domingo, 20 de março de 2016

ENTRADA TRIUNFAL DE JESUS EM JERUSALÉM - Ev. Marcos

A narrativa evangélica produzida por Marcos é a mais curta entre os quatro Evangelhos, mas de forma alguma implica em que seja menos relevante ou que seu conteúdo seja limitado. Ainda que no arranjo do Segundo Testamento e/ou Novo Testamento de nossa bíblia cristã esse evangelho foi colocado em segundo lugar, muitos são os estudiosos que defendem com afinco que seja essa a narrativa que primeiramente começou a circular e que os demais evangelistas Mateus e Lucas[1] fizeram dele a espinha dorsal de suas próprias narrações.
O texto produzido por João Marcos, reproduzindo as memórias do Apóstolo Pedro, é rico em detalhes e informações concernentes a Jesus e seu ministério, construído com uma dinâmica que tira o nosso folego, o que prende seu leitor do começo ao fim. Desde o início a narrativa nos revela um Jesus em continuo movimento, seu ministério é totalmente itinerante, não se preocupando totalmente com pessoas. Em nenhum momento Jesus se preocupa com coisas ou com sistemas religiosos, pois Ele não veio para estabelecer um Reino material e nem estabelecer mais um Sistema Religioso – em suas próprias palavras: “Eu vim buscar e salvar o que estava perdido”. Somente este aspecto demonstra o abismo que existe entre a proposta evangélica de Jesus e o que se apelida de “evangélico” no Brasil nos dias presentes (quem tem olhos veja).
Uma característica da narrativa elaborada por Marcos, posteriormente seguida pelos seus colegas evangélicos, é destacar ou enfatizar a última semana de Jesus a partir de sua entrada triunfal na cidade de Jerusalém, onde ele dedica a terça parte de seu texto aos acontecimentos desta última semana.[2] No caso especifico de Marcos inicia-se no capítulo onze até o quinze, culminando com a ressurreição de Jesus no primeiro dia da semana. Podemos perceber o contraste entre a brevidade do relatório dos acontecimentos anteriores e os pormenores por ele anotados no que se refere à Semana da Paixão.
O capítulo onze inicia com a entrada de Jesus em Jerusalém, mas diferentemente das vezes anteriores em que sua presença não chamou muito atenção das autoridades romanas ou religiosas judaicas, essa vai ser acompanhada de uma comoção popular impossível de não ser percebida.
Para termos uma visão mais ampla do capítulo onze podemos subdividi-lo conforme segue:
(versos 1-10) entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém
(verso 11) visita rápida ao Templo e retorno a Betânia
(versos 12-14) maldição da figueira no percurso de Betânia a Jerusalém
(versos 15-19) expulsão dos vendilhões do Templo
(versos 20-25) ensino sobre a fé e a oração
(versos 27-33) as lideranças judaicas questionam a autoridade de Jesus

