Uma característica peculiar da narrativa evangélica de Lucas
é a elaboração da primeira “cantata natalina” da história cristã.
Nos dois primeiros capítulos o evangelista inclui ao menos quatro cânticos
referentes ao nascimento de Jesus:
O cântico de Maria (1.46-55)
O Cântico de Zacarias (1.67-79)
O cântico dos anjos (2.14)
O cântico de Simeão (2. 28-32)
O evangelista Lucas continua seu registro sobre o
nascimento de Jesus e depois de ter transcrito o cântico entoado por Maria (Magnificat)
ele registra um segundo cântico, agora entoado por Zacarias (Benedictus),[1]
pai João Batista que será o precursor de Jesus.
Em Lucas 1.7 os leitores são informados de que um casal
de idade avançada não tiveram filhos, o nome dele é Zacarias, um sacerdote
(levita) e sua esposa chama-se Isabel. Essa informação nos faz lembrar de
outros casais bíblicos que também não podia ter filhos: Sara e Abraão, e Rebeca
e Isaque, e Raquel e Jacó, e Ana e seu marido Elcana; a esterilidade
feminina era algo terrível para a mulher israelita/judia. A ideia comum, mas
não o pensamento de Deus, era que a mulher estava de alguma forma amaldiçoada se
seu útero fosse estéril. Mas em todos os casos mencionados Deus intervém de
forma sobrenatural e vivifica os úteros mortificados. Esse milagre sempre esta
diretamente relacionada à graça de Deus e à realização de seu propósito redentor.
Nenhum dos casais tinha poder para reverter a situação por eles mesmos e a mesma
situação está por se repetir com Zacarias e Isabel. Eles nada podem fazer, mas
Deus não somente pode como haverá de fazer!
Na
continuidade da narrativa lucana (1.11) um anjo do Senhor apareceu a ele (isto
é, Zacarias), de pé no lado direito do altar do incenso. E quando Zacarias
o viu (1.12), ele ficou surpreso e foi tomado pelo medo que, incidentalmente, é
o que sempre acontece quando um verdadeiro anjo aparece. Mas o anjo lhe disse:
Não temas, Zacarias, pois sua oração foi ouvida e sua esposa, Isabel, lhe dará
um filho e você lhe dará o nome de João e ele será uma alegria e prazer
para você, e muitos se regozijarão por causa de seu nascimento (1.14). Ele será
grande aos olhos do Senhor, nunca tomará vinho ou outra bebida fermentada, e
será cheio do Espírito Santo antes mesmo de nascer (1.15). Ele trará
muitos dentre o povo de Israel de volta ao Senhor seu Deus (1.16), e ele
seguirá perante o Senhor no espírito e no poder de Elias, para converter o
coração dos pais a seus filhos, e os desobedientes à sabedoria de Deus, vai preparar
um povo para receber o Senhor (1.17).
Zacarias quando
comunicado pelo anjo que sua mulher haveria de gerar um filho ele teve um
momento de dúvida, uma vez que ambos já eram velhos e por esta razão ficou mudo
até o nascimento do filho (Lc 1.5-25).[2]
Após o nascimento da criança Zacarias e Isabel cumprem a
Lei de Moisés e levam o menino para ser circuncidado ao oitavo dia. Quando
perguntado qual seria o nome do menino Isabel disse que seria João[3] e
depois de confirmar Zacarias fica livre da mudez (Lc. 1.57-66) e irrompe em um
cântico maravilhoso (Lc 1.67-79). Um cântico que está entrelaçado com a
história e teologia do Primeiro Testamento.
De forma apressada poderíamos dizer que o cântico de
Zacarias é apenas uma repetição do cântico de Maria. Mas quando nos detemos com
mais acuidade haveremos de perceber a maneira impressionante como o segundo
amplia e trás mais luz ao “programa da salvação” que Deus esta para
implementar por meio de Jesus e seu precursor João Batista.
Lucas informa que a canção a ser entoada por Zacarias é
decorrente da inspiração do Espírito Santo, portanto, é uma mensagem profética
(v.67). Em três momentos o tema do cântico é revelado (salvação – soteria – vv.
69, 71 e 77). O autor desta salvação é o “Deus
de Israel”, que é o agente de toda ação
verbal do cântico (vv.68 a 73). O objeto
desta salvação continua sendo o “seu povo”
(vv. 68 e 77).
O tema “libertado
para servir a seu Deus em santidade e justiça” (v.75) nos arremete
diretamente para a experiência de Israel registrada no Êxodo. Quando João é
identificado como “um profeta do
Altíssimo”, e cuja missão especifica é a de “preparar os caminhos do Senhor” (v.76) esta relacionado à segunda
parte das profecias de Isaías que
trata sobre o retorno do exílio babilônico. A tônica da mensagem a ser pregada
por João é a do perdão ou remissão dos pecados que será possível
unicamente por causa da manifestação da graça (favor
não merecido) de Deus e que será também a mensagem de conclusão de toda a narrativa evangélica (Lc 24.47).
Zacarias se refere a Jesus como o Messias utilizando a
imagem do “sol nascente” (cf Ml 3.20
e Is 9.1). Este sol vem para “iluminar os
que jazem nas trevas e na sombra da morte”. Aqui Lucas utiliza bem seus
famosos jogos de contrastes: luz / trevas, que simboliza vida / morte.
