Autoria
Como
boa parte dos livros do Novo Testamento, com exceção das Epístolas, também este
livro circulou originalmente sem o nome do autor. Entretanto, há uma convergência de
testemunhos ou evidências (internas e externas) que possibilita estabelecer uma
fisionomia e nome do seu autor. Dessas
informações fragmentárias surge a pessoa de Lucas: um cristão da segunda
geração, médico por profissão, amigo e companheiro de Paulo. Como anteriormente
mencionado, Atos é o segundo volume de uma ampla pesquisa elaborada por Lucas,
o médico, endereçada a Teófilo, sobre “tudo o que Jesus começou a fazer e
ensinar. ” Quanto às evidências que corroboram esta tese temos:
Evidências Externas
A
voz da Igreja antiga é unânime em atribuir este livro a Lucas, o autor do
terceiro Evangelho. Um dos chamados “Pais
da Igreja” Ireneu cita passagens dele repetidamente e usa a seguinte
fórmula: "Lucas o discípulo e
companheiro de Paulo diz assim." Clemente de Alexandria, citando o
discurso do apóstolo Paulo em Atenas, o introduz afirmando, "Assim Lucas em atos dos Apóstolos registra."
Eusébio diz: "Lucas tem deixado-nos
dois inspirado volumes, o Evangelho e os Atos." Devemos incluir também
o Cânon de Murtori (muratoriano), do fim do século segundo, que atesta a autoria lucana do
terceiro evangelho como também de Atos: “Mas
os Atos de todos os apóstolos foram escritos em um livro. Lucas compilou, para
o ‘excelentíssimo Teófilo’, os diversos acontecimentos ocorridos em sua
presença, conforme ele claramente revela mediante a omissão da morte de Pedro e
da partida de Paulo da cidade [Roma], quando viajou para a Espanha”. O
testemunho externo à autoria de Lucas é tão forte quanto poderíamos desejar.
Evidências Internas: Os
estudiosos têm encontrado muitas e importantes evidências internas quanto à
autoria lucana de Atos, das quais podemos destacar algumas:
1. As passagens “nós” ou “nos”. Há aproximadamente 97 versículos onde o autor substitui a
terceira pessoa do singular pela primeira pessoa do plural. Essas são as
respectivas passagens: 16-10-17 [a
viagem de Trôade]; 20: 5-15 e 21:1-8
[a viagem para Jerusalém]; e 27:1-28:16
[a viagem marítima de Cesaréia a Roma], em que o pronome da primeira pessoa do
plural é encontrado, implicando que o autor foi um companheiro de Paulo em
parte das viagens do apóstolo. Uma vez que Paulo teve vários companheiros,
diferentes nomes têm sido sugerido quanto a autoria deste livro, como Timóteo,
Silas, Tito e Lucas, que segundo informações neotestamentárias (Col. 4:14;
Filemom 24; e II Tm. 4:11), foram também companheiros do apóstolo e seus
amigos. Num processo de eliminação
Lucas é o que permanece como o provável escritor destas seções. Os dois primeiros são excluídos, uma vez
que são citados nominalmente em 16:19 e 20:4,5. E pouco pode ser dito em favor
de Tito de modo que é geralmente aceito de que Lucas foi o autor destas seções
“nós-nos”. Mas se isto é verdadeiro,
ele é também o autor do livro, uma vez que estas seções se cruzam com outras
partes do livro. Respondendo aos críticos que miniminizam este aspecto redacional, David J.
Williams argumenta:
Tem-se apresentado a sugestão, às vezes, que o autor
empregou a primeira pessoa do plural nessas passagens como recurso literário,
pois encontram-se outros relatos de viagens em que a pessoa escreve na primeira
pessoa do plural. Entretanto, fosse esse o caso, por que não ocorre
consistentemente? Ele narra algumas viagens na terceira pessoa do singular
(9:30; possivelmente 11:25s.; 13:4, 13; 14:26; 17:14; 18:18,21). De qualquer
modo, a maioria dos exemplos de narrativa na primeira pessoa do plural em que
se apoia essa teoria tirada de Homero e de outros poetas, dificilmente pode ser
comparada com a prosa histórica de Lucas (1996, p. 15).
