terça-feira, 27 de dezembro de 2016

O Jovem Que Pensava Saber Tudo

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Ele acordou antes mesmo do sol nascer; na verdade nem conseguiu dormir. Na noite anterior havia discutido novamente com seu pai. Mostrou-lhe todos os motivos e razões para ter tomado a decisão de ir embora. Como sempre o pai contra argumentou, lembrando-lhe dos riscos e perigos que lhe aguardavam em lugares distantes, onde ele não conhecia ninguém e ninguém o conhecia. Mas desta vez ele foi firme – a decisão estava tomada! Afinal de contas ele já era um adulto e sabia muito bem tomar conta de si mesmo.
Há muito tempo que a fazenda não lhe dava mais nenhuma satisfação. A rotina extenuante dos serviços intermináveis lhe aborrecia muito. Alguns poucos amigos apenas agravavam ainda mais seu tedio, pois as opções de lazer eram sempre as mesmas, as conversas nada traziam de novidade – tudo lhe aborrecia.
E para completar o quadro, tinha seu irmão mais velho. Sempre rabugento, cobrando dele o tempo todo mais responsabilidade. Nem seu pai lhe cobrava e quem colocou seu irmão como seu tutor ou capataz?
Mas tudo isso estava para acabar. Enquanto arruma uma pequena mala, com apenas algumas peças de roupas, sua mente divaga entre as expectativas e sonhos que por tantos anos cultivou. Finalmente poderia explorar o desconhecido! Conhecer novos lugares e novas pessoas. Ser livre para fazer o que bem entendesse com sua vida.
O galo canta indicando que os primeiros raios de sol estão despontando demarcando um novo dia – sim, pela primeira vez em muito tempo ele se sente feliz e energizado para iniciar uma nova e emocionante etapa de sua vida. Fecha a mala, sai do quarto e ao entrar na sala, como já esperava, ali estava seu pai.
Sempre admirou seu pai! Homem bom e de uma integridade incontestável. Sempre fora justo para com todos os seus empregados. O pai não apenas tinha o respeito da comunidade, como sempre era procurado para mediar os conflitos ocasionais que surgiam entre os moradores. Certa vez, até mesmo uma desavença ocorrida em outro vilarejo lhe foi apresentado e com suas palavras sabias e prudentes sempre conduziam as pessoas a uma reflexão e à procura de uma solução conciliadora. O carinho e cuidado do pai eram tão grandes que sempre compensou a ausência da mãe, que falecera logo após ele ter desmamado. Mas apesar de saber o quanto o pai sofria pela perda de sua amada, nunca ouvira uma palavra de murmuração sair da boca desse homem que aprendera a respeitar.
Enfrentar o olhar amoroso de seu pai era sem duvida o momento mais difícil desta decisão. Ensaiara inúmeras vezes esse momento – e não iria retroceder como fizera em outras ocasiões. A decisão estava tomada! Ele caminha na direção do pai, o abraça e dá-lhe um beijo carinhoso. Seu pai o olha profundamente, beija-lhe o rosto e a testa e o abençoa!
Ao sair da casa sua montaria esta pronta e alguns poucos empregados e dois ou três amigos o esperam para se despedir e desejar-lhe boa viagem e boa sorte para onde ele for. Não é hora para discursos, as palavras apenas o atrasariam. Acena rapidamente e começa sua nova jornada. Ao ultrapassar a porteira da fazenda sente-se leve e tomado pela empolgação acelera os passos do animal sentindo a brisa fresca da manhã batendo suavemente em seu rosto. Sua próxima parada será no último vilarejo da região, onde vai pernoitar.
Depois de um dia todo viajando, descanso por apenas alguns minutos para que o animal se recuperasse e para que ambos comecem alguma coisa – ele havia trazido algumas frutas. Avista uma pequena hospedaria, que ele estivera ali com seu pai e irmão em uma das raríssimas ocasiões em que saíram da fazenda até a grande cidade. Mais de dez anos se passaram, mas a hospedaria permanecia como em suas lembranças. O mesmo casal ainda continuava atendendo os peregrinos daquela estrava empoeirada. Eram gentis e logo lhe indicaram um quarto e providenciaram água para o banho, avisando que o jantar seria servido quando ele estivesse pronto. Refrescado e com roupas limpas, comeu com prazer a refeição oferecida. Era hora de dormir, pois dentro de seu planejamento queria sair bem cedo, a cidade grande ainda estava distante ao menos dois ou três dias de viagem.