A finalidade da vinda do Messias aparece em outra
metáfora “caminhar”, ou seja, este “sol nascente” vem para “guiar nossos passos no caminho da paz”
(v.79). A “paz” é o dom messiânico
por excelência, o qual resume em si todos os outros. A paz haverá de
caracterizar a mensagem de Cristo e são justamente suas primeiras palavras aos
discípulos reunidos, após sua ressurreição (24.36), onde os piores inimigos do
ser humano (pecado e a morte) já foram vencidos.
Outro aspecto lindo da relação dos dois primeiros
cânticos é a utilização dos pronomes
e adjetivos possessivos. Enquanto no Magnificat, expressa sua alegria por ter
sido escolhida e naturalmente utiliza o pronome na primeira pessoa singular
enquanto o leitor é convidado a ver como que do lado de fora esta ação divina.
No Benedictus, encontraremos um
emprego maciço da primeira pessoa do plural: doze vezes “nós, nosso ou nossos” entre os vv. 69 a 79. Assim de
forma catequética os leitores são convidados a se inserirem, por meio do
cântico, na ação salvadora que Deus esta operando por meio do Messias. O “Deus de Israel” do v. 68 é o “nosso Deus” no v.78.
E Lucas aproveita para registrar antecipadamente o que
ele mesmo haverá de registrar no inicio de seu segundo volume Atos. Ao dizer que Zacarias ficou “cheio do Espírito Santo”, ele nos
introduz antecipadamente ao que vai ocorrer no Pentecostes cristão, quando todos os grandes temas veterotestamentário
que proclamavam a salvação tiverem seu cumprimento na obra de Jesus morto e
ressurreto.
Assim como a função de João Batista seria o de preparar o
caminho para a vinda do Senhor Jesus, a nossa função como cristãos é a de
preparar as pessoas para a volta do Senhor Jesus. João Batista tornou-se um
arauto da mensagem de arrependimento e perdão e nós devemos continuar proclamando
o Evangelho até que as pessoas se arrependam e sejam salvas.
O Natal é o marco zero de algo totalmente novo que Deus
começou a fazer no mundo! O Salvador chegou! E assim como Zacarias e Isabel nós
também fazemos parte desta nova história que Deus começa a escrever.
Infelizmente o Natal tornou-se apenas um produto
comercial. O colorido das enormes árvores enfeitadas nos Shopping Center; troca
de presentes entre amigos e familiares; uma refeição especial; mas tudo isso é
reduzir o significado do Natal. Deus está fazendo algo realmente muito grande,
algo que nunca havia sido feito até então – Deus na pessoa do Filho – assume a
nossa humanidade “Emanuel, Deus Conosco!”.
Jesus Cristo assumiu nossa humanidade para cumprir toda a
Lei por nós; para morrer na cruz em nosso lugar; para ressuscitar dentre os
mortos como garantia da nossa ressurreição – Jesus não veio para se divertir e
comer; Ele veio para fazer a vontade do Pai e nos salvar. Ele venceu a morte,
venceu o mal, venceu o pecado e nos reconciliou com Deus.
Assim como o povo de Israel esperou ansiosamente a vinda do Messias o Salvador e Ele veio;
assim também nós aguardamos ansiosamente a volta
de Jesus Cristo e Ele certamente virá em breve – Maranata, ó vem Senhor Jesus! Devemos orar não apenas pelos problemas da
vida e/ou da sociedade, mas acima de tudo é preciso que oremos para que Jesus
retorne, pois então todo mal cessará e toda lágrima será enxuga de nossos olhos
para sempre! Essa é a grande mensagem e expectativa do Natal cristão bíblico.
Esta é a grande mensagem do Evangelho!
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
Bibliográficas
ASH,
Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V.
Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BETTENCOURT,
Estevão. Para Entender os Evangelhos. Rio de Janeiro:
Agir, 1960.
CARSON
D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
CASALEGNO,
Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo:
Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN,
Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por
versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia
de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
LEAL,
João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria
Apostolado da Imprensa, 1945.
MORRIS,
Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições
Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
TENNEY,
Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São
Paulo: Vida Nova, 1972.
[1] Recebe este titulo por causa da
primeira palavra do texto em latim da Vulgata.
[2]
O interessante é que Maria quando comunicada utiliza a mesma expressão: “como
pode ser isso?” e não foi repreendida pelo anjo. A razão pode ser pelo fato de
Zacarias ser um sacerdote experiente e deveria crer em vez de duvidar; outra
explicação pode ser o fato de que no caso de Zacarias havia o precedente de
outras esposas estéreis que geraram filhos e no caso de Maria nunca antes uma
virgem havia gerado um filho (sem relação sexual).
[3] “Presumia-se que a criança recebesse o nome do
pai, de acordo com o costume judeu, especialmente um filho único de pais
idosos. Mesmo assim Isabel insistiu em chamá-lo João. Na verdade, todo o
episódio está desenvolvido em torno desta questão. Aparentemente Isabel
partilhou da fé que seu marido tinha em relação à sugestão angélica do nome.”
Anthony Lee Ash, Comentário Bíblico “Vida Cristã”, v.4, 1980, p. 47.
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