sexta-feira, 3 de abril de 2020

JONAS: Introdução Geral



            O livro de Jonas é o quinto dos chamados Profetas Menores em nossas Bíblias (os Doze na Bíblia Hebraica)[1]. Esse livro tem algumas singularidades: as outras literaturas proféticas registram a mensagem transmitida pelo profeta a um público especifico, mas aqui temos um registro do que aconteceu a um profeta, de maneira que o profeta é a mensagem; é o único profeta do Primeiro Testamento a quem Deus enviou especificamente a uma nação pagã com uma mensagem de arrependimento. É verdade que o profeta Amós era do Reino do Sul (Judá) e foi enviado a pregar sua mensagem no Reino do Norte (Israel), mas ambos os reinos haviam sido parte de uma mesma nação antes da divisão, de maneira que eram nações irmãs.
            Apesar de ser um livro de dimensões condensadas, ele contém várias questões polêmicas e não temos a pretensão de solucionar definitivamente tais questões, mas tão somente indicarmos algumas possíveis soluções, esperando com isso ser útil ao estudante desta profecia fascinante e desafiadora, como tão bem coloca Alexander[2].
O livro de Jonas é, sem dúvida, uma das obras-primas da literatura bíblica. O relato da fuga dramática de Jonas, que tentava escapar da presença de Deus embarcando num navio para Társis, sendo depois impedido em seu propósito por uma violenta tempestade e levado de volta à terra dentro de um grande peixe, é possivelmente uma das histórias mais conhecidas da Bíblia. Com suas inusitadas reviravoltas, o enredo prende nossa atenção durante todo o tempo. Os pormenores supérfluos são omitidos, e o texto está repleto de jogos de palavras e outras técnicas de redação. Tudo indica que foi escrito por um autor que utilizou ao máximo suas habilidades literárias (2001, p.59).
Autoria e Data.
O livro de Jonas nada nos fala de sua atividade profética em Israel e praticamente nada é nos revelado sobre a vida pessoal de Jonas além do que se registra no livro que trás seu nome (1.1) – Jonas filho de Amati, originário de Cat-Ofer (hirbet ez-zerrã, a nordeste de Nazaré), situada na região da tribo de Zabulon, e que transmitiu uma promessa a Jeroboão (2Rs 14.25) e da referência em II Reis 14.25, pela qual inferimos que:
1.    ele profetizou no Reino do Norte, anunciando a expansão do reinado de Jeroboão II (782/781-753 a.C.);
2.    que confirma o nome de seu pai Amitai (verdadeiro);
3.    que era da região da Galiléia, situada a uns sete quilômetros ao norte de Nazaré.
O caráter histórico do livro que especifica lugares e pessoas reais, é corroborado por outras fontes (2 Reis 14.25-cf. mencionado acima) incluindo também o testemunho de Jesus no Segundo Testamento (Mat. 12.40), onde ele coloca essa história no mesmo nível histórico que a sua própria ressurreição, como esclarece F. Davidson em seu comentário (1963, p. 873)..
Jonas é o único profeta do Antigo Testamento com o qual Jesus se comparou diretamente. Obviamente Jesus considerava a experiência e a missão de Jonas como de grande significação. É extremamente interessante, portanto, relembrar que tanto Jesus como Jonas foram ‘profetas da Galiléia’. A cidade de Jonas, Gate-Hefer, ficava a apenas alguns poucos quilômetros ao norte de Nazaré, a cidade de Jesus. Era menos que uma viagem de uma hora a pé. Jesus deve ter ido lá frequentemente. Talvez até em Seus dias o túmulo de Jonas fosse conhecido ali, como mais tarde, na época de Jerônimo. Foi ali que, nos dias de Sua obscuridade, Jesus começara a meditar sobre o significado de Jonas e de Sua própria missão?.
Os fariseus aparentemente se esqueceram de Jonas quando criticaram Nicodemos dizendo-lhe que ‘da Galiléia nenhum profeta surgiu’ (João 7.52). Tivessem eles pesquisado as Escrituras com mais cuidado, não teriam errado tanto, ao deixar também de perceber que ‘esta aqui quem é mais do que Jonas’ (Mat.12.41).