Entrada Triunfal de Jesus em Jerusalém
Como em toda sua narrativa o evangelista Marcos mantém o comedimento sem, todavia, perder os detalhes. Seu enfoque esta no fato de que as pessoas pressentem que Aquele que adentra aos portões da cidade esta investido de características messiânicas, razão pela qual se manifestam de forma tão efusiva e Jesus aceita essas manifestações, pois tem plena consciência de quem Ele é e do que haverá de enfrentar nos dias a seguir.
A narrativa realça diversas referências que levam seus leitores a ter a percepção do messianismo de Jesus:
v  Jesus escolhe adentrar na cidade montado em um jumentinho[3] – clara referência à profecia de Zacarias (9.9). A utilização do jumentinho sempre foi um contraponto em relação à ostentação dos poderosos que utilizavam seus cavalos mais vistosos para suas entradas triunfais; os jumentinhos eram animais utilizados pelos mais simples e para tarefas corriqueiras; os próprios Mestres judaicos encontravam dificuldades em entender porque o profeta havia feito tal escolha para apresentar o Messias em sua entrada triunfal montado em um animal tão humilde. (nós também continuamos a não entender). O fato peculiar de ser um jumento que ainda não havia sido utilizado esta relacionado com o conceito de pureza, visto que, ainda não havia sido maculado e portanto estava apto para utilização sacral , o que caracterizava aquela entrada de Jesus Cristo o Messias.(cf. Nm 19.2; Dt 21.3; 1 Sm 6.7).
v  A utilização de manto sobre o jumento é simples pelo fato de Jesus não montar em pelo e as mantas e folhas de palmeiras colocada pelas pessoas no trajeto de Jesus era uma deferência de aclamação popular diante de uma figura real (cf. 2 Rs 9.13), bem como uma referência ao cântico de Débora (Jz 5.10) bastante conhecido e popularizado entre os judeus.
v  A expressão “Hosana” é extraída do Salmo 118.25[4] (Ó Senhor, por favor, salva-nos!) mas que naqueles dias havia tornado uma espécie de “Viva!” Utilizado em qualquer tipo de aclamação e que durante a Festa dos Tabernáculos havia o “Dia do Hosana”. Complementando as pessoas diziam enquanto Jesus passava: “Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor...” parte do mesmo salmo citado acima verso 26, utilizada também na Festa dos Tabernáculos, e Mateus o combina com a expressão messiânica “Filho de Davi” (21.9), mas também para recepcionar os soldados quando retornavam vitoriosos de uma batalha, visto que para os judeus as vitórias eram sempre a manifestação do favor de Yavé. Ainda o refrão “Bendito seja o Reino que vem, o reino de Davi, nosso pai”, exclusivo de Marcos, coaduna com toda a expectativa acumulada ao longo dos séculos da esperança escatológica relacionada ao trono de Davi, que haveria de ser restaurado. Infelizmente a multidão está pensando tão somente em uma restauração nacional, com reestabelecimento do trono davídica, de cunho terreno e político.   Por fim, a expressão “Hosana no mais alto dos céus”, era a expressão maior de gratidão ao mesmo tempo em que se revestia de um clamor do crente, encontrada em diversas ocasiões nos relatos bíblicos da bíblia hebraica, e nos remete também ao Salmo 148.1 e Lucas 2.14.
O que o relato sucinto de Marcos deseja expressar é que tanto da parte de Jesus, quanto dos discípulos e da própria multidão, havia um consenso de que aquele momento de revestia de muito maior importância do que se poderia contemplar apenas com os olhos e ouvidos. Essa entrada de Jesus é algo diferente, algo completamente novo, que vem ao encontro das aspirações de uma população sobrecarrega pelos anseios da vida e esmagada pela tirania de governantes políticos e religiosos inescrupulosos, que agiam somente em busca dos seus próprios interesses (mais uma vez quem tem olhos veja). Era a vinda do Messias que os libertaria de seus aguilhões físicos, emocionais e espirituais. Jesus torna-se a esperança deles – Hosana! Hosana! Hosana! Seus milagres anteriores e mais recentemente a ressurreição de Lazaro fomenta as aspirações dessa população cansada e sobrecarregada.
Jesus não adentra a cidade de Jerusalém como um rei ou general triunfalista, como tantos já o haviam feito na história dos judeus e nem mesmo escoltado por um exército poderoso; Jesus está entrando para atender não as expectativas populares, que ao final daquela mesma semana mudaram completamente em relação a Ele, mas para cumprir os desígnios de Deus conforme havia anunciado em diversas ocasiões anteriores e que Marcos registra de forma tríplice desde quando se iniciou a subida para Jerusalém (8.31-32; 9.30-32 e 10.32-34).
Ademais, a entrada de Jesus é o cumprimento minucioso das palavras proféticas de Zacarias 9.9:
Exulta com todas as tuas forças, ó filha de Sião,
Grita de alegria, ó filha de Jerusalém!
Eis que teu Rei vem a ti:
Ele é justo e vitorioso, humilde e montado num jumentinho,
sim, montado num jumentinho, filho de uma jumenta.
Suprimira os carros de guerra de Efraim
e os cavalos de Jerusalém;
o arco de guerra também será suprimido.
Proclamai a paz para as nações,
sua dominação irá de mar a mar, e do rio aos confins da terra.
Aqui estão as características do Messias: sua Justiça não seria implantada pela força dos exércitos e das guerras, mas pela simplicidade e humildade. Jesus cumpre literalmente as expectativas messiânicas de Zacarias (corroborada pelas mensagens do profeta Isaías 9.6,7; 35.5,6; 40.11; 42.1-4; 60.1-3; 61.1-3), pois não veio para implantar um reino temporal, mas um Reino espiritual e eterno (toda essa ostentação religiosa que se faz em nome do Reino de Deus, nada têm com a proposta messiânica de Jesus e dos profetas bíblicos).
A rejeição posterior além das maquinações político-religiosa das judaicas tem também a frustração dessas pessoas que clamavam Hosana, pois foram percebendo que o messianismo proposto por Jesus não era o messianismo temporal e bélico, de espírito revanchista, que eles aspiravam ansiosamente, mas Jesus propõe resgatar o messianismo autentico proclamado pelos profetas israelitas – religioso e espiritual – um messianismo de arrependimento e conversão base para o estabelecimento do genuíno Reino de Deus sobre a terra.
É preciso que tenhamos uma compreensão correta daquele primeiro “Domingo de Ramos” e suas implicações.
Por não perceberem a dimensão espiritual da mensagem de Jesus e seu Reino, aquelas pessoas sentiram-se traídas e a frustração as impulsionou a gritarem com o mesmo entusiasmo anterior: Crucifica-o, crucifica-o e solte Barrabas. Infelizmente, nos dias presentes, os líderes evangélicos têm oferecido um “evangelho” materialista e hedonista, que tem atraído multidões aos seus cada vez maiores e magníficos templos; quando estas pessoas perceberem que estão sendo ludibriadas, certamente teremos uma reação violenta.
Mas quando compreendido em seu sentido espiritual, esse primeiro “Domingo de Ramos” torna-se esplendorosa manifestação do amor de Cristo! Em momento algum Ele se deixa seduzir pelos hosanas da multidão, mas tinha plena consciência de que seria o suficiente para deflagrar a ira dos líderes religiosos de Jerusalém que a muito procuravam motivos para sentencia-lo à morte. Mas foi exatamente para isso que Ele havia deixado sua glória e assumindo nossa humanidade – a cruz!
Ao adentrar na cidade de Jerusalém, montado naquele jumentinho, Jesus manifesta mais uma vez Seu imensurável AMOR para com os pecadores, pois ao final daquela semana Ele estaria MORRENDO na cruz para salvação deles. Receberia sobre si a sentença de morte do tribunal divino e desceria ao inferno no lugar deles.
Para todos aqueles que verdadeiramente CREEM em Jesus Cristo aquele primeiro “Domingos de Ramos” é verdadeiramente TRIUNFAL! O triunfo da absolvição sobre a condenação, da salvação sobre a condenação, da vida sobre a morte!


