domingo, 18 de novembro de 2018

Leitura & Reflexão Bíblica: Êxodo Capítulo 1



Síntese Capítulo 1
A importância e relevância do livro de Êxodo esta em que os alicerces fundamentais da teologia que norteou a vida do povo de Israel estão aqui firmemente estabelecidos: os Dez Mandamentos, o calendário religioso, a Constituição civil que vai legislar todas as esferas da sociedade israelita.
O Desenvolvimento da Redenção no livro de Êxodo
A necessidade de redenção (caps. 1-6)
O Poder do Redentor          (caps. 7-11)
O Método da Redenção           (caps. 12-18)
Os Deveres dos redimidos (caps. 19-24)
As Provisões para os redimidos (caps. 25-40)
(Adaptado de Arthur Pink, Gleanings in Exodus - Chicago: Moody, n.d.1 p. 8).
Mas nesse livro os cristãos encontram também pilares que dão sustentação ao ensino do Evangelho. Para o apóstolo Paulo tudo que está registrado concernente à história israelita é para o nosso ensino (1Co 10.11): a escravidão no Egito ilustra nossa antiga escravidão no pecado; Moisés é semelhante a Jesus Cristo em muitos aspectos (Dt 18.15; Atos 3.22; 7.37); a libertação de Israel e sua passagem pelo Mar Vermelho foi um “batismo para Moisés” e ilustra nosso “batismo em Cristo” (1Co 10. 2; Gl 3.27); até mesmo as falhas de Israel em sua peregrinação pelo deserto foram registradas para que nos servisse de alerta do perigo da desobediência (Hb 4.1); e projeto, construção e utilização do tabernáculo, que ocupada lugar proeminente no texto (Êxodo 25-40), esta intimamente relacionado com a obra de Cristo (Hb 9.9).
A literatura desse livro irradia verdades profundas sobre o caráter de Deus como poucas literaturas bíblicas o fazem: aqui temos o perfeito equilíbrio entre a misericórdia e graça de Deus que é tardio em irar-se e abundante em benignidade e verdade; e sua perfeita justiça e juízo, pois de modo algum compactua com a injustiça e o pecado (Êx 34.6,7). O Decálogo continua sendo ainda hoje a espinha dorsal dos Códigos de leis das sociedades modernas.
Êxodo começa com "Agora", que pode ser traduzido "E", sugerindo que o livro não foi originalmente independente de Gênesis, mas constituiu uma parte dele. Isto é verdade para todos os primeiros cinco livros da Bíblia, que originalmente eram um volume ininterrupto e conhecido como "A Lei" ou "A Lei de Moisés" (Lc 16.31; 24.44).
O livro de Gênesis conclui com a subida de Jacó e seus filhos  para morar no Egito e eles foram recebidos com honras de Estado visto a posição elevada que José havia sido elevado no governo egípcio. Entre o final de Gênesis e o primeiro capítulo de Êxodo temos aproximadamente 200 anos que Jacó havia se estabelecido com seus descendentes (os 430 anos mencionados são desde os dias de Abraão), nesse período a situação dos israelitas mudou radicalmente. A nova dinastia egípcia  “não conhecia José”, “Conhecer” no hebraico geralmente tem um tom harmônico de relacionamento, de maneira que a relação de amizade e serviço estabelecida entre José e a dinastia anterior havia sido esquecida.
No discurso do rei (vv. 9 e 10) o escritor enfatiza a ironia do Faraó que exagera propositalmente o número de israelitas e a expressão "usemos de astucia [sabedoria] para lidar com eles”, na prática foi opressão e extermínio. Essa atitude hostil tem duas razões: uma de ordem política, os inimigos do Egito ao nordeste da fronteira estavam se armando para a guerra e os israelitas poderiam se unir a eles – os israelitas esta na fronteira do Egito com Canaã; e outra de ordem econômica, pois as terras (Goshen) e gado israelita lhes dava poder econômico e prosperidade. Mas agora a terra do Egito se tornou para os israelitas uma casa de servidão (1.8-14).
O objetivo desse primeiro capítulo é vinculá-lo à narrativa anterior do Gênesis, como mencionado acima, e demonstrar que Deus manteve sempre Sua palavra empenhada na Aliança estabelecida com Abraão e renovada com Isaque e Jacó.
O capítulo está inserido dentro de uma perícope maior (Ex 1.1-15.21) onde temos o desenvolvimento da narrativa em três temáticas: a opressão (1.1-7.7), mediação (7.8-13.16) e libertação dos israelitas (13.17-15.21). A leitura revela uma perfeita unidade literária em que cada uma das partes está sincronicamente entrelaçada com a próxima em um ritmo crescente culminando com o clímax da libertação dos israelitas.
Os personagens protagonistas vão entrando em cena: Israel (c.1), Moisés (c. 2) e Yahweh (cc. 3-4) e os principais antagonistas: Faraó e Egito (c.1). As cenas são preenchidas por outros personagens secundários, com funções limitadas, porém significativas: as parteiras (c.1), Miriam, irmã de Moisés, e a filha do faraó (c.2), Aarão (c. 4), etc. Sem dúvida, o personagem chave é Yahweh e a partir do momento em que entra em cena, assume o controle e dá sentido as ações de todos os personagens envolvidos, sejam os protagonistas ou antagonistas.
Os movimentos geográficos da narrativa têm seu inicio no Egito e continua na paisagem desértica de Midiã, culminando no monte Horebe, onde Deus se revela e vocaciona a Moisés. Então retorna para o Egito, lugar de opressão israelita e palco da libertação efetuada por Deus.

