora sendo maiores em força e poder, fazem acusações injuriosas contra aqueles seres na presença do Senhor.
2.12 Mas eles difamam o que desconhecem e são como criaturas irracionais, guiadas pelo instinto, nascidas para serem capturadas e destruídas; serão corrompidos pela sua própria corrupção!
12 Esses homens são rochas submersas nas festas de fraternidade que vocês fazem, comendo com vocês de maneira desonrosa. São pastores que só cuidam de si mesmos. São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz.
2.13 Eles receberão retribuição pela injustiça que causaram. Consideram prazer entregar-se à devassidão em plena luz do dia. São nódoas e manchas, regalando-se em seus prazeres, quando participam das festas de vocês.
11 Ai deles! Pois seguiram o caminho de Caim, buscando o lucro, caíram no erro de Balaão e foram destruídos na rebelião de Corá.
2.15 Eles abandonaram o caminho reto e se desviaram, seguindo o caminho de Balaão, filho de Beor, que amou o salário da injustiça,
13 São ondas bravias do mar, espumando seus próprios atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão reservadas para sempre as mais densas trevas.
2.17 Esses homens são fontes sem água e névoas impelidas pela tempestade. A escuridão das trevas lhes está reservada,
16 Essas pessoas vivem se queixando e são descontentes com a sua sorte, seguem os seus próprios desejos impuros; são cheias de si e adulam os outros por interesse.
2.18 pois eles, com palavras de vaidosa arrogância e provocando os desejos libertinos da carne, seduzem os que estão quase conseguindo fugir daqueles que vivem no erro.
17 Todavia, amados, lembrem-se do que foi predito pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo.
18 Eles diziam a vocês: "Nos últimos tempos haverá zombadores que seguirão os seus próprios desejos ímpios".
3.3 Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões.
4 Pois certos homens, cuja condenação já estava sentenciada há muito tempo, infiltraram-se dissimuladamente no meio de vocês. Estes são ímpios, e transformaram a graça de nosso Deus em libertinagem e negam Jesus Cristo, nosso único Soberano e Senhor.  .
3.7 Pela mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e para a destruição dos ímpios.

Destinatários
Quem foram os leitores originais da Epístola de Judas? A verdade é que o autor não especifica quem são seus leitores. Porem quando examinamos o conteúdo da carta, podemos deduzir algumas coisas sobre esses primeiros leitores:
§  Os destinatários da carta conhecem muito bem o Primeiro Testamento (AT), pois o autor ilustra sua argumentação com fatos e figuras ali registrados - sobre o êxodo (v. 5), os anjos (v. 6); sobre Sodoma e Gomorra; cita nomes de personagens bíblicos como Caim, Balaão e Coré (v. 11).
§  Mas também faz referências da literatura judaica produzida e conhecida no primário século (vv. 9, 14) e que não foram incluídas no cânon judaico.
§  Por outro lado, a carta de Judas não trás nenhuma referência, explícita ou implícita aos gentios.
§  O conteúdo desta epístola é tal que somente um leitor judeu poderia ouvir e compreender plenamente o significado das palavras de Judas.
§  Também podemos considerar a carta do ponto de vista do escritor: Judas escreve como judeu de maneira que reflete o seu próprio contexto judeu-cristão.
§  Diante destas referências podemos supor com certa convicção de que os destinatários eram judeus que haviam sido convertidos à fé cristã.
§  Na verdade havia centenas comunidades judaicas espalhadas pelos grandes centros do Oriente Médio. Todavia, utilizando a correspondência de Pedro que é contemporânea, podemos concluir que ambos escreveram para os cristãos judeus e gentios que estavam vivendo na Ásia Menor (1Pe 1.1), ainda que o conteúdo da epístola de Judas em si não nos permita determinar uma região especifica para seus leitores primários.
Data e Lugar da Composição
            Quando lemos a carta de Judas não ficamos sabendo nem quando e nem onde ele estava quando escreveu. Partindo do fato que ele é um dos filhos de José e Maria (Mt 13.55; Mc 6.3), é possível situa-lo entre os anos 50 e 75 d.C.
            Outro referencial para data-la é a sua correlação com a segunda epistola de Pedro. Muitos são aqueles estudiosos que concluem que Judas extraiu espinha dorsal do material produzido pela epístola petrina e que o fez uma década depois. Tal posição se baseia nas palavras, “Todavia, amados, lembrem-se do que foi predito [dito] pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 17). Todavia, o fato de que Judas refere-se àquilo que os apóstolos disseram ao invés daquilo que escreveram sugere que ainda estamos nos movimentando dentro do período oral, quando o ensino apostólico era geralmente transmitido pela palavra falada. Assim sendo, a interpretação pode ser que Judas deseja trazer à memória dos seus leitores o ensino dos apóstolos dos quais eles (Judas e leitores) são contemporâneos e, portanto fazem parte da primeira geração de cristãos. O apóstolo Pedro usa a mesma fórmula ao lembrar aos contemporâneos de si e dos outros apóstolos (2Pe 3.1-2), relembrando o que os apóstolos havia ensinado.
