Já havia
se passado mais de dois anos desde que Jesus iniciara seu ministério por toda a
Palestina. A leitura da narrativa evangélica de Marcos nos dá uma ideia da intensidade
com que Ele empreende suas atividades, sempre em plena ação e mobilidade sem
tempo para períodos de descanso – o tempo é curto. O evangelista Lucas procura
registrar os movimentos de Jesus, mas assim como Mateus, vai intercalando as
ações Dele com os Seus ensinos.
Os
três evangelistas sinóticos [evangelhos] reservam uma grande parte de suas narrativas para enfatizar a caminhada final
de Jesus em direção à Jerusalém,[1]
onde acontecerão os momentos cruciais da narrativa evangélica, a partir da
entrada triunfal de Jesus que demarca a última semana, culminando com os
eventos cruéis da paixão de Cristo e a posterior ressurreição Dele.
No
caso peculiar de Lucas a narrativa desta última caminhada e/ou subida de Jesus
em direção à Jerusalém inicia-se no verso 51 do capítulo 9: “E aconteceu que, ao se completarem os dias
em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida
resolução de ir para Jerusalém”.[2]
Até
aqui o evangelista se preocupa em apresentar aos seus leitores a pessoa de Jesus,
ou seja, sua identidade. Desse ponto adiante Lucas vai enfatizar os ensinos de Jesus,
bem como o propósito final de sua missão, bem como as mais diversas reações que
isso vai gerar, culminado com sua prisão, condenação e morte na cruz.
É
possível dividirmos essa viagem de Jesus em três contexto pedagógicos: na
primeira parte é feito um convite para segui-lo em direção a Jerusalém
(9.51-62); na segunda parte é deixado claro para os que aceitarem o convite de
que Jerusalém será o palco de sua glorificação, mas também de seu sofrimento e
morte, portanto, para ser glorificado é preciso estar disposto a enfrentar os
efeitos colaterais da paixão; na terceira parte chega-se às cercanias de
Jerusalém: o Reino de Deus está próximo e é chegado o Filho do homem
(cumprimento das profecias), não para condeção, mas para salvação daquele que
vier a crer.
A
cidade de Jerusalém permeia toda essa narrativa (9.51,53; 13.22; 17.11 e 19.28)
pois ela desempenha um papel fundamental na cristologia e teologia. Ainda se
ouvindo os ecos da transfiguração com sua referência explicita ao êxodo
(viagem) que haveria de se cumprir em Jerusalém (Lc 9.31), de maneira que a
cidade é um pólo de atração para todos movimentos que se haverão de realizar
daqui para frente (cf. Lc 13.33-35b; 19.38), criando-se um drama narrativo
crescente na medida em que se aproximam de Jerusalém onde tudo se concluirá.
A
narrativa lucana não nos permite traçar com exatidão geográfica a rota
percorrida por Jesus à Jerusalém, pois ele opta por fixar-se em diversos
acontecimentos mais do que uma exatidão geográfica progressiva, mas apesar
desta questão geográfica, durante toda a perícope Lucas enfatiza que o objetivo
desta viagem é Jerusalém (9.51,53; 13.22; 17.11; 18.31; 19.28 e 19.11).
Ele
fornece algumas informações vagas de que Jesus escolhe o caminho que perpassa “através da Samaria e da Galileia”
(17.11), atravessando a cidade de Jericó
(18.35; 19.1) e de que se aproxima dos arredores de Jerusalém pelos povoados “de Betfagé e de Betânia" (19.29). Normalmente Lucas
prefere generalizar referindo-se a cidades, aldeias, sinagogas e casas (10.38;
11.37; 13.10,22; 14.1), de maneira que qualquer esforço em reconstruir uma rota
exata torna-se frustrante.
