sexta-feira, 25 de março de 2016

A ORAÇÃO QUE FAZ DIFERENÇA (Páscoa)

  
Estamos em plena sexta-feira e Jesus acaba de jantar com seus discípulos a chamada “Refeição Pascal”, onde Ele estabelece a Ceia ou Eucaristia, que as igrejas cristãs até hoje a repete durante seus cultos. São as últimas horas de Jesus com aquele grupo de discípulos que desde os primeiros dias, a quase três anos, se dispuseram a segui-Lo.
Após o jantar Jesus se dirige a um jardim chamado Getsêmani (prensa dos óleos). O propósito de Jesus, conforme relato evangélico de Marcos (14.32) é orar. Esta não é a primeira vez que Jesus procura um refúgio tranquilo para orar, mas neste momento derradeiro há duas diferenças importantes: primeiro, Ele insiste com os discípulos para que lhe façam companhia neste momento crucial e leva consigo Pedro, Tiago e João; segundo, é a primeira vez que se registram as palavras da oração particular de Jesus.
É oportuno fazer aqui um contraste com a cena da transfiguração (9.2-8): enquanto na transfiguração é o Pai quem fala, aqui silencia; no monte da transfiguração o Senhor Jesus se reveste de Sua gloria divina, mas aqui no jardim revela-se a plenitude de sua humanidade.
E Jesus assume a total fragilidade e insuficiência humana “começou a apavorar-se e a angustiar-se” (14.33). Os verbos utilizados pelo evangelista denotam a ideia de alguém que é fica perplexo e atordoado com algo terrível que está acontecendo diante de seus olhos e que por causa disso sente-se desorientado e abatido o que leva a pessoa a uma profunda ansiedade e angustia.
Dentro do contexto dos salmos de lamento (42. 5-6; 43.5), Jesus também exterioriza toda pressão que está em Seu interior: “A minha alma está triste até a morte” (14.34). O salmista proclama seu lamento por se sentir esquecido por Deus, pois está no exílio e seus adversários zombam dele, mas Jesus acrescenta “até a morte”, pois sabe que o Calvário é inevitável.
Apesar da solicitação de Jesus e da repetição ao convite “Permanecei aqui e vigiai” é chocante a forma com que os discípulos permanecem indiferentes e desassociados deste momento de intensa angustia e sofrimento Dele – nenhuma palavra de consolo e de animo se ouve por parte deles – a solidão de Jesus é plena!
Nas palavras “hora” e “cálice” (14.35-36) transparece os motivos de tanta angustia, perturbação e tristeza que invadem a alma e o coração de Jesus. Jesus tem plena consciência, como fica explicitado em Suas próprias palavras (14.41) que está diante Dele todo o horror pelo qual haverá de passar nas horas subsequentes e que somente terminará com sua morte na Cruz.
Marcos registra que Jesus “caiu por terra” (Mc 14.35) o que revela a profunda humildade e dependência daquele que vai suplicar diante de Deus. Neste momento Jesus se identifica plenamente com todos que oram, assim como todo crente em todo o tempo experimenta a ansiedade e o medo, faz suas interrogações e expõe seu lamento, mas jamais sai da presença de Deus – o momento de tensão e apreensão não afasta Jesus (e o crente) do Pai, mas o leva para mais perto de Dele.
Em diversos momentos de Seu ministério Jesus havia dito que ainda não havia chegado sua “hora”, mas agora Ele ora: “...se  possível lhe fosse poupada aquela hora” (14.35). Ao final de quase três anos de intensas atividades, Jesus sabia que Sua Hora havia chegado:
É meia-noite, e a oliveira floresce;
A estrela está emitindo o seu último brilho.
É meia-noite, no jardim agora,
O Salvador, em sofrimento, ora sozinho.

Essa “hora” é totalmente distinta das horas naturais da vida, não se trata apenas de um tempo ocasional e fortuito, não é um tempo meramente humano resultante do seu esforço e querer; essa “hora” se trata do cumprimento de toda pregação e esperança messiânica que foram anunciados através de séculos de pregações  e preparação divina; é a “hora” conclusiva, que completa uma história, uma vida ou uma missão, tornando possível se contemplar o seu resultado final e assim, a compreensão de seu sentido.  É a hora em que Jesus “está sendo entregue às mãos dos pecadores” (14.41), por isso Ele ora que se for possível seja poupado desta hora terrível.
Jesus ora utilizando uma expressão hebraica de intimidade filial “Abba”, que o evangelista imediatamente traduz para seus leitores estrangeiros, Pai. É a forma diminutiva (Papai) da palavra aramaica “pai”, expressando o pedido de uma criança ao seu pai, do qual tudo depende; um pedido pleno de confiança e sinceridade, mas ao mesmo tempo, pleno de reverência e submissão.
É uma oração completa: a invocação (Abba), a declaração de fé (tudo é possível para ti), o pedido (afasta de mim este cálice) e disposição em obedecer a vontade de Deus (porém, não o que eu quero, mas o que tu queres), o que está em perfeita harmonia com a oração modelo que o próprio Jesus havia ensinado aos seus discípulos (Mt. 6.10).
Em ao menos duas ocasiões anteriores Jesus havia se referido ao “cálice” que haveria de beber sozinho e plenamente (Mc 10.38-39, 14.23), mas em ambas seu estado de espírito era de serenidade, mas aqui Ele pede que seja afastado dele. No Primeiro Testamento o cálice está relacionada diretamente com o exercício pleno da Justiça de Deus e/ou a manifestação da Ira divina e assim também é referido no Apocalipse escrito por João. Aqui no relato evangélico de Marcos a metáfora é mantida com toda sua carga de sofrimento e castigo. Jesus sabe que tudo que está por lhe acontecer, sua Paixão, não são acontecimentos fortuitos orquestrados tão somente por decisões humanas mesquinhas e maquiavélicas, mas todo seu sofrimento está ajustado dentro do desígnio do Pai. Ainda que Ele esteja sendo rejeitado e todo sofrimento lhe será infringido pelas mãos cruéis de pessoas cruéis, o cálice que Jesus vai sorver totalmente vem das próprias mãos do Pai.

Conclusão
Este relato torna-se fundamental para todos os crentes que em algum momento de suas vidas haverão de enfrentar seu “Getsêmani”, mas com um grande diferencial, jamais estarão sozinhos, pois o seu Senhor e Salvador, que os entende plenamente, pois também experimentou angustia, dor e solidão, estará com eles na hora derradeira do jardim.

O gozo é um parceiro,
A dor chora sozinha,
Muitos convidados havia em Caná,
O Getsêmani tinha apenas Um.
(F. L. Knowles, Grief and Joy)


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

Artigos Relacionados
Jesus DEBATENDO COM OS FARISEUS NA ÚLTIMA SEMANA
A ENTRADA TRIUNFAL DE JESUS EM JERUSALÉM
DIVERSOS ARTIGOS SOBRE A PÁSCOA
DIVERSOS ARTIGOS SOBRE EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

Referências Bibliográficas
HENDRIKSEN, William. Marcos – comentário do novo testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da paixão. São Paulo: Paulinas, 2000 [Coleção: Espiritualidade sem fronteiras].
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 2008. [série cultura bíblica].


Um comentário:

  1. Nos faz refletir o grande amor e obediência do nosso Salvador, SENHOR JESUS, nos fortalecendo para focarmos somente NELE, nos momentos difíceis dos Getsêmani pessoais, confiando, que, com toda certeza em nosso coração, da presença SUBLIME, PROTETORA, FANTÁSTICA DO NOSSO GRANDE DEUS, SENHOR de nossas vidas.

    ResponderExcluir