quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Pentateuco: Autoria Mosaica



A partir do século XVIII com o movimento racionalista[1] tudo que se relaciona com a Bíblia foi criticado e rejeitado. Os primeiros livros a serem radicalmente exumados pela crítica racionalista foram aqueles que compõem a primeira divisão da Bíblia e que é chamado de Pentateuco[2] (cinco rolos) que vão de Gênesis ao Deuteronômio.
            No transcorrer dos tempos levantou-se certa escola de críticos que discordaram da autoria mosaica e por um processo de “estudo científico” (porém nunca comprovada cientificamente) concluíram, deles para eles mesmos, que o Pentateuco não passava de uma coleção misturada de histórias, muitas delas inventadas e amarradas por um conjunto de editores.[3] Estes críticos estão dispostos a atribuir fraude e conspiração dos autores bíblicos, que buscavam aceitação de seus escritos, que segundo eles foram compostos no período de Josias e em parte em Esdras e Neemias, e depois distribuídos como sendo o trabalho de Moisés.  Aqui não é o lugar para entrarmos em detalhes destas teorias.  Mas afirmamos claramente, que estas “críticas” degradam os livros do Velho Testamento e os coloca ao nível dos demais escritos meramente humanos e por isso mesmo falível, e que as argumentações destes “críticos” são especulações completamente insustentáveis.  Inclusive entre eles próprios não há um consenso chegando-se a conclusões totalmente conflitantes.[4]
As evidências em favor da autoria Mosaica do Pentateuco são conclusivas.  Vejamos brevemente algumas delas.
Evidências Testamentárias
§  Nos próprios livros do Pentateuco encontramos declarações de que Moisés os escreveu no nome de Deus ou por ordem direta de Deus (Êx.17.14; 24.3,4,7; 32.7-10, 30-34; 34.27; Lev.26.46; 27.34; Deut.31.9,24,25).
§  No tempo de Josué até o tempo de Esdras há no intermédio os livros históricos, onde constantemente vemos referência ao Pentateuco como o “Livro da Lei de Moisés”.  Este é um ponto de muita importância, já que os críticos negam que há qualquer referência, negando assim o caráter histórico do Pentateuco.  Como cumprimentos à Páscoa, por exemplo, frequentemente achamos alusões nos livros históricos que seguem o Pentateuco e mostra que a “Lei de Moisés” foi conhecida desde então.  A Páscoa era celebrada pelo tempo de Josué (Js.5.10, cf. 4.19); Ezequias (II Cr.30); Josias (II Re.23; II Cr.35), e Zorobabel (Ed 6.19-22), e há referências em passagens tais como II Reis 23.22; II Crônicas 35.18; I Reis 9.25 (“três vezes por ano”); II Crônicas 8.13.  Igualmente poderíamos citar referências frequentes à Festa dos Tabernáculos e outras instituições judaicas, embora nós não admitimos que qualquer argumento válido possa ser tirado do silêncio da Escritura em tal caso.  Um exame dos textos seguintes, I Reis 2.9; II Reis 14.6; II Crônicas 23.18; 25.4; 34.14; Esdras 3.2; 7.6; Daniel 9.11,13, também mostrarão claramente que a “Lei de Moisés” era conhecida durante todos estes séculos.
§  Referência expressa à lei escrita de Moisés é encontrada unicamente nos últimos Profetas (Dn 9.11, 13; Ml 4.4. Os outros Profetas frequentemente referem à lei do Senhor observado pelos pais (cf. Dt 31.9), e eles colocaram isto no mesmo nível da Revelação Divina e do governo eterno do Senhor. Eles apelam ao governo de Deus, às leis do sacrificial, ao calendário de banquetes, e outras leis do Pentateuco, indicando que provavelmente havia já em seus dias uma legislação escrita, que se constituía no fundamento de suas pregações proféticas (cf. Os 8.12), e que eles conheciam pessoalmente expressões verbais do livro da lei. Assim tanto Amós no reino do norte (4.4-5; v, 22 ss...) como Isaías no sul (1.11 ss...) empregam expressões que são praticamente palavras técnicas para sacrifício que ocorrem em Levíticos (cap. 1 a 3; 7.12, 16; e Dt.12.6).
§  O Senhor Jesus endossou, sem qualquer dúvida, a autoria Mosaica destes livros (Mt. 5.17,18; 19.8; 22.31,32; 23.2; Mc.10.9; 12.26; Lc.16.31; 20.37; 24.26,27,44; Jo.3.14; 5.45-47; 6.32,49; 7.19,22).  Diante destes fatos, alguém alegaria que Cristo era ignorante da composição da Bíblia, ou que, conhecendo o verdadeiro estado do caso, Ele ainda encorajou as pessoas a crerem numa mentira?
Testemunho Histórico
Tanto quanto se refere à tradição, Judaica ou Cristã, são unânimes e constantes em proclamarem a autoria de Mosaico do Pentateuco.  E até o século XX não se levantou qualquer dúvida sobre este ponto. Os seguintes parágrafos estão unicamente uma amostra delinear desta tradição viva.
Tradição Judaica