Além do próprio profeta Jesus se utiliza do arrependimento dos ninivitas para enfatizar o juízo de Deus para com os incrédulos judeus de seus dias: “Ninivitas se levantarão, no Juízo, com esta geração e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis aqui está quem é maior do que Jonas” (Mt 12.41) e continuando sua argumentação Jesus evoca ainda as figuras da rainha de Sabá e Salomão, colocando tudo no mesmo nível histórico (Mt 12.41s; Lc 11.29-32). Desqualificar a narrativa de Jonas como histórica é desqualificar também as demais referências citadas e seguindo essa direção todos os registros históricos bíblicos se tornam fictícios[3].
Da mesma forma que alguns outros livros deste grupo (Obadias, Naum e Habacuque), Jonas também não indica nenhum dado especifico que possa abalizar sem questionamento a data em que os eventos ocorrem.[4] Como mencionado acima em 2 Reis 14.27 Jonas é conectado com o reinado de Jeroboão II de Israel (793-753). É possível fazermos uma conexão entre o comissionamento de Jonas e de Eliseu com referência a Damasco, estabelecendo então um núcleo histórico para a narrativa. As observações de John L. Mackay (2008, p. 11) sobre essa questão são pertinentes:
O livro de Jonas é uma narrativa e tem muitas semelhanças com as narrativas sobre Elias e Eliseu registradas nos Livros dos Reis. De fato, Jonas foi seu sucessor. O ministério de Elias chegou ao fim em 847 aC, e o ministério de Eliseu pode ser datado por volta de 850-795 aC. Jonas provavelmente era um contemporâneo mais jovem de Eliseu, que sobreviveu a ele. Pouca informação é dada sobre a data de seu ministério, mas sua visita a Nínive parece se inserir no período de 780 a 755 aC.
 Apesar de não haver nenhum registro especifico sobre a Assíria o texto menciona uma convulsão religiosa tão intensa como a descrita em Jonas, durante o reinado de Ashurdan III em que houve um período de reservado monoteísmo que bem poderia ser relacionado com a pregação de Jonas. O arrependimento ou conversão de Nínive provavelmente ocorreu no reinado de Ashurdan III (773-755). Duas pragas (765 e 759) e um eclipse solar (763) podem ter preparado as pessoas para a mensagem Jonas (WILKINSON & BOA,1983. p. 257).
Historicidade
Mesmo para o leitor mais casual desta coleção dos Profetas Menores é perceptível que o livro de Jonas tem características distintas dos demais. Os outros são coleções de oráculos; em Jonas, ocorre apenas um oráculo profético (3.4) composto por cinco palavras no original (עוד ארבעים יום ונינוה נהפכת).
Existem muitos tipos literários diferentes no Primeiro Testamento, incluindo lamentos, canções de amor, parábolas, apocalipses e histórias. Em que categoria Jonas se enquadra? Esta não é uma questão puramente acadêmica, mas básica para a compreensão do livro. A questão não é da veracidade do que foi escrito, mas em que gênero[5] de literatura o autor escreveu sua narrativa.
Apesar de ser uma composição literária curta a discussão quanto ao seu gênero tem sido intensa, ainda que até os séculos XVIII e XIX, o livro tenha sido considerado quase exclusivamente como um acontecimento histórico, mas a partir do século XX surgiram muitas outras hipóteses para a historicidade do livro o que de certa forma tem ofuscado a própria mensagem do livro: “O Livro de Jonas é um estudo de caso de ‘bênçãos perdidas’ porque muitos leitores se concentram em suas supostas dificuldades e não em seus ricos ensinamentos” (SMITH e PAGE, 1995, p. 203). Abaixo temos um sucinto esboço das propostas mais proeminentes:[6]
Alegórico: É um tipo de literatura em que os principais termos do texto têm um significado oculto ou figurado, de maneira que se constituiu em uma história cuja série de incidentes é análoga a uma série paralela de acontecimentos que se pretende que eles ilustrem. Assim teríamos:
Jonas = a Israel;
a fuga de Jonas = o fracasso de Israel para cumprir sua missão missionária às nações;
o "grande peixe" = a Babilônia que engole Israel no cativeiro;
Jonas vomitado na praia = a restauração de Israel à sua pátria; Etc..