Finalmente, estava diante da porta de entrada da grande cidade! O movimento, como sempre, era intenso. Enquanto percorria a rua principal podia ouvir os mais diversos sons que se misturavam – vendedores dos mais diversos produtos disputavam seus clientes. Parando próximo a uma pequena barraca de utensílios de cerâmica pergunta à mulher onde encontrar uma hospedaria de boa qualidade – ela indica uma que fica a quatro quarteirões para frente.
A hospedaria era de fato de excelente qualidade, ainda que o preço fosse um tanto extravagante. Ainda bem que o pai não lhe negara sua parte da herança. Tinha dinheiro suficiente para muitos meses, quem sabe até um ano inteiro. Mas logo que se ambientasse na cidade grande, iria investir seu dinheiro em algum negocio lucrativo.
Com o passar dos dias conheceu diversos jovens que como ele havia deixado seus lares e vieram para a cidade grande. A cada noite uma festa diferente! Os dias se transformaram em semanas, em meses. Percebeu que o dinheiro estava acabando e começou a procurar algum negocio para se associar, mas nada lhe agradava. Procurou conselho entre seus novos amigos, mas nenhum deles também tinha experiência comercial.
A hospedaria começou a ficar muito cara, então procurou uma mais simples. Para economizar começou a lavar suas próprias roupas e a fazer apenas a refeição da noite. Suas economias estavam sendo consumidas rapidamente. Não vendo outra saída começou a procurar algum tipo de emprego, mas encontrou apenas subempregos e ele não havia deixado a casa de seu pai para aceitar qualquer trabalho.
Na mesma proporção em que seu dinheiro sumia, também desapareciam os amigos. Aos poucos que sobraram solicitou-lhes ajuda para indicarem algum emprego, mas a crise havia chegado forte na região e as poucas vagas de trabalho que surgiam  eram rapidamente ocupadas por pessoas conhecidas – ele era um estranho.
De todo o dinheiro que havia recebido do seu pai, restava-lhe apenas o suficiente, economizando muito, para no máximo um mês. Tentou negociar com a hospedaria para pagar sua diária com serviços, mas o dono não aceitou, alegando que precisa era de dinheiro e não de mais um empregado.
Depois de mais uma dezena de promessas infrutíferas de trabalho, só lhe restava pagar a última semana na hospedaria. Pela última vez tentar negociar sua permanecia em troca de trabalho, mas o dono recusou e avisou que ele teria que deixar o quarto até a próxima segunda feira.
Os dias tornaram-se angustiantes, as noites cansativas. Já era domingo e ele não conseguira absolutamente nada. Os amigos desapareceram, nenhum deles lhe ofereceu ao menos um lugar para ficar, ainda que provisoriamente. Já vendera praticamente tudo de valor que havia adquirido desde que chegara à cidade grande. A última peça foi um turbante caro, que comprara nos primeiros dias de sua chegada, quando a bolsa ainda estava cheia de moedas. Era seu símbolo de autossuficiência. Todos lhe saudavam e admiravam, quando usava o turbante. Tivera que vendê-lo por menos da metade do preço que pagara – e foi com que passou essa última semana.
A segunda-feira fatídica amanhece e ao sair do quarto da hospedaria, não tem nada para levar consigo, a não ser a roupa que lhe cobre o corpo. Em um raro gesto de complacência o dono da hospedaria lhe permite tomar seu último café da manhã. Enquanto se alimenta, pensa – e agora o que vou fazer. Repudia mais uma vez a ideia de retornar a casa do pai. Ele não desistiria de seus sonhos nos primeiros obstáculos.