            Por sua vez, outros estudiosos sustentam que a segunda carta de Pedro foi baseada na correspondência de Judas. Para isso eles colocam as passagens paralelas e concluem a favor de uma sequencia Judas-2Pedro.
            Na tentativa de conciliar estas duas hipóteses alguns advogam uma terceira possibilidade, de que tanto 2Pedro como Judas extraíram suas informações de uma fonte comum. Como sempre, esse possível “documento comum” não tem como ser atestado em sua existência e muito menos a datação de sua possível redação.
            Podemos concluir que não há nada na carta que indique obrigatoriamente uma data além da vida de Judas, o irmão do Senhor. Os perigos para os quais ele alerta seus leitores, semelhantemente aos mencionados em 2 Pedro, não são perigos ou heresias características do segundo século como afoitamente alguns comentarista indicam, mas todas elas podem ser encontradas no contexto do primeiro século (cf. Atos 20. 29-30; Rm 6.1; 1Co 5.1-11; 2Co 12.21; Gl 5.13; Ef 5:3-17; 1Ts 4.6). Da mesma forma, a utilização da palavra "" como representativo do conjunto de verdades cristãs (v. 3) não requer uma datação tardia da carta, pois nas epístolas paulinas fica claro que a ideia da ortodoxia cristã estava muito bem estabelecida já na década de 50 do século I (cf. Rm 6.17, Gl 1.8 ss; 1Ts 2.13; 2Ts 2.15; 3.6, 14).
Externamente a carta de Judas é citada nos escritos de Atenágoras, Policarpo e Barnabé todas produzida no início do século II, de maneira que dificilmente Judas poderia ter sido composto depois do fim do século I.
            Quanto a datação de Judas os mais conservadores optam por uma data entre 50 e 68 D.C. e os mais liberais entre 70 e 90 D.C. conforme a tabela abaixo:
Comentário
Data Proposta
Antecipada
Avançada
Média
Baker Encyclopedia of the Bible, Walter A. Elwell, Ph.D.
61
99
80
Richard J. Bauckham, Ph.D. 
50
60
55
Raymond Brown, Ph.D.
90
100
95
D.A. Carson, R.T. France, and G.J. Wenham, eds. New Bible Commentary: 21 Century Edition.
67
70
68
Peter S. Davids, Ph.D. Pillar Commentary.
69
69
69
ESV Bible, Wayne Gruden General Editor.
65
80
72
ESV Study Bible
64
67
62
David A. Fiensy, Ph.D.
75
75
75
Norman L. Geisler, Ph.D.  
67
69
68
Donald Guthrie, Ph.D. New Testament Introduction.
65
80
72
A.E. Hill, Ph.D.
60
68
64
Gary Holloway, Ph.D.
55
80
67
Holman Bible Handbook, David S. Dockery, Ph.D. Editor
65
80
72
R. Jamieson, A.R. Fausset, and D. Brown, eds. 
70
80
75
John MacArthur, Ph.D.
68
70
69
K.E. Malberg.
74
76
75
M.S. Mills.
62
62
62
Thomas Nelson's KJV Study Bible, Wayne A. Brindle, Th.D. Editor.
65
80
72
Nelson's NKJV Study Bible, Earl D. Radmacher, Th.D. General Editor.
60
64
62
S.L. Peterson, AD 105  Timeline Charts of the Western Church.
105
105
105
Reformation Study Bible, R.C. Sproul, Ph.D. General Editor.
65
67
66
J.A.T. Robinson, Ph.D.
61
62
61
T. Robinson, AD 90 The Bible Timeline.
90
90
90
Charles Caldwell Ryrie, Th.D., Ph.D., Ryrie Study Bible.
70
80
75
William Smith, Ph.D. Smith's Bible Dictionary.
65
65
65
Robert Utley, D.Min. Retired Professor of Hermeneutics.
60
80
70
Merrill F. Unger, Ph.D. Th.D.
66
75
70
J. Walvoord and R. Zuck  AD 67 to 80  The Bible Knowledge Commentary: An Exposition of the Scriptures
67
80
73
The Woman's Study Bible, Dorothy Kelley Patterson, Ph.D. General Editor.