Reflexões do Capítulo 1
v  O verso 6 demarca o fim de uma geração (representada na morte de José e seus irmãos) e o verso 7 o inicio de uma nova geração (nascida no Egito). Aqui temos duas coisas importantes: o cumprimento da promessa de que dos patriarcas surgiria um grande povo (nação) e a partir deste ponto eles serão identificados não mais como filhos de Jacó (v. 6), mas como povo de Israel. A mudança é relevante: da história de uma família (Jacó) passasse à história de um povo (faltam ainda território e Constituição – para ser uma nação).
v  Deus os havia conduzido ao Egito para preservá-los, mas o lugar definitivo deles era em Canaã. A nova geração israelita havia se acomodado no conforto e prosperidade do Egito e se esquecido da Aliança, mas agora, diante da opressão crescente sua memória começa a ser reestabelecida. Todas as vezes que a Igreja usufrui tempos de paz e segurança ela se esquece da “Aliança” e se ajusta confortavelmente na sociedade presente; mas quando sobrevêm as perseguições se lembram de que sua pátria não é aqui, mas na eternidade. As aflições em nossas vidas são para nos fazer lembrar que nosso lugar definitivo não é neste mundo, mas no céu.
v  Os israelitas e os egípcios representam aqui toda a humanidade. A inimizade entre eles revela a inimizade entre o povo de Deus e as demais nações que se rebelam contra a vontade de Deus. O texto é um alerta perpetuo de que acomodar-se na falsa segurança do Egito (mundo) ou assentar-se confortavelmente às portas de Sodoma e Gomorra (sociedade depravada) é se colocar em risco eminente de experimentar a opressão, o juízo e a ira de Deus.
v  “Vamos lidar com eles com sabedoria (astucia)”. Jesus alerta seus discípulos declarando que "Os filhos deste mundo são mais sábios em sua geração do que os filhos da luz". Satanás aproxima-se astutamente de Eva e a conduz suavemente à desobediência e ao pecado. O mal sempre vem revestido de uma fina capa de bondade e beneficio, mas o resultado final é a opressão e a morte. Outra vez Jesus alerta: “A amizade com o mundo é inimizade contra Deus”. Mas como essa geração de israelitas também nos sentimos confortáveis no Egito e até sentimos saudades de seus temperos.
v  O infanticídio proposto por Faraó para inibir o crescimento dos israelitas, mas que foi frustrado pelo temor das parteiras das mulheres hebreias em relação a Deus, que haviam sido encarregadas desse ato indescritível, mas que foi efetuado pelo louco Herodes em sua tentativa frustrada de matar o novo “rei dos judeus” (Jesus), quando mandou assassinar os meninos de dois anos para baixo na pequena vila de Belém e continua sendo executado hoje pelos abortistas e seus movimentos espalhados pelo mundo inteiro. Onde não há temor de Deus o mal efetua livremente seu infanticídio.
v  As parteiras receberam ordens diretas do Faraó para que matassem os meninos hebreus, mas elas optaram por não cumprir tais ordens. Normalmente, devemos obedecer àqueles que têm autoridade sobre nós, incluindo o governo, mas às vezes precisamos desobedecer aqueles que têm autoridade sobre nós, quando suas ordens entram em contradição direta com a nossa consciência cristã. Quando os apóstolos foram ordenados a parar de pregar o Evangelho, eles responderam: “Então Pedro e os outros apóstolos responderam e disseram: Devemos obedecer a Deus e não aos homens” (Atos 5.29). Matinho Lutero diante das maiores autoridades religiosas e civis de sua época, tendo sua vida por risco, declarou com convicção: “não posso ir contra a minha consciência e meu entendimento das Escrituras”. O que falta nos dias atuais é crente que esteja disposto a contrariar a maioria e o politicamente correto e se posicionar biblicamente. Se não defendermos o que é certo e piedoso, a sociedade nunca perceberá o erro do que está acontecendo. Alguém disse que tudo o que é necessário para a sociedade se destruir é que homens e mulheres piedosos se calem e não façam nada.
v  Nesse primeiro capítulo temos a manifestação da soberania de Deus. Ele mesmo havia conduzido Jacó e seus filhos para o Egito, a fim de preservá-los da absorção da cultura e religião canaanita através dos casamentos mistos. Ele mesmo os preservou e abençoou no Egito de maneira que se multiplicaram e se tornaram um grande povo. Mesmo diante da perseguição e opressão de Faraó os israelitas continuavam a crescerem e se fortalecerem, pois Deus os guardava. Assim ocorre conosco, pois o Egito é uma figura do mundo e Faraó uma figura de Satanás, de maneira que vivemos em um mundo hostil a tudo e qualquer pessoa que ouse servir a Deus – “no mundo tereis aflições” - e permanentemente Satanás faz uso de todos os meios “legais” para nos destruir – mas quem nos guarda e preserva é Deus. Não precisamos nos apavorar quando as circunstâncias mudam para pior, quando um “novo” Faraó se levanta, pois todas as coisas cooperam para o nosso bem. Foi assim com José e será assim com os israelitas e também conosco. A mensagem de Êxodo 1 é clara: os propósitos de Deus para o seu povo não serão frustrados.
