quinta-feira, 3 de março de 2016

JESUS E A ÚLTIMA VIAGEM A JERUSALÉM

Já havia se passado mais de dois anos desde que Jesus iniciara seu ministério por toda a Palestina. A leitura da narrativa evangélica de Marcos nos dá uma ideia da intensidade com que Ele empreende suas atividades, sempre em plena ação e mobilidade sem tempo para períodos de descanso – o tempo é curto. O evangelista Lucas procura registrar os movimentos de Jesus, mas assim como Mateus, vai intercalando as ações Dele com os Seus ensinos.
Os três evangelistas sinóticos [evangelhos] reservam uma grande parte de suas narrativas para enfatizar a caminhada final de Jesus em direção à Jerusalém,[1] onde acontecerão os momentos cruciais da narrativa evangélica, a partir da entrada triunfal de Jesus que demarca a última semana, culminando com os eventos cruéis da paixão de Cristo e a posterior ressurreição Dele.
No caso peculiar de Lucas a narrativa desta última caminhada e/ou subida de Jesus em direção à Jerusalém inicia-se no verso 51 do capítulo 9: “E aconteceu que, ao se completarem os dias em que devia ele ser assunto ao céu, manifestou, no semblante, a intrépida resolução de ir para Jerusalém”.[2]
Até aqui o evangelista se preocupa em apresentar aos seus leitores a pessoa de Jesus, ou seja, sua identidade. Desse ponto adiante Lucas vai enfatizar os ensinos de Jesus, bem como o propósito final de sua missão, bem como as mais diversas reações que isso vai gerar, culminado com sua prisão, condenação e morte na cruz.
É possível dividirmos essa viagem de Jesus em três contexto pedagógicos: na primeira parte é feito um convite para segui-lo em direção a Jerusalém (9.51-62); na segunda parte é deixado claro para os que aceitarem o convite de que Jerusalém será o palco de sua glorificação, mas também de seu sofrimento e morte, portanto, para ser glorificado é preciso estar disposto a enfrentar os efeitos colaterais da paixão; na terceira parte chega-se às cercanias de Jerusalém: o Reino de Deus está próximo e é chegado o Filho do homem (cumprimento das profecias), não para condeção, mas para salvação daquele que vier a crer.
A cidade de Jerusalém permeia toda essa narrativa (9.51,53; 13.22; 17.11 e 19.28) pois ela desempenha um papel fundamental na cristologia e teologia. Ainda se ouvindo os ecos da transfiguração com sua referência explicita ao êxodo (viagem) que haveria de se cumprir em Jerusalém (Lc 9.31), de maneira que a cidade é um pólo de atração para todos movimentos que se haverão de realizar daqui para frente (cf. Lc 13.33-35b; 19.38), criando-se um drama narrativo crescente na medida em que se aproximam de Jerusalém onde tudo se concluirá.
A narrativa lucana não nos permite traçar com exatidão geográfica a rota percorrida por Jesus à Jerusalém, pois ele opta por fixar-se em diversos acontecimentos mais do que uma exatidão geográfica progressiva, mas apesar desta questão geográfica, durante toda a perícope Lucas enfatiza que o objetivo desta viagem é Jerusalém (9.51,53; 13.22; 17.11; 18.31; 19.28 e 19.11).
Ele fornece algumas informações vagas de que Jesus escolhe o caminho que perpassa “através da Samaria e da Galileia” (17.11), atravessando a cidade de Jericó (18.35; 19.1) e de que se aproxima dos arredores de Jerusalém pelos povoados “de Betfagé e de Betânia" (19.29). Normalmente Lucas prefere generalizar referindo-se a cidades, aldeias, sinagogas e casas (10.38; 11.37; 13.10,22; 14.1), de maneira que qualquer esforço em reconstruir uma rota exata torna-se frustrante.
Diferentemente de Mateus (19.1) e Marcos (10.1), onde Jesus faz o caminho que perpassa o “território da Judeia, além do Jordão”, ou seja, pela Transjordânia, na narrativa lucana Jesus prefere passar pela região central de Samaria e somente ao final é que Jesus passa pela cidade de Jericó retomando o itinerário natural ao longo do Jordão, harmonizando-se com o itinerário dos outros dois sinóticos.