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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[1] Ele demarca em diversas ocasiões esta derradeira subida de Jesus á Jerusalém (9.51; 10.38; 13.22; 17.11 e 19.28). Muitos estudiosos percebem nesta parte da narrativa a maioria das fontes peculiares a Lucas. Ainda que essa viagem não contenha uma coerência geográfica e cronológica, ela é estabelecida por uma coerência temática – a salvação – que será colocada por diversos ângulos e perspectivas. A ênfase deixa de ser Jesus o curador e passa a ser Jesus o salvador.
[2] Mateus (21.1-17); Lucas (19.28-44) e João, o mais breve dos quatro (12.12-19).
[3] Os lexicógrafos oferecem diversos nomes para esse animal: asno, burro, jumento, burrico, jegue e jerico – sempre se referindo a um animal doméstico quadrúpede solípede, que era amplamente utilizado pelos povos asiáticos e mediterrâneos para transporte de carga. O animal referido por Marcos é o jumentinho (burrico, jegue, jerico) e não o asno ou burro, resultante do cruzamento da égua com o jumento. Nas narrativas bíblicas o burrico é mencionado abundantemente na história dos hebreus. Eram parte dos bens e riqueza deles, de maneira que é citado na legislação mosaica para que não se cobiçasse o burrico do próximo (Ex. 20.17; Dt 5.21 e 28.31). Nos textos poéticos o burrico é mencionado sempre de forma positiva (Gn 49.14; Jz 5.10; Is 1.3).
[4] Esse Salmo contém forte apelo messiânico. Nele esta a figura amplamente utilizada pelos escritores do Segundo Testamento (NT) da “pedra angular” (Mc 12.10; Mt 21.42; Lc 20.17; Atos 4.11 e 1 Pe 2.7).

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