De fato o profeta Jeremias fala da Babilônia que "engole" a Israel "como um monstro", e "enche o seu estômago" dela (51.34). Então, no v. 44, Deus diz que Ele fará com “que lance de sua boca o que havia tragado...”. Todavia, mesmo que o grande peixe pudesse ser um representativo do Cativeiro babilônico, a Babilônia nunca é mencionada, e a Babilônia levou Judá (Reino do Sul), não Israel (Reino do Norte). Deste modo, o texto de Jeremias é insuficiente para transformar o livro inteiro de Jonas em uma alegoria. Além do que não se faz alegoria com personagem real e nenhuma alegoria nas Escrituras tem como seu protagonista um personagem histórico; outra crítica é que as alegorias no Antigo Testamento (por exemplo, Ec 12.3ss; Jr 25.15ss; Ez 19.2ss; 24.3ss; 27.3ss; Zc 11.4ss) são bastante breves e inconfundíveis em sua natureza alegórica, para que o leitor possa perceber de imediato a sua natureza alegórica para que seja eficaz, de modo que a história de Jonas não se enquadra nesse requisito (HARRISON, 1979, pp. 911-912).
Parabólico: Uma parábola é uma história, expressiva e com uma pontaria didática. A moral desta história - o amor de Deus para com as nações. Jonas tipifica “o judeu mesquinho, com seu exclusivismo, totalmente insensível para com as nações além de suas fronteiras. Entretanto, a sua forma e colocação no cânon inibe esta interpretação. a) é colocado entre os profetas e não entre os Escritos (poéticos); b) não é introduzido com uma formula genérica (tal como. “Um certo homem...”); c) comparado com outras parábolas do AT (Jz. 9.8ss; 2 Sm. 12.1; 14.6; 1 Rs. 20.39ss; 2 Rs. 14.9) Jonas é muito mais prolongado e complexo. Assim, pode se perceber claramente que esta interpretação do livro é imaginosa, e não resiste a uma análise mais sincera. É antes uma tentativa de se fugir dos aspectos sobrenaturais das Escrituras”.
Midrash: É um gênero exclusivo do judaísmo. É uma história contada para explicar um ponto teológico que geralmente está relacionado a um texto bíblico. No midrash do período rabínico e depois, o texto das escrituras é claramente designado com uma fórmula “como está escrito” ou seu equivalente, o que não é encontrado no texto de Jonas; outra questão é que não há um consenso entre os defensores desta proposta de qual seria a referência bíblica para a elaboração do midrash no caso de Jonas (2Rs 14.25; 2Cr 33.19). Os críticos desta proposta entendem que na narrativa de Jonas não se encontram os detalhes pitorescos característicos do midrash e de que a noção de midrash como um gênero específico é insuficientemente precisa ou insuficientemente entendida para ser aplicada neste caso.
            Sátiro: O comentarista bíblico McKenzie (2005, p. 1-21) argumenta que várias características literárias na narrativa de Jonas apontam para seu gênero e propósito geral como sendo de sátira e não especificamente histórico. Ele destaca elementos de humor, exagero, ironia e até ridículo. Desta forma eliminam-se as intermináveis discussões sobre se é possível uma pessoa passar três dias e noites na barriga de um grande peixe ou se a referência a Nínive no livro de Jonas é ou não um anacronismo histórico, o que acabam minimizando a essência da mensagem do livro que tem a ver com o preconceito, ódio, arrogância e intolerância em relação aos outros – no caso aqui exemplificado na rejeição de Jonas em cumprir a ordem direta de Deus para pregar a mensagem de arrependimento àqueles grupos que nós rejeitamos. A proposta ainda que interessante exclui a literalidade histórica do livro.
