A escola de Antioquia da Síria surgiu em oposição à de
Alexandria, que dominou a hermenêutica bíblica nos primeiros séculos. Ela foi
uma tentativa de coibir os abusos da espiritualização e apontar um caminho mais
seguro, especialmente, quanto à leitura do Antigo Testamento. O fundador dessa
escola foi Luciano de Antioquia (240-312 d.C.), a quem se atribui (apesar da
falta de evidências) a tentativa de uniformização dos textos gregos existentes
que deram origem ao texto Bizantino ou Sírio. Credita-se, assim, a Luciano o
mérito de ter dado início a uma rica tradição de estudos bíblica marcada pela
erudição e pelo conhecimento das línguas originais. A escola de Antioquia
rejeitou a alegorese e sustentou que o texto bíblico deveria ser interpretado
em seu sentido literal (histórico) a não ser que a passagem demonstrasse
claramente tratar-se de uma alegoria. Quanto àquelas passagens, notadamente as
profecias, em que se percebiam um sentido oculto e profundo além do literal,
desenvolveram um conceito que ficou conhecimento como teoria. Vejamos a seguir
os maiores expoentes da Escola de Antioquia.
2.1. Principais Representantes
Deodoro de Tarso (390 d.C.)
Escreveu um tratado intitulado Qual é a diferença entre
contemplação e alegoria? No qual defende a “contemplação” ou theoria contra a
alegoria que parecia impor um sentido forçado ao texto bíblico.
Ele também escreveu um comentário dos Salmos em que
tentava explicar os princípios hermenêuticos sadios para a boa compreensão dos
Salmos, procurando, assim, interpretá-los dentro do seu contexto histórico.
Teodoro de Mopsuéstia (350-428 d.C.)
Considerado o maior exegeta antioquiano, de acordo com
Altaner (1988, p. 322), Teodoro comentou “com
extraordinária sagacidade critica, nada comum na Igreja Antiga, quase toda a
Bíblia”. Ele escreveu um tratado contra a interpretação alegórica chamada “Conceming allegoiy and history against
Origen”, no qual obviamente criticava a interpretação de Orígenes. Na sua
própria abordagem, ele procurou focalizar o sentido natural e literal,
utilizando uma interpretação que mais tarde seria denominada
gramático-histórica. Esta abordagem é evidenciada em sua obra sobre os salmos,
em que procurou reconstruir as ocasiões prováveis nas quais os salmos foram
escritos e tentou estabelecer o significado original pretendido pelo autor.
Teodoro também limitou bastante o número de textos do Antigo Testamento que
falam de Cristo, o que lhe rendeu a acusação de “judaizante” (como também mais
tarde seria acusado Calvino). Além disso, ele tentou explicar textos, como a
alegoria feita por Paulo em Gálatas 4.21-31, e a alegoria de Zacarias a
Zorobabel (Zc 4.6-10), defendendo a tese de que a Escritura é um texto de
camadas superpostas, por isso tanto o significado da história, bem como do
evangelho, devem ser preservados na interpretação. As aparentes discrepâncias
ele atribui à linguagem hiperbólica dos escritores que encontra pleno
conhecimento em Cristo. Portanto, apesar de ele aceitar o elemento tipológico
na Bíblia e encontrar passagens messiânicas nos salmos, explicou a maioria
delas do ponto de vista histórico.
João, o Crisóstomo (407 d.C.)
“Crisóstomo” significa Boca de Ouro, apelido que João
recebeu depois de sua morte e que é justificado pelo seu extraordinário dom da
oratória. Renunciou a carreira de advogado para tornar-se monge. Após alguns anos
vivendo nas montanhas, entre monges, numa vida austera, a ponto de prejudicar
sua saúde, voltou a Antioquia onde foi ordenado diácono (381), presbítero (386)
e nomeado para o ofício de pregador, função que exerceu por doze anos (397).
