O
evangelista Marcos registra que após Jesus entrar de forma impactante na cidade
de Jerusalém ele se dirige até o Templo[1] mas, diferentemente de seus colegas
Mateus e Lucas, nesse primeiro dia (domingo) Ele apenas caminha pelas suas
dependências e compartimentos sem demostrar qualquer reação mais contundente em
relação ao que observava (v.11),[2] segundo Marcos isso haverá de acontecer no
dia seguinte (segunda) quando retornara com seus discípulos logo pela manhã.
Uma
das razões pelas quais Jesus se mantém contido é o fato de que já estava tarde,
lembrando que o dia judaico encerra as 18h00, quando do pôr do sol. A cidade
está efervescente com seus moradores e os milhares de visitantes que advinham
por ocasião da páscoa judaica; bastava uma pequena fagulha para que explodisse
uma revolta e era tudo que Jesus não desejava. Ele não estava ali para produzir
mais uma revolta judaica, sua tarefa era muito maior, sabia que Sua obra iria
além da restituição de um reino judaico/israelita; Ele veio para inaugurar um
Reino muito mais grandioso e glorioso do que qualquer outro reino humano, Jesus
veio inaugurar o Reino de Deus que haverá de extrapolar as fronteiras
geográficas e étnicas, alcançando todas as tribos, povos e raças e que se
estendera até os confins da terra.
Outra
razão é que sua entrada entremeada com as características messiânica exigia que
Ele fosse até o Templo para que o quadro pudesse estar completo. O cetro do
reino messiânico não está no palácio de Herodes e muito menos em Roma, mas no
Templo, como na teofania contemplada pelo profeta Isaías que ao adentrar o
Templo declara: “Vi o Senhor assentado em
seu alto e sublime trono”. O Templo deveria ser o marco continuo da
presença de Deus reinando no meio de Seu povo; pelo menos foi assim quando da
inauguração do primeiro Templo nos dias idos de Salomão, quando a glória de
Deus permeou todo o ambiente, mas já nos dias do profeta Ezequiel essa mesma
glória divina havia saído completamente do Templo, permanecendo apenas um
edifício, que mesmo revestido das maiores riquezas, ficara esvaziada do seu
maior e mais precioso tesouro – a presença da glória de Deus. A presença de
Jesus caminhando pelos espaços do Templo simbolicamente representa o retorno da
presença divina.
Mais
uma razão encontramos no relato evangélico de Marcos quando nos informa que
enquanto Jesus caminha pelos espaços do Templo “observa tudo atentamente”. Seu objetivo é obvio, Ele está fazendo
um levantamento, nada lhe escapa, cada detalhe é armazenado, mas esse “olhar” perscruta muito mais do que o
exterior, penetra os corações e discerne as intenções dos corações daqueles que
estão ali se aproveitando da religiosidade das multidões que afluem para o
Templo na expectativa de encontrarem conforto para suas vidas sofridas, mas são
explorados não apenas pelos comerciantes e agiotas, mas principalmente pelos
sacerdotes e autoridades maiores do Templo, que se enriquecem dos infortúnios
dos pobres e desvalidos. Mas a noite de domingo se aproxima rapidamente, e Ele
sabe que os olhos das autoridades religiosas judaicas estão depositados sobre
cada movimento dele e apesar de faltarem poucos dias ainda não é o momento
adequado para sua prisão e morte, ainda há coisas a serem feitas, por esta
razão se retira com seus discípulos para a pequena amada e acolhedora Betânia.
Deixa para trás o movimento agitado de Jerusalém, e terá oportunidade de passar
as suas últimas instruções aos discípulos, bem com ruminar tudo que presenciou
no Templo e buscar na comunhão com o Pai o fortalecimento para suas ações no
dia seguinte, pois Ele sabe que – a areia da ampulheta está acabando – a Sua
hora se aproxima rapidamente.
Jesus
retorna para Betânia![3] Essa pequena vila, com suas vinte e poucas casas,
situada nas escarpas do Monte das Oliveiras, pouco mais de três quilômetros da
cidade de Jerusalém e que poderia ser percorrido em menos de uma hora, se
constituiu em mais do que uma simples base para Jesus e seus discípulos. Em
Betânia Jesus tinha amigos preciosos!
Ali havia uma família que sempre acolhia Jesus e os que o acompanhavam;
eram três irmãos Lazaro, Marta e Maria. Nas diversas vezes que Jesus precisou
ir a Jerusalém aproveitava para usufruir do acolhimento caloroso e amigável
desses três irmãos. Não era pouca coisa uma vez que Jesus durante seu intenso
ministério itinerante “não tinha aonde
reclinar a cabeça”, de maneira que Betânia era o mais próximo que Jesus
tinha de um “lar”. Poucas semanas antes de sua entrada apoteótica em Jerusalém
Jesus havia realizado o extraordinário milagre de ressuscitar Lazaro, que havia
sido sepultado havia três dias; esse milagre impactou a vida de muitos judeus,
mas também aumentou a pressão dos líderes religiosos que passam a elaborar
decisivamente um plano para tirar-lhe a vida.