v  Nenhuma palavra de desprezo pela grandeza do Egito é encontrada nos registros bíblicos (diferentemente da Babilônia). O Egito tipifica esse mundo e seu sistema político-econômico-social que quando adequadamente usufruído torna-se uma bênção, mas quando mal utilizado torna-se uma maldição. Deus mesmo tornou o Egito o celeiro do mundo através de José e Deus mesmo trouxe toda a família de Jacó para ali morar, se multiplicar e prosperar. Aqui os israelitas aprenderam muitas coisas que lhes foram uteis quando ocuparam a terra de Canaã; aqui Moisés foi preparado em toda ciência e conhecimento humano que o capacitou a ser um grande líder. Por outro lado, é preciso tomar cuidado para não transformarmos o Egito (mundo) em nossa Canaã (céu); de nos rendermos às seduções deste mundo maligno, a ponto de perdermos nosso conhecimento de Deus e Sua Aliança; de desperdiçarmos nossa herança dissolutamente a ponto de desejar comer a lavagem dos porcos (como o filho pródigo); de nos tornarmos escravos desse mundo e seu sistema; de construirmos nossas vidas nas areias deste mundo e não na rocha que é Jesus Cristo; de deixarmos nossos nomes gravados nas ruínas deste mundo, mas não nos fundamentos da cidade celestial eterna. Quando nos esquecemos Dele e de Sua Aliança, absorvidos por este mundo, Deus mesmo endurece o coração de Faraó e somos oprimidos e multiplicam-se nossas dores até que nos voltemos a Ele e clamemos por sua graça e misericórdia.
v  Estamos fazendo história mesmo quando não nos apercebemos disso. Aquilo que parece pequeno e insignificante hoje pode vir a se constituir em elos de uma corrente que se revelará em grandes eventos no futuro; a venda de um menino como escravo pelos próprios irmãos se constituiu no grande projeto que transformou o Egito no celeiro do mundo e na preservação de uma família e na fecundação de um numero povo e posteriormente uma nação, através da qual Deus trouxe salvação para o mundo inteiro – através de Jesus Cristo. O que fazemos hoje vai contribuir positiva ou negativamente daqui a dez ou cem anos, portanto, façamos o nosso melhor para que a nossa contribuição seja abençoadora às gerações futuras.
v  Nesse momento histórico nosso país esta experimentando uma mudança de governo. Um “novo” presidente estará tomando posse a partir de primeiro de janeiro. Apesar das grandes expectativas geradas por esta mudança em momento algum devemos colocar nossa confiança e esperança nos governantes e/ou nas circunstâncias, mas unicamente em Deus e seus propósitos eternos. Faraó tem sua própria agenda para os israelitas, mas está em confronto com a agenda de Deus. Faraó vai se utilizar de seu poder para impor sua agenda aos israelitas, mas o poder de Deus é soberano. Faraó já perdeu, mas ainda não sabe disso. Deus fala através da boca do profeta Isaías: “Meu propósito permanecerá, e farei tudo o que me agrada” (46.10). A agenda de Deus para nossa vida prevalecerá, sobre o mundo e sobre Satanás.
Quão grande é o seu Deus?
Existe em toda a história um espetáculo mais surpreendente que o Êxodo? Uma revelação mais augusta e solene de Deus do que no Sinai? Uma peça de arquitetura mais significativa que o tabernáculo israelita? Uma figura humana maior que o homem Moisés? Uma época nacional mais influente do que a fundação da teocracia de Israel? Todos estes são encontrados neste segundo livro das Escrituras.
J Sidlow Baxter

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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[1] Os filhos estão agrupados em relação às suas mães: primeiro os filhos das esposas oficiais (Lía e Raquel) e depois os filhos das servas (Bilá e Zilpá); dentro dos grupos segue a ordem de nascimento (cf. Gn 35.23-26).
[2] Atualmente, a generalidade dos estudiosos egípcios identifica esse faraó com Ramsés II, mas todas as condições da narrativa são cumpridas na pessoa de Amosis I (ou Aahmes), o chefe da 18ª Dinastia.

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