Após o
jantar Jesus se dirige a um jardim chamado Getsêmani (prensa dos óleos). O
propósito de Jesus, conforme relato evangélico de Marcos (14.32) é orar. Esta
não é a primeira vez que Jesus procura um refúgio tranquilo para orar, mas
neste momento derradeiro há duas diferenças importantes: primeiro, Ele insiste
com os discípulos para que lhe façam companhia neste momento crucial e leva
consigo Pedro, Tiago e João; segundo, é a primeira vez que se registram as
palavras da oração particular de Jesus.
É
oportuno fazer aqui um contraste com a cena da transfiguração (9.2-8): enquanto
na transfiguração é o Pai quem fala, aqui silencia; no monte da transfiguração
o Senhor Jesus se reveste de Sua gloria divina, mas aqui no jardim revela-se a
plenitude de sua humanidade.
E
Jesus assume a total fragilidade e insuficiência humana “começou a apavorar-se
e a angustiar-se” (14.33). Os verbos utilizados pelo evangelista denotam a
ideia de alguém que é fica perplexo e atordoado com algo terrível que está
acontecendo diante de seus olhos e que por causa disso sente-se desorientado e
abatido o que leva a pessoa a uma profunda ansiedade e angustia.
Dentro
do contexto dos salmos de lamento (42. 5-6; 43.5), Jesus também exterioriza
toda pressão que está em Seu interior: “A minha alma está triste até a morte”
(14.34). O salmista proclama seu lamento por se sentir esquecido por Deus, pois
está no exílio e seus adversários zombam dele, mas Jesus acrescenta “até a
morte”, pois sabe que o Calvário é inevitável.
Apesar
da solicitação de Jesus e da repetição ao convite “Permanecei aqui e vigiai” é
chocante a forma com que os discípulos permanecem indiferentes e desassociados
deste momento de intensa angustia e sofrimento Dele – nenhuma palavra de
consolo e de animo se ouve por parte deles – a solidão de Jesus é plena!
Nas
palavras “hora” e “cálice” (14.35-36) transparece os motivos de tanta angustia,
perturbação e tristeza que invadem a alma e o coração de Jesus. Jesus tem plena
consciência, como fica explicitado em Suas próprias palavras (14.41) que está
diante Dele todo o horror pelo qual haverá de passar nas horas subsequentes e
que somente terminará com sua morte na Cruz.
Marcos
registra que Jesus “caiu por terra” (Mc 14.35) o que revela a profunda
humildade e dependência daquele que vai suplicar diante de Deus. Neste momento
Jesus se identifica plenamente com todos que oram, assim como todo crente em
todo o tempo experimenta a ansiedade e o medo, faz suas interrogações e expõe
seu lamento, mas jamais sai da presença de Deus – o momento de tensão e
apreensão não afasta Jesus (e o crente) do Pai, mas o leva para mais perto de
Dele.
Em
diversos momentos de Seu ministério Jesus havia dito que ainda não havia
chegado sua “hora”, mas agora Ele ora: “...se
possível lhe fosse poupada aquela hora” (14.35). Ao final de quase três
anos de intensas atividades, Jesus sabia que Sua Hora havia chegado:
É meia-noite, e a oliveira
floresce;
A estrela está emitindo o seu
último brilho.
É meia-noite, no jardim agora,
O Salvador, em sofrimento, ora
sozinho.
Essa “hora” é totalmente distinta das horas
naturais da vida, não se trata apenas de um tempo ocasional e fortuito, não é
um tempo meramente humano resultante do seu esforço e querer; essa “hora” se
trata do cumprimento de toda pregação e esperança messiânica que foram
anunciados através de séculos de pregações
e preparação divina; é a “hora” conclusiva, que completa uma história,
uma vida ou uma missão, tornando possível se contemplar o seu resultado final e
assim, a compreensão de seu sentido. É a
hora em que Jesus “está sendo entregue
às mãos dos pecadores” (14.41), por isso Ele ora que se for possível seja
poupado desta hora terrível.
Jesus
ora utilizando uma expressão hebraica de intimidade filial “Abba”, que o evangelista imediatamente
traduz para seus leitores estrangeiros, Pai. É a forma diminutiva (Papai) da
palavra aramaica “pai”, expressando o pedido de uma criança ao seu pai, do qual
tudo depende; um pedido pleno de confiança e sinceridade, mas ao mesmo tempo,
pleno de reverência e submissão.
É uma
oração completa: a invocação (Abba), a declaração de fé (tudo é possível para
ti), o pedido (afasta de mim este cálice) e disposição em obedecer a vontade de
Deus (porém, não o que eu quero, mas o que tu queres), o que está em perfeita
harmonia com a oração modelo que o próprio Jesus havia ensinado aos seus
discípulos (Mt. 6.10).
Em ao
menos duas ocasiões anteriores Jesus havia se referido ao “cálice” que haveria de beber sozinho e plenamente (Mc 10.38-39,
14.23), mas em ambas seu estado de espírito era de serenidade, mas aqui Ele
pede que seja afastado dele. No Primeiro Testamento o cálice está relacionada
diretamente com o exercício pleno da Justiça de Deus e/ou a manifestação da Ira
divina e assim também é referido no Apocalipse escrito por João. Aqui no relato
evangélico de Marcos a metáfora é mantida com toda sua carga de sofrimento e
castigo. Jesus sabe que tudo que está por lhe acontecer, sua Paixão, não são
acontecimentos fortuitos orquestrados tão somente por decisões humanas
mesquinhas e maquiavélicas, mas todo seu sofrimento está ajustado dentro do
desígnio do Pai. Ainda que Ele esteja sendo rejeitado e todo sofrimento lhe
será infringido pelas mãos cruéis de pessoas cruéis, o cálice que Jesus vai
sorver totalmente vem das próprias mãos do Pai.
Conclusão
Este
relato torna-se fundamental para todos os crentes que em algum momento de suas
vidas haverão de enfrentar seu “Getsêmani”, mas com um grande diferencial,
jamais estarão sozinhos, pois o seu Senhor e Salvador, que os entende
plenamente, pois também experimentou angustia, dor e solidão, estará com eles
na hora derradeira do jardim.
O gozo é um parceiro,
A dor chora sozinha,
Muitos convidados havia em
Caná,
O Getsêmani tinha apenas Um.
(F. L. Knowles, Grief and Joy)
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan
Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
Bibliográficas
HENDRIKSEN, William. Marcos – comentário do novo
testamento. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2003.
MAGGIONI, Bruno. Os relatos evangélicos da paixão. São
Paulo: Paulinas, 2000 [Coleção: Espiritualidade sem fronteiras].
MULHOLLAND, Dewey M. Marcos – introdução e comentário. São
Paulo: Vida Nova, 2008. [série cultura bíblica].
Nos faz refletir o grande amor e obediência do nosso Salvador, SENHOR JESUS, nos fortalecendo para focarmos somente NELE, nos momentos difíceis dos Getsêmani pessoais, confiando, que, com toda certeza em nosso coração, da presença SUBLIME, PROTETORA, FANTÁSTICA DO NOSSO GRANDE DEUS, SENHOR de nossas vidas.
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