É
aqui nesta pequena vila que na noite de sábado que antecede sua entrada
triunfal e derradeira, que Jesus é alvo de uma das mais lindas e preciosas
expressão de amor, quando durante um jantar que lhe fora oferecido, uma mulher,
provavelmente Maria irmã de lazaro, adentra o recinto e sem dizer uma única
palavra quebra um vidro de caríssimo perfume e o derrama na sua totalidade
sobre Jesus; ambos os acontecimentos, a ressurreição de Lazaro e o derramamento
do perfume são interpretados por Jesus como simbolizando sua morte e
ressurreição que haveria de ocorrer ao final desta semana iniciada com sua
entrada na cidade.
A pequena vila era o lugar estratégico para
esses últimos movimentos de Jesus, pois apesar da proximidade de Jerusalém era
um local tranquilo e seguro: durante o dia fazia suas incursões na cidade com
todo seu barulho, agitação, multidões, bem como os embates crescentes com a
religião institucionalizada e seus líderes, representados nos diversos
segmentos do judaísmo, e principalmente no Templo na figura do Sumo Sacerdote e
suas centenas de funcionários levitas; mas à tarde, quando retornava dos
embates, encontrava em Betânia o acolhimento e no Monte das Oliveiras a
tranquilidade para renovar suas forças na presença do Pai. Não sem razão é neste Monte na proximidade de
Betânia que ocorre a Ascensão Jesus poucos mais de quarenta dias após sua
ressurreição, diante dos olhares de mais de quinhentos discípulos, conforme
informação posterior registrada por Paulo (1 Co 15.3-6).
Provavelmente
foi para a vila de Betânia que os discípulos retornam assustados e amedrontados
logo após a traição de Judas e a prisão de Jesus pela polícia do Templo e uma
turba violenta, pois somente Pedro continuou a segui-lo de longe, entre as
sombras. Não ousam irem para Jerusalém, pois a cidade tornara-se um lugar
hostil e mortífero; aguardam tomados de profunda angustia e temor as notícias
que advém; as notícias da sexta-feira são
terríveis – Jesus foi crucificado; a dor invade o coração e dilacera a alma
de todos eles; no sábado o silêncio
envolvem por completo aquelas pessoas, pois até mesmo as expressões de
luto, tão comuns aos orientais, são contidas, diante dos temores que os cercam;
mas logo pela manhã do domingo, chegam as
notícias mais incríveis que eles poderiam ter ouvido: JESUS RESSUSCITOU!!
Primeiro foram algumas mulheres que tinham visto Jesus e depois o testemunho de
Pedro e João que estiveram no tumulo e encontraram apenas os lençóis com os
quais Jesus havia sido envolvido e sepultado. Assim como ocorrera semanas
antes, quando da ressurreição de Lazaro, novamente Betânia é palco da vitória
da Alegria sobre a Tristeza, da Vida sobre a Morte. JESUS VIVE!!
O
Templo, ao qual Jesus se dirige e caminha por seus pórticos, era o coração do
judaísmo, bem como da própria cidade de Jerusalém. Diferentemente de outras
grandes cidades, como Corinto e Éfeso onde se localizavam diversos templos
espalhados em seus perímetros, Jerusalém era uma pequena cidade à sombra de um
único Templo. Como um poderoso sol, ao redor do Templo gravitava todos os
acontecimentos da cidade, quer fossem religiosos, políticos, econômicos ou
sociais. O próprio Império Romano vivenciou um dilema, pois sabia que mexer no
Templo era provocar a ira e revolta dos judeus, entretanto, precisavam
controlar esse centro de poder para ter de fato o controle sobre essa
estratégica cidade. Paliativamente a questão foi solucionada mantendo-se uma
guarnição completa de soldados alocados na Fortaleza Antônia, que tinha entrada
direta para os pátios do Templo, proporcionando um controle vigiado – estamos
aqui, não tente nada. Esse entrave foi resolvido pelos romanos no início da
década de 70 d.C. quando após mais uma revolta judaica eles não apenas
invadiram a cidade, mas destruíram completamente o Templo e assim estabelecendo
definitivamente seu controle sobre Jerusalém e toda a região.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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* A figura é de um dos
átrios do Templo os quais Jesus percorreu após entrar na cidade de Jerusalém.
[1] Para Templo o termo
grego aqui usado é “hieron” (refere-se ao conjunto dos átrios que compunham o
espaço externo); o outro termo é “naos” (Santuário; que consiste nos dois
espaços internos o Lugar Santo e o Santo dos Santos; cf. Mt 23.16).
[2] Muitos exegetas
colocam esse verso 11 na perícope precedente, todavia parece mais coerente com
a narrativa de Marcos mantê-lo como um divisor de acontecimentos. Para Marcos
os episódios envolvendo os vendilhões no Templo ocorrerão no dia seguinte, Mt e
Lc coloca logo após sua entrada triunfal.
[3] Atualmente Betânia
continua sendo uma pequena vila, pouco mais de vinte minutos de Jerusalém. Os
árabes de El-Azarieh mantiveram o nome pelos quais os bizantinos a chamavam
“Lazarium”, que seria, “o lugar de Lázaro”.
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