quinta-feira, 24 de março de 2016

JESUS NO TEMPLO: Evangelho Segundo Marcos

O evangelista Marcos registra que após Jesus entrar de forma impactante na cidade de Jerusalém ele se dirige até o Templo[1] mas, diferentemente de seus colegas Mateus e Lucas, nesse primeiro dia (domingo) Ele apenas caminha pelas suas dependências e compartimentos sem demostrar qualquer reação mais contundente em relação ao que observava (v.11),[2] segundo Marcos isso haverá de acontecer no dia seguinte (segunda) quando retornara com seus discípulos logo pela manhã.
Uma das razões pelas quais Jesus se mantém contido é o fato de que já estava tarde, lembrando que o dia judaico encerra as 18h00, quando do pôr do sol. A cidade está efervescente com seus moradores e os milhares de visitantes que advinham por ocasião da páscoa judaica; bastava uma pequena fagulha para que explodisse uma revolta e era tudo que Jesus não desejava. Ele não estava ali para produzir mais uma revolta judaica, sua tarefa era muito maior, sabia que Sua obra iria além da restituição de um reino judaico/israelita; Ele veio para inaugurar um Reino muito mais grandioso e glorioso do que qualquer outro reino humano, Jesus veio inaugurar o Reino de Deus que haverá de extrapolar as fronteiras geográficas e étnicas, alcançando todas as tribos, povos e raças e que se estendera até os confins da terra.
Outra razão é que sua entrada entremeada com as características messiânica exigia que Ele fosse até o Templo para que o quadro pudesse estar completo. O cetro do reino messiânico não está no palácio de Herodes e muito menos em Roma, mas no Templo, como na teofania contemplada pelo profeta Isaías que ao adentrar o Templo declara: “Vi o Senhor assentado em seu alto e sublime trono”. O Templo deveria ser o marco continuo da presença de Deus reinando no meio de Seu povo; pelo menos foi assim quando da inauguração do primeiro Templo nos dias idos de Salomão, quando a glória de Deus permeou todo o ambiente, mas já nos dias do profeta Ezequiel essa mesma glória divina havia saído completamente do Templo, permanecendo apenas um edifício, que mesmo revestido das maiores riquezas, ficara esvaziada do seu maior e mais precioso tesouro – a presença da glória de Deus. A presença de Jesus caminhando pelos espaços do Templo simbolicamente representa o retorno da presença divina.
Mais uma razão encontramos no relato evangélico de Marcos quando nos informa que enquanto Jesus caminha pelos espaços do Templo “observa tudo atentamente”. Seu objetivo é obvio, Ele está fazendo um levantamento, nada lhe escapa, cada detalhe é armazenado, mas esse “olhar” perscruta muito mais do que o exterior, penetra os corações e discerne as intenções dos corações daqueles que estão ali se aproveitando da religiosidade das multidões que afluem para o Templo na expectativa de encontrarem conforto para suas vidas sofridas, mas são explorados não apenas pelos comerciantes e agiotas, mas principalmente pelos sacerdotes e autoridades maiores do Templo, que se enriquecem dos infortúnios dos pobres e desvalidos. Mas a noite de domingo se aproxima rapidamente, e Ele sabe que os olhos das autoridades religiosas judaicas estão depositados sobre cada movimento dele e apesar de faltarem poucos dias ainda não é o momento adequado para sua prisão e morte, ainda há coisas a serem feitas, por esta razão se retira com seus discípulos para a pequena amada e acolhedora Betânia. Deixa para trás o movimento agitado de Jerusalém, e terá oportunidade de passar as suas últimas instruções aos discípulos, bem com ruminar tudo que presenciou no Templo e buscar na comunhão com o Pai o fortalecimento para suas ações no dia seguinte, pois Ele sabe que – a areia da ampulheta está acabando – a Sua hora se aproxima rapidamente.
Jesus retorna para Betânia![3] Essa pequena vila, com suas vinte e poucas casas, situada nas escarpas do Monte das Oliveiras, pouco mais de três quilômetros da cidade de Jerusalém e que poderia ser percorrido em menos de uma hora, se constituiu em mais do que uma simples base para Jesus e seus discípulos. Em Betânia Jesus tinha amigos preciosos!  Ali havia uma família que sempre acolhia Jesus e os que o acompanhavam; eram três irmãos Lazaro, Marta e Maria. Nas diversas vezes que Jesus precisou ir a Jerusalém aproveitava para usufruir do acolhimento caloroso e amigável desses três irmãos. Não era pouca coisa uma vez que Jesus durante seu intenso ministério itinerante “não tinha aonde reclinar a cabeça”, de maneira que Betânia era o mais próximo que Jesus tinha de um “lar”. Poucas semanas antes de sua entrada apoteótica em Jerusalém Jesus havia realizado o extraordinário milagre de ressuscitar Lazaro, que havia sido sepultado havia três dias; esse milagre impactou a vida de muitos judeus, mas também aumentou a pressão dos líderes religiosos que passam a elaborar decisivamente um plano para tirar-lhe a vida.