Ao sair da hospedaria, sabia que não adiantaria retornar, pois o dono lhe fora muito enfático de que sem dinheiro, nada de hospedaria. As ruas movimentadas, que ao chegar lhe pareceram tão cheias de vida e alegria, agora se tornam angustiantes e opressoras. As centenas de vozes, antes sons festivos, tornam-se barulhos irritantes. As pessoas se esbarram nele, como se ele não estivesse ali. No meio da multidão não encontra um rosto amigável. Em meio à multidão nunca se sentira tão solitário.
Então um pequeno agrupamento lhe chama atenção. Ao se aproximar ouve a voz forte de um homem, mas as pessoas falando ao mesmo tempo, não lhe permite ouvir direito. Força sua entrada no pequeno grupo e finalmente consegue avistar a pessoa que fala. Esta oferecendo emprego para jovens que não tenham família e que possam morar no local do trabalho. A diária é irrisória, mas ao menos a pessoa terá um lugar para ficar e comida uma vez por dia. Muitos se afastam e permanece apenas ele e mais dois outros jovens. O trabalho é em uma fazenda próxima da cidade grande e precisa ir imediatamente, sem dia de folga. Diante da negativa dos dois outros, ele se dispõe e imediatamente se põem a caminho.
Depois de quase um dia de caminhada chegam à fazenda. Só então ele descobre que se trata de uma fazenda de criação de porcos. Por que tinham que serem porcos? Com tantos animais no mundo, a fazenda tinha que ser de criação de porcos! Pensou em desistir, mas estava tão cansado da viagem e com tanta fome. Iria ficar por apenas alguns dias. Logo a crise haveria de passar e outros empregos melhores apareceriam.
O contratante o conduz até um pequenino quarto – se é que poderia chamar aquilo de quarto, ao lado da estrebaria e distante da casa principal. Explica-lhe qual seria seu trabalho diário e que sua refeição seria servida sempre no final do dia. Tentou se lavar com um mínimo de água que lhe fora disponibilizada e aguardou com ansiedade sua refeição – a frustação foi tão grande quanto a fome que lhe consumia as entranhas. Somente a fome poderia lhe forçar a comer aquele alimento, o qual não teve coragem de perguntar o que era. A canseira e as frustrações lhe proporcionaram um sono agitado e com muitos pesadelos.
Foi despertado por gritos e ordens e assim começou seu primeiro dia de trabalho. Ele não sabia que porcos comiam tanto e tão rápido. Quanto mais os alimentavam, mais eles queriam ser alimentados. Os dias eram longos, quentes e cansativos e as noites nem sempre melhores. O que recebia nem lhe permitia ao menos comprar uma nova muda de roupa. Estava sempre tão cansado que há muitos meses havia desistido de ir à cidade, ver se encontraria um novo trabalho. Muito raramente encontrava alguém que vinha e ao ser perguntado sobre trabalho a resposta era sempre a mesma – nada!
Perdera completamente a noção de tempo. Sabia que estava ali a mais de um ano! Quanto tempo havia passado desde que sairá da casa do pai? Três ou quatro anos? Um dia estava parado, olhando aqueles porcos comendo com tanto apetite, que desejou compartilhar de suas refeições – mas havia sido dito desde o primeiro dia que isso lhe era proibido.
Em uma tarde, exaurido pelos esforços e o calor do dia, se deixou assentar-se em um tronco. Ali contemplando os porcos, começou a recordar dos dias na fazenda do pai. Lembrou-se dos empregados, dos dormitórios e das refeições... sentiu até mesmo o aroma agradável dos alimentos que eram preparados diariamente para todos. Lágrimas rasgaram seu rosto sujo e queimado do sol. Há quanto tempo não tomava um banho e colocava roupas limpas; há quanto tempo não dormia em uma cama confortável e se alimentava de forma descente!