Os tradutores Gregos da Versão da Septuaginta consideravam Moisés como o autor do Pentateuco todo. No primeiro século da era Cristã, Josefos atribui a Moisés a autoria do Pentateuco inteiro, não salvo a conta de morte do legislador ("Antiq. Jud.", IV, viii, 3-48; cf. I Procem., 4; "Contra Apion.", I, 8). Também Philo, o filósofo Alexandrino, é convencido que o Pentateuco inteiro é um trabalho de Moisés, e que o último escreveu uma nota profética de sua morte sob a influência de uma inspiração divina especial ("De vita Mosis", ll. II, III em "Ópera", Geneva, 1613, pp. 511, 538). O Talmud Babilônico, o Talmud de Jerusalém,[5] os rabinos, e os doutores de Israel prestam testemunho ao prolongamento desta tradição aos primeiros mil anos. Embora Isaac ben Jasus no século décimo primeiro e Abenesra no décimo segundo permitiram certas adições postadas-mosaico no Pentateuco, ainda assim eles como Maimonides mantiveram a autoria Mosaico, e substancialmente não difere neste ponto do ensinado por R. Becchai ( final do décimo terceiro), Joseph Karo, e Abarbanel (décimo quinto). Unicamente no século vinte é que  Baruc Spinoza rejeitando a autoria Mosaico do Pentateuco, apontou a possibilidade que o trabalho poderia ter sido escrito por Esdras ("Trato. Theol.-politicus", c. viii, ed. Tauchnitz, III, p. 125). Dentre os escritores Judaicos mais recentes vários tem adotado os resultados dos críticos, abandonando assim a tradição de seus antepassados.
Tradição Cristã
A tradição Judaica concernente a autoria Mosaico do Pentateuco foi trazido à Igreja Cristã por Cristo e os Apóstolos. Desde então ninguém nega a existência e prolongamento de tal  tradição do período do patristicos; e no intervalo entre o tempo dos Apóstolos e o começo do século terceiro nós podemos apelar à "Epístola de Barnabe" a Clemente de Roma, a Justino, a Irineu, a Hipolito de Roma, a Tertuliano de Cartage, a Origines de Alexandria, a Eusthatius de Antioquia. Todos esses escritores, e inumeráveis outros, corroboram com a tradição Cristã de que Moisés escreveu o Pentateuco.
Consequências de uma Rejeição Mosaica do Pentateuco
Rejeitar a autoria de Moisés em relação ao Pentateuco é incorrer em grave e terrível perigo, que com certeza traria sérias consequências como algumas mencionadas abaixo:
§  A primeira consequência seria a rejeição de toda a evidência positiva, bíblica e extrabíblica, sobre a autoria do Pentateuco. Isto implica também que o testemunho do Novo Testamento e o próprio testemunho do Senhor Jesus Cristo torna-se um engodo e estaria aberta a porta da possibilidade de que Ele houvesse se enganado sobre outros assuntos. E isto seria feito não na autoridade de se haver encontrado provas mais antigas ou melhores, mas unicamente no interesse de uma teoria, que nunca foi coerentemente demonstrada.
§  Uma segunda consequência seria a admissão de que o período temporal-histórico de Moisés é fundamentalmente errôneo.  Moisés é uma figura proeminente.  Ele é mencionado mais de 500 vezes do Êxodo ao Deuteronômio.  Mas se todos os códigos legais do Pentateuco datam de um período cronológico totalmente desvinculado de Moisés e se a história ali narrada é recente e incerta, como afirmam estes teóricos, então ele se torna uma figura decididamente enganosa, e fica difícil se não impossível corresponder ao papel proeminente para o qual foi nomeado.  A reputação dele é vasta, mas as ações que servem como a base para isto não são consideradas como suas.  Deste modo, ele se torna um tipo de ficção legal.
§  Uma terceira consequência de se aceitar esta teoria seria a de adotar um critério baixo da autoridade e credibilidade da Bíblia.  Trazendo as Escrituras ao mesmo nível das demais obras literárias, do passado ou do presente.
A Importância do Pentateuco
            A importância destes cinco livros é incalculável.  Podemos compreender isto através destes cinco aspectos relacionados por Ellisen.
¨      Cósmico. explicam o cosmos dando o único relato antigo que identifica a “Primeira Causa”.  O princípio unificador do Universo, procurado às cegas pelos filósofos e clássicos, está compreendido na primeira sentença - “No princípio criou Deus...”.
¨      Étnico. Eles descrevem o começo e a expansão das três divisões raciais do mundo: oriental, negroide e ocidental.
¨      Histórico.  Esses livros são os únicos a traçar a origem do homem numa linha contínua a partir de Adão.  Todavia, não é sua intenção apresentar a história completa de todas as raças, mas sim um relato altamente especializado da implantação do reino teocrático no mundo e do plano de redenção da humanidade.  Nesse processo, a história de Israel remonta a Abraão, através de quem Deus prometeu a redenção.
¨      Religioso. Esses livros são fundamentais.  Retratam a Pessoa e o caráter de Deus, a criação do homem e sua queda, as alianças e promessas divinas de trazer a redenção através de um divino Redentor.
¨      Profético. Os livros do Pentateuco são a origem dos temas proféticos mais importantes da Bíblia. É a história centralizada no Messias associada à profecia centralizada no Messias. Apresentam em conjunto uma filosofia simétrica da história.  As profecias preenchem a interpelação histórica através das demais revelações.