65
80
72
Willmington's Bible Handbook, Harold L. Willmington, Ph.D.                        69            69        69.0
69
69
69
Glo-Bible.
65
80
72
            A carta também não fornece nenhuma indicação especifica do lugar de onde Judas escreve sua epístola. Podemos deduzir nas entrelinhas que ele conhecia pessoalmente as comunidades e que por elas era conhecido. O teor do texto indica um escritor na Palestina, e quando se apresenta como sendo “irmão de Tiago” se adequa melhor a uma região onde Tiago era conhecido como líder da Igreja em Jerusalém. Todavia, alguns comentaristas seguem uma pista inferida da carta de Paulo (1Co 9.5) onde concluem que se trata de Judas e sua esposa que servem como missionários itinerantes. Sendo isso possível, Judas ao escrever sua carta poderia estar praticamente em qualquer lugar do império romano.
Destinatários
Pouco se sabe, ao certo, sobre os primeiros leitores aos quais esta carta é dirigida, exceto que ela se destina “aos chamados, queridos em Deus Pai e conservados por Jesus Cristo” (v. 1). Esta descrição dá a entender que Judas estava escrevendo a um grupo de comunidades e não a uma comunidade específica. As citações que ela faz a personalidades e histórias do Antigo Testamento (por exemplo, o Êxodo, a destruição de Sodoma e Gomorra, Moisés, Caim, Balaão, a rebelião de Corá, e Enoque) parecem indicar que o seu público-alvo tinha uma forte tradição judaica. Sendo ele mesmo um crente de origem judaica, a tendência de Judas teria sido ministrar entre cristãos hebreus, como seu irmão Tiago, que dirigiu a sua carta especificamente “às doze tribos” (Tg 1.1).
Muitos comentaristas pensam que Judas estava escrevendo ao mesmo público da segunda carta de Pedro, considerando as heresias que as duas cartas combatem, mas não há nenhuma evidência disto. Pelo fato de escreverem no mesmo contexto-histórico, estes falsos mestres estavam se tornando um problema crescente para a maioria das comunidades cristãs primitivas. O próprio Paulo trata com um problema semelhante na sua carta aos Colossenses. Portanto, é provável que Judas tenha escrito esta carta aos cristãos judeus aos quais ele tinha ministrado, tanto na Palestina quanto em outras partes.
Propósito
Qual foi a intenção de Judas ao escrever esta epístola? Ele indica que inicialmente desejava escrever aos seus leitores sobre a salvação que lhes era comum. Certamente discorreria sobre os aspectos fundamentais da fé cristã e seus desdobramentos na vida cristã presente e futura.
Mas diante de um quadro agravante que ele visualiza em relação às comunidades cristãs com as quais ele se comunica, resolveu mudar o conteúdo da pequena correspondência e passa a insta-los à lutar com firmeza e determinação pelo conjunto de verdades que perfazem a fé cristã “que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (v. 3b) e na qual ele anima, ao final da carta,  que seus leitores edifiquem-se mutuamente (v. 20) e solicita amorosamente que os cristãos demonstrem misericórdia em relação aos que duvidam (v. 22).
Há um duplo propósito nessa sua correspondência. Na primeira parte (vv. 4-19), de forma mais tensa e urgente ele ensina àqueles cristãos como opor-se aos apóstatas que estavam se infiltrando no meio da comunidade cristã. Os adverte contra a influência perniciosa que estas pessoas ímpias têm exercido sobre a mente deles desvirtuando os pontos cardeais da genuína fé cristã.
Simultaneamente o autor, como um pequeno mosaico, esboça com brevidade diversas doutrinas cristãs: foram chamados (v. 1); a perseverança dos que lutam pela fé (vv. 3, 21); o juízo final contra os incrédulos (vv. 4, 6, 7, 11, 15); e a segurança eterna dos que creem (vv. 1, 21, 24); a salvação (v. 3) e a vida eterna dos crentes (v. 21).
Questão Canônica
Todos os livros neotestamentário circularam individualmente até serem reunidos em formato de cânon. Esse processo canônico somente foi concluído no século IV. Alguns livros foram rapidamente reconhecidos por todos, mas outros somente no final do processo. Eusébio um dos líderes cristãos mais proeminentes utilizava três categorias para descrever os escritos Cristãos: 1. Aceitos; 2. Questionados (disputados) e 3. Espúrios. Em sua classificação dos livros neotestamentário ele inclui II Pedro com Tiago, Judas, II e III João na categoria 2 (isto é, disputados).