Ainda citando Williams, nesta questão das sessões
“nós/nos” ele cita e depois responde à crítica de que elas fazem parte de um
diário pertencente a uma terceira pessoa:
Todavia, essas passagens foram escritas num estilo que não
se diferencia do resto do livro, de modo que se o autor estivesse utilizando o
trabalho de outrem, precisamos supor que o autor o tenha reescrito totalmente a
fim de eliminar todos os traços do estilo original. No entanto, teria feito
isto com certa negligência, pois nem sempre se lembrou de introduzir a mudança
da primeira pessoa para a terceira. A explicação bem mais simples é que o autor
estava utilizando seu próprio material escrito, e permitiu que a primeira
pessoa do plural permanecesse a fim de indicar em que pontos ele próprio tomou
parte nos acontecimentos (1996, p. 15).
2. Linguagem Médica: Pode
ser encontrada evidências desta linguagem médica na utilização de alguns termos
técnicos como em 13:11; 8:7; 9:33; 25
:8. Assim também entende Ryrie: “O
uso frequente de termos médicos também substancia esta conclusão (1:3; 3:7ss.;
9:18, 33; 13:11; 28:1-10)” (1991, p.
1724). “O escritor de Atos usa uma linguagem e termos médicos em Lucas e
Atos. Paulo se refere a Lucas como o “médico amado" (Col. 4:14). Champlin
assim coloca a questão: “O pensamento frequentemente
repetido de que o seu vocabulário exibe um vocabulário ‘médico’ especial não
tem sido bem recebido pela maioria dos eruditos modernos, mas pelo menos essas
palavras indicam uma boa educação e uma sólida cultura. Todavia, é
definitivamente verdadeiro que a sua posição como médico e os seus
conhecimentos da medicina deixaram traços que se destacam no evangelho de Lucas
e no livro de Atos” (2006, p. 383). Entretanto, H. J. Cadbury (The
Beginnings of Christianity, II, p.349 e ss.) rejeitou a defensabilidade desta
metodologia, “mostrando que não havia nada,
no vocabulário do Evangelho e de Atos, que qualquer escritor de literatura
grega não iria usar, embora não fosse versado na terminologia profissional da medicina.
” (Apud, SMITH, 1984, p. 12).
3. Similaridade entre Atos e o Terceiro Evangelho: Assumindo que Lucas escreveu o terceiro Evangelho, uma comparação de Atos com este trabalho também
favorece decididamente para a autoria de um único autor: (a) Ambos os livros começam com uma saudação para uma pessoa
chamada Teófilo ("amigo de Deus") e a saudação de Atos se refere
claramente a um escrito anterior; (b)
O estilo destes dois livros é parecido, a única diferença está em que o segundo
livro contém menos hebraísmo do que o primeiro; uma diferença que encontra uma pronta explicação nas fontes
utilizadas e no método do autor na composição; (c) Ambos livros são endereçados à mesma pessoa, a saber, Teófilo, que foi, assim parece, um amigo especial do autor,
ou como alguns gostam de pensar, foi o patrono das obras; (d) No verso inicial de Atos o autor faz uma referência a um
primeiro volume (livro) que ele havia escrito anteriormente escrito. Assim, considerando
estes aspectos mencionados, podemos concluir que Atos foi escrito pelo mesmo
autor do nosso terceiro Evangelho.
4. O livro contém evidência clara de ter sido o autor um
companheiro de Paulo: Isto procede não apenas
por causa das seções “nós”, mas
também do fato que, o autor está bem sintonizado com o estilo Paulino. Há
fortes razões para se pensar que ele não derivou este conhecido apenas de um
estudo das Epístolas Paulinas; e se
isto é verdadeiro, a explicação mais racional é que ele foi um companheiro de
Paulo e ouviu o grande apóstolo em várias ocasiões. Outrossim, a caracterização
da autoria de Paulo é detalhada e individualizada, atestando um conhecimento
pessoal.