Mítico: Este ponto de vista assume que a história inteira é nada mais que um mito ou lenda que surgiu ao redor de algum incidente na história de Israel. Entretanto, essa ideia perdeu apoio no transcorrer do tempo, pois embora elementos da narrativa possam ser associados à linguagem mítica, não existe uma trama mítica claramente reconhecível.
Histórico: Esta interpretação assegura que a narrativa descreve eventos que de fato aconteceram como explica Lasor:
As indicações superficiais da narrativa levam naturalmente à interpretação histórica. Jonas, filho de Amitai, de fato viveu nos dias de Jeroboão II. A história é introduzida com a mesma formula padronizada de recepção: ‘Veio a palavra do SENHOR a Jonas...’ (Jn1.1). A apresentação não é em forma de sonho ou visão, mas numa situação em que se exige que Jonas se levante e siga para Nínive. O relato da tempestade, a reação dos marinheiros, suas práticas pagãs e até seus surpreendentes apelos e sacrifícios a Javé são contados como fatos históricos (1995, p. 416).
Os que contestam esta interpretação, o fazem principalmente com base no elemento sobrenatural da narrativa (o incidente do "grande peixe", por exemplo), mas nas Escrituras há inúmeros casos análogos como Ellisen exemplifica: Não aceitar essa história como verdadeira em virtude dos seus elementos miraculosos é questionar toda a estrutura sobrenatural da Bíblia. Os milagres de Moisés, Elias e Eliseu também teriam de ser rejeitados, a julgar por esse prisma (1991, p. 302).
Entretanto, todos os detalhes do livro favorecem um fato histórico. a) Jonas era uma pessoa histórica; b) Nínive foi uma cidade histórica; c) Os detalhes de comprar uma passagem, subir a bordo do navio e a definição do seu destino; d) A narrativa da tempestade, os marinheiros e suas reações, as suas práticas pagãs e sua oração e posterior sacrifício à Javé, tudo parece ser histórico. Outro argumento forte é que o livro inicia-se da mesma maneira que outras profecias. "Agora a palavra de Deus veio a Jonas...” (Jn 1.1).
E mais ainda, Jesus citou os acontecimentos narrados como um fato histórico (Mt.12.39-41; 16.4; Lc. 11.29-32):[7] a) assumindo que Jonas verdadeiramente esteve dentro de um grande peixe durante três dias; b) assumido que Jonas se constituiu num sinal genuíno para os habitantes de Nínive; c) admitindo que os habitantes de Nínive se arrependeram, e estarão entre aqueles que com Jesus julgarão outros no futuro; d) os habitantes de Nínive são incluídas juntamente com outras  figuras históricas - a Rainha de Sabá e Salomão. Tudo isto corrobora para que a interpretação histórica seja merecedora de ampla aceitação. E o fato de que este livro deva ser considerado histórico, não significa que não haja nenhuma lição parabólica ou espiritual a ser derivada dele.
            Concluímos esta questão da historicidade com as considerações finais do Professor Davidson (p. 1963, p. 872):
“Qualquer avaliação do caráter histórico do livro de Jonas precisa levar em consideração os fatos seguintes. Primeiro, o próprio Jonas, sem dúvida alguma, foi um personagem histórico, um profeta de Jeová em Israel (II Reis 14.25). Segundo, o livro foi lavrado na forma de narrativa histórica direta, não havendo indicação positiva que o livro deva ser interpretado doutra forma que não a literal. Terceiro, se esse livro é uma parábola ou alegoria, então é único e sem analogia entre os livros do Antigo Testamento. Quarto, nem os judeus nem os cristãos, até recentemente, jamais consideraram que o livro de Jonas registra outra coisa além de fatos reais, quaisquer que sejam as interpretações que tenham emprestado à sua mensagem. Finalmente, nosso Senhor Jesus Cristo claramente acreditava e sabia que o arrependimento dos homens de Nínive foi uma ocorrência real e é muito natural considerar Sua alusão aos ‘três dias e três noites no ventre do grande peixe’, da experiência de Jonas (Mt.12.40,41), do mesmo modo. Em adição, pode-se argumentar que a força total da auto vindicação de Jeová perante Jonas exige uma missão real a uma cidade pagã, um arrependimento verdadeiro de sua parte, e haverem seus habitantes sidos realmente ‘poupados’ pelo Senhor. Não é fácil acreditar que o desafio que diz. ‘E não hei de eu ter compaixão da grande cidade de Nínive...?’ tenha sido apresentado ao povo de Israel, por intermédio do escritor inspirado, mediante uma consideração puramente hipotética”.