Todavia, apesar de sua brevidade e prolongada discussão canônica o testemunho de sua autenticidade e veracidade é maior do que se poderia esperar. A primeira menção está no Canon de Muratori (170 A.D.) e Clemente de Alexandria (190 A.D.) que se refere diretamente a ela por nome em várias de suas obras. Tertuliano cita-a (cerca de 210 A.D.), e Orígenes (terceiro século), em seu comentário de Mateus (13.55) refere-se a Judas como tendo escrito uma epístola econômica em linhas, mas cheia de “palavras poderosas e graça celestial”. E embora Eusébio (325 A.D.) a tenha colocado entre os livros questionados, ele observa que era "bem conhecido e amplamente reconhecido”. Clemente de Alexandria citou três vezes a Epístola de Judas sem expressar qualquer dúvida. Deste modo, os três pais antigos, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Orígenes, até onde podemos julgar por seus escritos, atestaram sua autenticidade. Após o tempo de Eusébio, a Epístola de Judas foi universalmente aceita como genuína e reconhecida como canônica.
Duas objeções, tiradas de provas internas, foram feitas contra sua autenticidade. A escola de Tübingen[2] representada por Baur,[3] e outros, afirmam que se podem deduzir a partir do versículo 17, "lembre-se das palavras que foram ditas antes pelos Apóstolos", que esta Epístola pertence aos tempos pós-apostólicos. Entretanto, tudo o que podemos inferir desta passagem é (1) que o escritor aqui se distingue dos Apóstolos, e (2) que ele dá por certo que seus leitores ouviram a pregação de alguns dos apóstolos, portanto ele e seus leitores fazem parte da primeira geração de cristãos.
Uma segunda objeção feita contra a autenticidade desta Epístola por alguns e que foi razão por postergar sua plena aceitação no cânon neotestamentário é o autor inclui diversas referências apócrifas e lendárias nesta Epístola, mais do que em todos os escritos do N.T. juntos, e que tais referências apócrifas são inconsistentes com a ideia de inspiração. Mas o argumento é menos conclusivo como parece à primeira vista. O autor apenas se utiliza de argumentos que eram conhecidos pelos seus leitores e que certamente circulavam entre as comunidades judaico-cristãs do primeiro século (A Assunção de Moisés e o Livro de Enoque), mas que não foram incluídos no cânon hebraico. O que Judas deseja é ilustrar aos leitores o quão danoso e perigoso eram os falsos mestres e seus ensinos perniciosos para a edificação da igreja. Isso não deve nos surpreender, pois Paulo também nos dá alguns fatos na história de Moisés não registrados no Livro do Êxodo (2Tm 3.8), bem como outras citações não canônicas ((Atos 17.28; 1Co. 15.33; Tt 1.12), deste modo, não se pode concluir que a epístola seja espúria por causa destas citações não canônicas. A partir do século IV a carta de Judas tem sido lida, estudada e aceita como inspirada por um numero crescente de eminentes estudiosos século após século até os dias atuais.


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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Referências Bibliográficas
BARCLAY, William. The Letters of Peter e The Letters of John and Jude. Daily Study Bible, 1958.
BAXTER, J. Sidlow. Examinai as Escrituras: Atos a Apocalipse. São Paulo: Vida Nova, 1995.
CALVINO, João. Epistolas Gerais. Tradução Valter Graciano Martins. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015. (Comentários Bíblicos).
CARSON, D. A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. Trad. Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2006.
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[1] Ele seria um filho mais novo de Maria, nascido dela e de José, junto com Tiago, José e Simão. Outros argumentaram que ele foi um filho mais velho de José, fruto de um casamento anterior. Os irmãos de Jesus inicialmente recusaram-se a acreditar nele durante o exercício de seu ministério terreno (João 7.5), mas Tiago tornou-se mais tarde, provavelmente após uma aparição de Jesus ressurreto (1Co 15. 7). Os irmãos de Jesus são mencionados em Atos 1.13-14 como participantes de uma reunião de oração antes do Pentecostes o que indica que já haviam reconhecido nele o Messias.
[2] Na cidade de Tübingen (port. Tubinga), no estado alemão do Baden-Wüttenberg, foi fundada em 1477 uma instituição que nos séculos seguintes se tornaria uma das mais prestigiosas, particularmente no que concerne aos estudos teológicos. Tornou-se o principal centro acadêmico liberal no que concerne os estudos bíblicos.
[3] Ferdinand Cristian Baur (6 de setembro de 1809 - 13 de abril de 1882) era alemão e foi teólogo, filósofo e historiador. Bauer investigou as fontes do Novo Testamento e concluiu que o cristianismo primitivo deve mais a filosofia grega (estoicismo) do que para o judaísmo. Escreveu a partir de 1840 uma série de obras argumentando que Jesus era um mito e fusão da teologia judaica, grega e romana do segundo século.

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