5. Argumento Negativo:
Além de todos os argumentos anteriormente destacados, alguns estudiosos
confirmam a probabilidade de autoria lucana com o que eles chamam de “argumento negativo". Este argumento
negativo reconhece a tendência [critério]
da igreja antiga em atribuir a autoria dos livros do Novo Testamento aos
apóstolos e/ou testemunhas oculares do ministério do Mestre. Deste modo, não há
nenhuma razão para pensar que eles poderiam ter creditado a autoria de Lucas-Atos para uma figura desconhecida
como Lucas a menos que eles possuíssem evidências muito fortes de que o doutor,
companheiro de Paulo, realmente escreveu estes importantes documentos.
O
comentarista Erdman, tratando sobre esta questão da autoria lucana, faz uma
bela conclusão deste ponto:
Certamente que este escritor estava bem preparado para
levar a bom termo esta tarefa magistral. Para os primeiros relatos teve a
oportunidade de conseguir fontes primárias com Marcos em Roma, com Felipe em
Cesaréia, com Paulo e seus companheiros durante as longas viagens e durante as
repetidas permanências na prisão; porém os relatos mais brilhantes são os que
escreve como testemunha ocular, quando revive as excitantes cenas que, graças a
seu gênio, podem serem vistos como quadros imarcescíveis e inspiradores para o
mundo cristão (1974, p. 8).
O teólogo e comentarista bíblico, Louis Berkhof destaca e
comenta os argumentos contrários a
uma autoria Lucana:
A autoria de Lucas não tem encontrado aceitação geral
dentre os estudiosos do Novo Testamento. As objeções principais podem ser
resumidas em: (1) O livro demonstra traços de dependência da obra ‘Antiquities
de Josephus’, que foi escrita por volta de 93 ou 94 d.C. A referência a Teudas
e Judas em 5: 36, 37 é visto como uma incorreta referência de Josefo, Ant. XX, V, 1, 2.
(2) O ponto de vista do autor parece ser a de um escritor do segundo século,
cuja Cristandade é marcada por uma universalidade, e aponta para uma
pacificação de tendências opostas ainda no período inicial. (3) O trabalho é
criticado por alguns por ser historicamente impreciso, e por revelar uma
aceitação geral de ações miraculosas, que não poderia ter sido escrito por um
contemporâneo. Há supostamente um grande conflito especialmente entre Atos 15 e
Gálatas 2.
Ele
passa então a responder sucintamente cada uma destas argumentações contrárias à
autoria de Lucas em relação ao livro de Atos:
Nós não podemos entrar em um exame detalhado destas
objeções; mas um comentário sucinto deve bastar. Não se tem nenhuma prova de
que o autor leu Josefo, nem que ele escreveu seu trabalho depois do historiador
Judaico compor seu Antiquities. Gamaliel, que faz a ‘declaração’ com respeito a
Teudas e Judas, pode muito bem ter derivado sua informação de uma fonte
diferente; e este suposto erro (que erro afinal) não afeta a autoria, nem a
fidelidade do livro. Que o ponto de vista do autor é mais avançado do que o das
Epístolas Paulinas (Baljon) é puramente imaginário; ele está em harmonia
perfeita com os demais livros do Novo Testamento. E a ideia de uma luta entre
os grupos Petrino e Paulino está agora praticamente descartado. Imprecisão
Histórica não implica necessariamente que tenha sido escrito em um tempo
considerável depois dos eventos. Outrossim, no livro de Atos não há tal
imprecisão. Ao Contrário, Ramsay, em seu livro, ‘St. Paul the Traveler and the
Roman Citizen’ prova conclusivamente que este livro é absolutamente de
confiança e é um trabalho histórico do mais alto nível. Pode ser que algumas
dificuldades não têm ainda encontrado uma satisfatória solução, mas isto não milita
contra a autoria de Lucas (1915).
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
BERKHOF, Louis. New Testament Introduction. Eerdmans, 1915, Scanned
and Edited Mike Randall.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia. v. 1. São Paulo: Hagnos, 8ª ed., 2006.
ERDMAN, Charles R. Hechos de Los Apóstoles. Ed. TELL, 1974.
RYRIE, Charles C. Bíblia de estúdio Ryrie. Chicago (Illinois):
Moody Press, 1991.
SMITH, T. C. Comentário Bíblico Broadman, v.10,
JUERP, Rio de Janeiro, 1984.
WILLIAMS, David J. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo –
Atos. São Paulo: Vida,1996, p.15.
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