Agora já não era uma questão de orgulho, mas de sobrevivência. Levantou-se resoluto, iria voltar à casa do seu pai. Comunicou ao seu empregador que pela manhã iria embora. Tomou seu banho precário, comeu sua refeição diária e tentou dormir. Antes mesmo do raiar do sol, já estava na estrada. A caminhada seria longa e extenuante. Umas irrisórias moedas lhe permitiriam em algum momento comprar algum alimento. Mas sabia que dependeria da boa vontade de algumas pessoas, para poder completar seu trajeto de volta. Os dias se transformaram em semanas. Longas semanas. Mas sabia que a cada quilometro percorrido, a casa do pai ficava mais perto.
Finalmente! Esta próxima. Mais um dia no máximo e estaria novamente na casa paterna. Então, seu coração dispara e sua mente revive os dias que antecederam sua saída. Suas argumentações e autoconfiança; seu orgulho e arrogância. Sairá bem vestido e com dinheiro, e agora retorna maltrapilho e sem uma única moeda. E se o pai não lhe recebesse? E por que o receberia! Ensaia o que haveria de dizer ao velho pai; declararia em alto e bom som que realmente seria justo não ser mais tratado como um filho, mas que ao menos permitisse que ele ficasse na fazenda como um dos diaristas. Repete seu discurso, com pequenas variações, até que exausto dorme debaixo de uma árvore em uma clareira à beira da estrada.
Acorda com a claridade do sol em seu rosto. Levanta-se rapidamente. A proximidade do termino da viagem lhe anima a alma e o corpo.  Seus passos iniciais são acelerados, mas vão diminuindo na medida em que a canseira e a fome lhe apertam. Depois de uma pequena colina ele levanta os olhos e lá ao longe contempla a entrada da pequena vila e ele sabe que ao final daquela rua principal esta a fazenda do pai. Instintivamente ele para: seu coração aperta; será que o pai está vivo? Será que vai recebê-lo de volta? Mas o que fazer? Não tem alternativa, a não ser viver como um mendigo. Olha para si e sente todo o peso de sua vergonha. Como fora estupido!
Na medida em que se aproxima da pequena vila suas pernas parecem pesar uma tonelada cada uma; seus passos são lentos; sua garganta queima de sede e seu estomago de fome. Na media em que caminha percebe que poucas coisas mudaram. Ao entrar na rua principal percebe imediatamente os olhares curiosos das pessoas sobre ele. Certamente que ninguém haveria de reconhecê-lo; em nada ele se assemelha aquele jovem orgulhoso que havia saído em sua montaria por aquela mesma rua. Não poucas pessoas lançam lhe olhares de repudio e desaprovação por sua situação deplorável.  De fato não passava de um mendigo e maltrapilho.
Então percebe que as pessoas deixaram de olhar para ele, estão todos olhando na direção à sua frente. Levanta a cabeça e seus olhos não acreditam. Correndo em sua direção vem seu pai! Antes mesmo que pudesse dar mais alguns passos o velho pai o alcança – abraça-o, e o beija não se importando com seu estado deplorável, não se incomodando com seu mau cheiro. Entre abraços e beijos do pai, ele tenta falar o discurso que exaustivamente ensaiou durante toda a jornada de volta.
Mas o pai não espera o discurso acabar e começa a gritar para todos os que começam a se aproximar para verem aquela cena familiar – ESTE MEU FILHO ESTAVA MORTO E REVIVEU, ESTAVA PERDIO E FOI ENCONTRADO!!
Ordena que me trouxesse sandálias para os pés e roupas limpas, me devolvendo a cidadania que havia perdido; coloca seu anel em meu dedo, resgatando minha filiação, que soberbamente havia renegado.
E por fim, ordena aos seus empregados, que vieram ver o que estava ocorrendo, para que se matasse um novilho, animal mais caro e então meu pai convida a todos os moradores da vila para festejarem com ele. Um espírito de festa e celebração domina a todos e juntos formam um coro de acompanhantes em direção à entrada da fazenda. E juntamente com meu pai ouço agora um coro proclamando:
ESSE MEU FILHO ESTAVA MORTO E REVIVEU!
ESTAVA PERDIDO E FOI ENCONTRADO!



Disse Jesus: Não há maior jubilo nos céus, do que quando um pecador que se arrepende!!!


Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/


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