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


Artigo Relacionado
Síntese Bíblica – Gênesis
Pentateuco: Introdução Geral
Quadro Comparativo dos Cânones do Primeiro Testamento
Visão geral dos livros do Primeiro Testamento
Septuaginta ou Versão dos Setenta (LXX)

Referências Bibliográficas
Autores que Aceitam a Unidade e Autoria Mosaica
YOUNG, Edward J. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1964.
FRANCISCO, Clyde T. Introdução do Velho Testamento. Rio de Janeiro: JUERP, 1969.
ARCHER, Gleason L. Merece Confiança o Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 199.
ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida, 1996.
LASOR, W.S., HUBBARD, D. A. & BUSH, F.W. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1999 (com reservas).
Autores que Rejeitam a Unidade e Autoria Mosaica
HOMBURG, Klaus. Introdução ao Antigo Testamento. São Leopoldo: Ed. Sinodal, 1975.
BENTZEN, Aage. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo, ASTE, 1968. [2 volumes].
SELLIN, E. & FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Paulinas, 1978. [2 volumes].
1.4. SCHMIDT, Werner H. Introdução ao AT. São Leopoldo (RS): Ed. Sinodal, 1994.


[1] Racionalismo é o uso da razão construindo teorias racionais para a própria razão crer como verdade última. Isto é, o próprio homem sendo fundamento de suas crenças religiosas e científicas.

[2] O termo “Pentateuco” se deriva de duas palavras gregas “pente” (cinco) e  “teucos”  (volumes). A palavra “teuchos” significa propriamente um instrumento.  Essa palavra veio a ser usada para designar um receptáculo para guardar rolos de papiros, e também para designar o próprio rolo.  Daí o seu sentido de volume ou livro.
[3] Esta teoria é chamada de hipótese documentária ou a teoria do JEDP. "J" representa Jehovah ou Yahweh, a fonte mais antecipada, escrita por volta de 900 a.C.; "E" representa a fonte chamada Elohim, escrito por volta de 800 a.C.; "D" representa a fonte Deuteronômica escrito já nos anos 621 a.C.; e "P" representa a fonte Sacerdotal, escritas no período de 500 a.C.
[4] Um dos primeiros a levantar dúvidas sobre a questão da autoria Mosaico do Pentateuco foi  Baruch Spinoza que insinuou em 1671 a possibilidade de seu autor ter sido Esdras.  Em 1753 Jean Astruc, um médico e professor da Faculdade Real de Paris, partindo de suas observações ao longo do livro de Gêneses, e até o 6º capítulo de Êxodo, encontra indícios de dois documentos originais, cada um caracterizado pelo uso distinto dos nomes de Deus; um pelo nome Elohim, e o outro pelo nome Jehovah.  Ele supôs então que Moisés utilizou-se de pelo menos mais dez outros documentos originais na composição da parte mais recente do trabalho dele, além destes dois documentos principais.  Neste caminho aberto por Astruc seguiu-se inúmeros escritores alemães e que por sua vez desdobrou-se em inumeráveis hipóteses.  Para maiores informações sobre o pensamento destes “críticos” veja o material de Clyde T. Francisco, Op. cit. pp.25-33.
[5] Há dois Talmuds, o palestino, datando do sec. 400 a.C, e o babilônico, datando do sec. a.C. 500. O Talmud babilônico contém a primeira lista definitiva de livros da Bíblia hebréia. Ambos os Talmuds contêm material que é comum seguindo uma forma semelhante de organização, embora também haja diferenças consideráveis em seus conteúdos. O Talmud é organizado debaixo de seis títulos longos, subdivididos em vários subtítulos. origens, pessoas designadas, mulheres, danos, coisas santas, e pureza. ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento. São Paulo: Ed. Vida, 1991, p.14.

Nenhum comentário:

Postar um comentário