A areia da ampulheta de sua consumação está acabando e Jesus toma espontânea e resolutamente (irrevogavelmente) o caminho para Jerusalém, apesar dos obstáculos que pudessem interpor-se, pois está plenamente ciente do que lhe aguarda ao final desta jornada (Is 50.7; Ez 2.6). E o fato de Jesus enviar mensageiros adiante implica em que Sua subida a Jerusalém se reveste de uma função profética e messiânica, pois, é Deus mais uma vez visitando seu povo.
Este caminho através do território samaritano é o mais curto entre a região da Galileia, onde Ele estava com seus discípulos, e a cidade de Jerusalém. Todavia, pela rincha histórica que havia entre estes dois povos, os judeus sempre optavam pelo caminho mais longo, evitando assim ter que passar pelas terras dos samaritanos. A inimizade deles fica evidenciada no fato de que um vilarejo samaritano nega acolher Jesus e seus discípulos. A reação de dois dos discípulos, Tiago e João, sugerem a Jesus que rogue a Deus para que derrame fogo do céu e consuma aquele vilarejo, lembrando-se de fato semelhante ocorrido com o profeta Elias (2 Reis 1.10-14). Mas Jesus os repreende, pois ainda não haviam compreendido que Ele não veio para destruir e sim para salvar (Lc 19.10), e foram para outra aldeia.
Nesta derradeira caminhada Jesus ira aproveitar para ensinar as últimas lições aos Seus discípulos. E sem dúvida alguma a mais difícil destas lições é a Sua paixão revestida de toda sorte de sofrimentos, o que não faz qualquer sentindo para os discípulos (cf. João 12.34).
E ainda hoje continua não fazendo sentindo para os milhões de “discípulos” que imbuídos de um espírito hedonista e materialista correm atrás dos pseudos pregadores de mensagens que lhes prometem “muito dinheiro no bolso, saúde para dar e vender” [hino oficial do evangelismo gospel brasileiro], que nunca foram proferidas pela boca de Jesus.
Os cristãos modernos fogem do caminho da paixão, mais do que o diabo foge da cruz; o Evangelho estreito e que culmina com a Cruz é completamente rejeitado e ignorado, pelos evangélicos das mil e uma facilidades.
Mas não há Evangelho sem que se percorra o caminho à Jerusalém; a verdadeira mensagem evangélica exige que se percorra cada metro e cada quilômetro do longo caminho da Paixão, do Sacrifício, da Cruz, da Morte, para que se possa experimentar a verdadeira Ressurreição e a Vida Eterna.
Os discípulos somente foram compreender essa verdade após sua conversão, no Pentecostes. Os cristãos atuais também somente farão a opção voluntaria de percorrer todo este Caminho da Paixão e somente haverão de experimentar a Ressurreição e a Vida Eterna, quando experimentarem de fato e de verdade uma Conversão.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
ivanpgds@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].

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[1][1][1] Se ficarmos apenas com as informações dos evangelistas sinóticos (Mt, Mc e Lc) Jesus sobe a Jerusalém apenas uma única vez, de maneira que seu ministério seria reduzido a um ano ou pouco mais. Todavia, nos relatos evangélicos de João encontramos informações de que esta será a terceira vez que Jesus sobe com seus discípulos à Jerusalém (2.13; 5.1 e 7.10).
[2] Nessa longa perícope, Lucas abandona momentaneamente o roteiro proposto por Marcos e adiciona diversos relatos peculiares apenas à sua narrativa, provavelmente fruto de suas amplas pesquisas, conforme nos informa logo no início. Os estudiosos denominam essa perícope de “a grande interpolação”. Anteriormente houve o que chamam de “pequena interpolação” (Lc 6.20-8.3), mas retorna o esquema de Marcos (Lc 8.4-9.50 = Mc 4.1-9.40).

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