Integridade do Livro.
            A questão que se coloca em relação ao livro de Jonas é também a dos demais livros bíblicos, se foi produzido por um único escritor ou se houve a participação de outros até que tomasse a forma final.
            No transcorrer do século XIX, não somente o livro de Jonas, mas praticamente todos os demais livros bíblicos foram rigorosa e minuciosamente dissecados pelos estudiosos interessados na redação ou composição deles. Nesta busca alguns estudiosos chegaram a encontrar vestígios de até quatro diferentes escritores que teriam influenciado na forma final do livro. Evidentemente, que grande parte de todas estas conclusões não encontra consistência à luz das novas descobertas e informações atuais.
A parte chamada “poética” (2.2-9) do livro de Jonas ainda hoje proporciona calorosas discussões acadêmicas. Muitos entendem que há incongruências entre este salmo e o restante do livro. Alguns optam pela autoria de Jonas, e que o restante do livro é de autoria exílica. Outros defendem justamente o oposto, ou seja, a parte em prosa é de autoria do próprio Jonas e parte salmódica é exílica. Entretanto, os estudiosos modernos tem defendido uma integridade do livro inteiro.
Concluo este ponto com as palavras do eminente escritor C. S. Lewis quando expressa suas reservas em relação aos críticos dos textos bíblicos, proferidas diante de uma plateia de estudantes de teologia em Cambridge:
Quaisquer que sejam esses homens como críticos bíblicos, desconfio deles como críticos. Eles me parecem carecer de julgamento literário, imperceptíveis sobre a própria qualidade dos textos que estão lendo. . . Esses homens me pedem para acreditar que podem ler nas entrelinhas dos textos antigos; a evidência é sua óbvia incapacidade de ler (em qualquer sentido que valha a pena discutir) as próprias linhas. Eles afirmam ver sementes de samambaia e não pode ver um elefante a dez jardas de distância em plena luz do dia.
... os acadêmicos, assim como os estudiosos, falam sobre ele com mais autoridade do que qualquer outra pessoa. O cânone "Se milagroso, não histórico" é o que eles têm aprendido/ensinado. Se alguém está falando de autoridade, a autoridade unida de todos os críticos bíblicos do mundo conta aqui por nada. Sobre isso eles falam simplesmente como homens; homens obviamente influenciados pelo espírito da época em que cresceram, e talvez insuficientemente críticos (apud, ALEXANDER, 1984, p. 1-2).
Mensagem do Livro.
            Infelizmente, os ensinos preciosos do livro de Jonas têm sido ofuscados pelas constantes disputas sobre o grande peixe, que é apenas um dos vários eventos sobrenaturais do livro mencionados na narrativa. Os valores perenes do livro são muito mais importantes e relevantes que a história do grande peixe ou de qualquer outra atividade sobrenatural em si mesma. Campbell Morgan sintetiza de forma singular esse ponto quando afirma que infelizmente, as pessoas "olham tão insistentemente para o grande peixe, que não conseguem olhar para o grande Deus" (1960, p. 69). Vejamos alguns aspectos contidos na mensagem desse precioso livro:
A. Enfatizar as mudanças produzidas por um arrependimento genuíno, que é o cerne da mensagem profética clássica. (Até mesmo uma nação pagã, pode experimentar tal transformação). O arrependimento somente pode ocorrer mediante a pregação da mensagem de Deus.