É aqui nesta pequena vila que na noite de sábado que antecede sua entrada triunfal e derradeira, que Jesus é alvo de uma das mais lindas e preciosas expressão de amor, quando durante um jantar que lhe fora oferecido, uma mulher, provavelmente Maria irmã de lazaro, adentra o recinto e sem dizer uma única palavra quebra um vidro de caríssimo perfume e o derrama na sua totalidade sobre Jesus; ambos os acontecimentos, a ressurreição de Lazaro e o derramamento do perfume são interpretados por Jesus como simbolizando sua morte e ressurreição que haveria de ocorrer ao final desta semana iniciada com sua entrada na cidade.
 A pequena vila era o lugar estratégico para esses últimos movimentos de Jesus, pois apesar da proximidade de Jerusalém era um local tranquilo e seguro: durante o dia fazia suas incursões na cidade com todo seu barulho, agitação, multidões, bem como os embates crescentes com a religião institucionalizada e seus líderes, representados nos diversos segmentos do judaísmo, e principalmente no Templo na figura do Sumo Sacerdote e suas centenas de funcionários levitas; mas à tarde, quando retornava dos embates, encontrava em Betânia o acolhimento e no Monte das Oliveiras a tranquilidade para renovar suas forças na presença do Pai.  Não sem razão é neste Monte na proximidade de Betânia que ocorre a Ascensão Jesus poucos mais de quarenta dias após sua ressurreição, diante dos olhares de mais de quinhentos discípulos, conforme informação posterior registrada por Paulo (1 Co 15.3-6).
Provavelmente foi para a vila de Betânia que os discípulos retornam assustados e amedrontados logo após a traição de Judas e a prisão de Jesus pela polícia do Templo e uma turba violenta, pois somente Pedro continuou a segui-lo de longe, entre as sombras. Não ousam irem para Jerusalém, pois a cidade tornara-se um lugar hostil e mortífero; aguardam tomados de profunda angustia e temor as notícias que advém; as notícias da sexta-feira são terríveis – Jesus foi crucificado; a dor invade o coração e dilacera a alma de todos eles; no sábado o silêncio envolvem por completo aquelas pessoas, pois até mesmo as expressões de luto, tão comuns aos orientais, são contidas, diante dos temores que os cercam; mas logo pela manhã do domingo, chegam as notícias mais incríveis que eles poderiam ter ouvido: JESUS RESSUSCITOU!! Primeiro foram algumas mulheres que tinham visto Jesus e depois o testemunho de Pedro e João que estiveram no tumulo e encontraram apenas os lençóis com os quais Jesus havia sido envolvido e sepultado. Assim como ocorrera semanas antes, quando da ressurreição de Lazaro, novamente Betânia é palco da vitória da Alegria sobre a Tristeza, da Vida sobre a Morte. JESUS VIVE!!
O Templo, ao qual Jesus se dirige e caminha por seus pórticos, era o coração do judaísmo, bem como da própria cidade de Jerusalém. Diferentemente de outras grandes cidades, como Corinto e Éfeso onde se localizavam diversos templos espalhados em seus perímetros, Jerusalém era uma pequena cidade à sombra de um único Templo. Como um poderoso sol, ao redor do Templo gravitava todos os acontecimentos da cidade, quer fossem religiosos, políticos, econômicos ou sociais. O próprio Império Romano vivenciou um dilema, pois sabia que mexer no Templo era provocar a ira e revolta dos judeus, entretanto, precisavam controlar esse centro de poder para ter de fato o controle sobre essa estratégica cidade. Paliativamente a questão foi solucionada mantendo-se uma guarnição completa de soldados alocados na Fortaleza Antônia, que tinha entrada direta para os pátios do Templo, proporcionando um controle vigiado – estamos aqui, não tente nada. Esse entrave foi resolvido pelos romanos no início da década de 70 d.C. quando após mais uma revolta judaica eles não apenas invadiram a cidade, mas destruíram completamente o Templo e assim estabelecendo definitivamente seu controle sobre Jerusalém e toda a região.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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* A figura é de um dos átrios do Templo os quais Jesus percorreu após entrar na cidade de Jerusalém.
[1] Para Templo o termo grego aqui usado é “hieron” (refere-se ao conjunto dos átrios que compunham o espaço externo); o outro termo é “naos” (Santuário; que consiste nos dois espaços internos o Lugar Santo e o Santo dos Santos; cf. Mt 23.16).
[2] Muitos exegetas colocam esse verso 11 na perícope precedente, todavia parece mais coerente com a narrativa de Marcos mantê-lo como um divisor de acontecimentos. Para Marcos os episódios envolvendo os vendilhões no Templo ocorrerão no dia seguinte, Mt e Lc coloca logo após sua entrada triunfal.

[3] Atualmente Betânia continua sendo uma pequena vila, pouco mais de vinte minutos de Jerusalém. Os árabes de El-Azarieh mantiveram o nome pelos quais os bizantinos a chamavam “Lazarium”, que seria, “o lugar de Lázaro”.

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