A
areia da ampulheta de sua consumação está acabando e Jesus toma espontânea e
resolutamente (irrevogavelmente) o caminho para Jerusalém, apesar dos obstáculos
que pudessem interpor-se, pois está plenamente ciente do que lhe aguarda ao
final desta jornada (Is 50.7; Ez 2.6). E o fato de Jesus enviar mensageiros
adiante implica em que Sua subida a Jerusalém se reveste de uma função
profética e messiânica, pois, é Deus mais uma vez visitando seu povo.
Este
caminho através do território samaritano é o mais curto entre a região da Galileia,
onde Ele estava com seus discípulos, e a cidade de Jerusalém. Todavia, pela
rincha histórica que havia entre estes dois povos, os judeus sempre optavam
pelo caminho mais longo, evitando assim ter que passar pelas terras dos
samaritanos. A inimizade deles fica evidenciada no fato de que um vilarejo
samaritano nega acolher Jesus e seus discípulos. A reação de dois dos
discípulos, Tiago e João, sugerem a Jesus que rogue a Deus para que derrame
fogo do céu e consuma aquele vilarejo, lembrando-se de fato semelhante ocorrido
com o profeta Elias (2 Reis 1.10-14). Mas Jesus os repreende, pois ainda não haviam
compreendido que Ele não veio para destruir e sim para salvar (Lc 19.10), e
foram para outra aldeia.
Nesta
derradeira caminhada Jesus ira aproveitar para ensinar as últimas lições aos
Seus discípulos. E sem dúvida alguma a mais difícil destas lições é a Sua
paixão revestida de toda sorte de sofrimentos, o que não faz qualquer sentindo
para os discípulos (cf. João 12.34).
E ainda
hoje continua não fazendo sentindo para os milhões de “discípulos” que imbuídos
de um espírito hedonista e materialista correm atrás dos pseudos pregadores de
mensagens que lhes prometem “muito
dinheiro no bolso, saúde para dar e vender” [hino oficial do evangelismo
gospel brasileiro], que nunca foram proferidas pela boca de Jesus.
Os
cristãos modernos fogem do caminho da paixão, mais do que o diabo foge da cruz;
o Evangelho estreito e que culmina com a Cruz é completamente rejeitado e
ignorado, pelos evangélicos das mil e uma facilidades.
Mas não há Evangelho sem que se percorra o caminho à
Jerusalém; a verdadeira mensagem evangélica exige que se percorra cada metro e
cada quilômetro do longo caminho da Paixão, do Sacrifício, da Cruz, da Morte,
para que se possa experimentar a verdadeira Ressurreição e a Vida Eterna.
Os
discípulos somente foram compreender essa verdade após sua conversão, no
Pentecostes. Os cristãos atuais também somente farão a opção voluntaria de
percorrer todo este Caminho da Paixão e somente haverão de experimentar a
Ressurreição e a Vida Eterna, quando experimentarem de fato e de verdade uma
Conversão.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução
Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário.
São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell
Norman. O Novo Testamento Interpretado –
versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São
Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
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[1][1][1]
Se ficarmos apenas com as informações dos evangelistas sinóticos (Mt, Mc e Lc) Jesus
sobe a Jerusalém apenas uma única vez, de maneira que seu ministério seria
reduzido a um ano ou pouco mais. Todavia, nos relatos evangélicos de João
encontramos informações de que esta será a terceira vez que Jesus sobe com seus
discípulos à Jerusalém (2.13; 5.1 e 7.10).
[2]
Nessa longa perícope, Lucas abandona momentaneamente o roteiro proposto por
Marcos e adiciona diversos relatos peculiares apenas à sua narrativa,
provavelmente fruto de suas amplas pesquisas, conforme nos informa logo no início.
Os estudiosos denominam essa perícope de “a grande interpolação”. Anteriormente
houve o que chamam de “pequena interpolação” (Lc 6.20-8.3), mas retorna o
esquema de Marcos (Lc 8.4-9.50 = Mc 4.1-9.40).
Obrigado!
ResponderExcluirMe ajudou bastante.
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