B. Enfatizar que o amor gracioso de Yahweh abrange todo o gênero humano, incluindo até mesmo um povo tão mau como Nínive, e não somente o povo de Israel. O que esta em perfeita consonância com a última ordem de Jesus para seus discípulos – ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura.
C. Ensinar que a Salvação depende exclusivamente de Yahweh, não havendo mérito alguma naqueles que são salvos e muito menos do pregador, que no caso de Jonas o faz contra sua própria vontade e esperando que seus ouvintes não venham a crer.
D. Para enfatizar a necessidade de submissão à vontade de Deus, de modo a participarmos de seu propósito soberano. O nosso modelo não é Jonas, mas Jesus Cristo – não a minha, mas a tua vontade.
E. Para enfatizar que Deus trabalha muitas vezes além de nossas próprias convicções teológicas, e não esta limitada a elas. O poder não está vinculado ao pregador, mas emana unicamente da Palavra de Deus na ação do Espírito Santo.  
F. Para ensinar que Deus é contra a arrogância e o orgulho espiritual. Os motivos pelos quais Jonas se recusa a pregar em Nínive são indignos de um profeta de Deus, mas com certeza o seu nacionalismo estreito é o mais execrável. O comentarista bíblico Feinberg coloca muito bem este aspecto: “Em 4.2 o profeta diz-nos qual foi o motivo de sua fuga. temia que a mensagem de Deus fosse bem-sucedida entre os ninivitas. O coração humano prefere naturalmente o juízo contra outros, em vez da manifestação da graça e misericórdia de Deus” (1988, p.134).
G. Para ensinar que Deus é compassivo para todos aqueles que venham a se arrepender, sem, todavia, alterar um milímetro a sua Justiça no que concerne a condenação do mal.
Cristologia em Jonas.
Através de Jonas, Cristo é retratado em sua ressurreição (Mt. 12.40); visto como um profeta às nações (embora obviamente não relutantemente como Jonas); e como o Salvador das nações. E na vida de Jonas, Ele é visto como o Salvador e Senhor (2.9).

RESUMO DO LIVRO
Texto.
4 Capítulos
Tempo.
Adotamos a provável data entre 785-760 a.C.
Resumo.
Jonas claramente demonstra que o Deus de Israel sempre esteve interessado no mundo inteiro, e que sua soberania se estende tanto sobre a natureza quanto à história humana. Jonas demonstra também que “a salvação pertence ao Senhor” (2.9), e que nem mesmo o preconceito nacionalista de seu profeta poderia frustrar o propósito salvador de Deus.
Palavras Importantes
Uma palavra que é repetida em vários tempos e que enfatiza a soberania de Deus é “preparar/dispor.” Deus prepara. o vento, a tempestade, o peixe, a planta, o verme, e um vento oriental. Um conceito central pode ser arrependimento e/ou conversão.

Capítulo  Central.
O terceiro capítulo destaca-se de forma maravilhosa, pois, registra um dos mais extraordinários movimento de arrependimento da história humana.
Versos Centrais.
2.8-9 “Os que se entregam à idolatria vã abandonam aquele que lhes é misericordioso. Mas, com a voz do agradecimento, eu te oferecerei sacrifício; o que votei pagarei. Ao SENHOR pertence a salvação!
3.10 “Viu Deus o que fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que tinha dito lhes faria e não o fez”.
4.2 “E orou ao SENHOR e disse. Ah! SENHOR! Não foi isso o que eu disse, estando ainda na minha terra? Por isso, me adiantei, fugindo para Társis, pois sabia que és Deus clemente, e misericordioso, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e que te arrependes do mal”.

Esboço.