Sua fama de pregador cresceu tanto que foi obrigado pelo Imperador a aceitar o
bispado de Constantinopla (398). Apesar da vida conturbada, fruto das polêmicas
nas quais se envolveu e que resultaram num exílio, ele produziu uma vasta obra
literária composta fundamentalmente de sermões, mas também de alguns tratados e
consideráveis números de cartas.
As homilias de Crisóstomo versam sobre aspectos
doutrinais, polêmicos e exegéticos. Nas exegéticas, ele comentou grande número
dos livros da Bíblia procurando explanar o sentido histórico dos textos.
Crisóstomo defendia o princípio de que leituras alegóricas ou místicas dos
textos bíblicos só deveríam ser admitidas se os próprios autores as sugerissem.
Desta forma, “seus sermões eram exegéticos e eminentemente práticos. Fascinava
nele a compreensão simples e gramatical das Escrituras” (WALKER, 1983, p. 188).
2.2. Considerações
À luz do exposto, fica evidente que a Escola de Antioquia
tinha sérias restrições à leitura alegórica, mesmo se tratando de tipologia.
Por outro lado, eles estavam conscientes das dificuldades com algumas
passagens, especialmente as profecias do Antigo Testamento, pois não podiam
negar que o sentido literal-histórico, às vezes, apontava para um sentido mais
elevado, o sentido anagógico (escatológico). Este sentido é denominado de
theoria, termo que designava o “estado
mental dos profetas, quando recebiam visões [...] é uma instituição ou visão
pela qual o profeta pode ver o futuro através das circunstâncias presentes”
(LOPES, 2004, p. 136). Este princípio permitiu aos exegetas antioquianos
conceber um sentido mais elevado para certas passagens sem, contudo abrir mão
da âncora do sentido literal. Lopes (Idem, p. 135-236) resume os princípios de
interpretação de Antioquia nos seguintes tópicos:
1. Sensibilidade e atenção ao sentido natural do texto
Era uma abordagem que poderia ser chamada de "gramático-histórica".
Esse termo só apareceu após a Reforma, mas os princípios que caracterizavam
esse tipo de interpretação já estavam presentes em Antioquia: procurar alcançar
o sentido do texto através da busca da intenção do seu autor considerando o
contexto histórico em que foi escrito.
2. Desenvolvimento do conceito de theoria
Esse termo designava o estado mental dos profetas em que
recebiam as visões, em oposição à alegoria. Era uma intuição ou visão pela qual
o profeta podia ver o futuro através das circunstâncias presentes. Depois da
visão, era possível para ele descrever em seus escritos tanto o significado
contemporâneo dos eventos como seu cumprimento futuro. A theoria era o
princípio usado pelos antioquianos para se descobrir um sentido além do literal
nas palavras dos profetas do Antigo Testamento, permanecendo-se fiel ao seu
sentido natural.
3. Não negavam o caráter metafórico de algumas
passagens
Reconheciam que havia um sentido mais profundo nas
profecias do Antigo Testamento e que havia tipologias, como a que Paulo fez em Gálatas
4.21-31. Entretanto, afirmavam a historicidade da narrativa veterotestamentária
e procuravam em seguida descobrir o sentido teológico da mesma.
4. Buscavam determinar a intenção do autor
Isto era feito pela atenção cuidadosa ao sentido
histórico das palavras em seu contexto original.
5. Eram contra descobertas arbitrárias de Cristo no Antigo
Testamento
Tais como as feitas pela alegorese (alegoria)
alexandrina. Concordavam que Cristo estava presente nas Escrituras do Antigo
Testamento, mas reagiam contra a ideia de que cada palavra, evento, numero,
personagem ou instituição poderiam ser interpretados de forma alegórica de modo
à sempre se encontrar Cristo nelas.
Manual de Hermenêutica Bíblica
Me. Israel Sifoleli
Mestre em Ciências da Religião
Docente da Faculdade Latino-americana
(FLAM)
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