I. A Fuga de Jonas (1.1-17)
A. A Razão para sua fuga (1.1-2)
B. A Rota de sua fuga (1.3)
C. Os Resultados de sua fuga (1.4-17)
II. A Oração de Jonas (2.1-10)
A. As Características da Oração (2.1-9)
B. A Resposta da Oração (2.10)
III. A Pregação de Jonas (3.1-10)
A. Deus ordena a Pregação (3.1-3)
B. O Conteúdo da Pregação de Jonas (3.4)
C. As Conseqüências da Pregação de Jonas (3.5-10)
IV. A Aprendizagem de Jonas (4.1-11)
A. Jonas se Queixa a Deus (4.1-3)
B. Deus ensina Jonas (4.4-11)
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
Universidade Presbiteriana Mackenzie
Outro Blog
Historiologia Protestante

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Referências Bibliograficas
ALEXANDER, T. Desmond. Jonah and genre. Tyndale Bulletin 36 (1985) 35-59.
______________________. Jonas. São Paulo. Vida Nova, 2001. [Série Cultura Bíblica – v. 23].
DAVIDSON, F. Jonas - O Novo Comentário da Bíblia, v.2. São Paulo. Edições Vida Nova, 1963.
FEINBERG, Charles L. Os Profetas Menores. São Paulo: Vida, 1988.
HARRISON, R. K.  An Old Testament Introduction,  Eerdmans, 1979.
KOOSTER, M. K. The Literary Genre of the Book of Jonah. Theological University Apeldoorn, 2019.
LASOR, W. Sanford, HUBBARD, Davi A. e BUSH, Frederic W. Panorama Del Antiguo Testamento - Mensaje, forma y transfondo del Antiguo Testamento. Buenos Aires: Nueva Creacion, 1995.
MACKAY, John L. Jonah, Micah, Nahum, Habakkuk, Zephaniah: God's Just Demands. Christian Focus Publications, 2008.
MCKENZIE, Steven L. How to Read the Bible: History, Prophecy, Literature—Why Modern Readers Need to Know the Difference, and What It Means for Faith Today. New York: Oxford University Press, 2005.
MORGAN, G. Campbell. The Minor Prophets. Westwood, 1960.
NOGALSKI, James D. The Book of the Twelve: Hosea–Jonah. Georgia: Smyth & Helwys Publishing, 2011. [The Smyth & Helwys Bible commentary, v. 18].
SELLIN, E. e FOHRER, G. Introdução ao Antigo Testamento. Tradução de D. Mateus Rocha. São Paulo: Ed. Academia Cristã Ltda, 2007.
SMITH, Billy K. e PAGE, Frank S. Amos, Obadiah, Jonah. Nashville, Tennessee: B&H Publishing Group, 1995. [The new American commentary, v. 19].
WILKINSON, Bruce & BOA, Kenneth. Talk Thru The Bible. Nashville. Thomas Nelson Publishers, 1983.



[1] Os “Doze” ou “Rolo dos Doze”, pois todos os escritos deles cabiam em um único rolo, enquanto que as literaturas de Isaías necessitavam de dois rolos inteiros.
[2]
[3] A seriedade com que a tradição judaica considera a história de Jonas é atestada por seu uso na sinagoga no Yom Kippur (dia da expiação), o mais solene dos grandes dias sagrados até os dias de hoje.
[4] As datas dos reis de Israel e dos respectivos profetas são as adotadas no Quadro Cronológico dos Reis e Profetas do Primeiro Testamento, mas a cronologia reflete apenas uma dentre várias possíveis - https://reflexaoipg.blogspot.com/2016/08/o-periodo-classico-do-profetismo-no-at.html
[5] "Gênero", emprestado do francês, é um termo usado para se referir ao tipo ou categoria de uma peça de literatura. Existem muitos gêneros literários.
[6] Para uma relação mais ampla das propostas literárias de Jonas, incluindo uma bibliografia sobre cada proposta, veja o excelente artigo: M. Burrows, “The Literary Category of the Book of Jonah,” in Translating and Understanding the Old Testament, ed. 11. T. Frank and W. L. Reed (Nashville: Abingdon, 1970), p.89.
[7] O esforço para se afirmar que Jesus em sua humanidade (esvaziado de sua glória divina) aceitou certas opiniões prevalecentes em seus dias, acarretam implicações que não podemos aceitar.

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