quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Natividade: Cantada Natalina Segundo Lucas – Glória in Excelsis (Lc 2.14)



Lucas continua a compor sua pequena e impressionante cantada natalina.[1] O primeiro cântico teve como solista nada menos do que a própria Maria (Magnificat) e depois temos mais um solo entoado agora por Zacarias (Benedictus). Então o evangelista registra agora o refrão do que foi o terceiro cântico, entoado pelo maior e mais extraordinário coral de anjos.[2] Este cântico recebe o titulo de Glória.
A última palavra deste refrão (eudokia) que em português é traduzida “boa vontade” RC e “quer bem” RA também pode ser traduzida por “benevolência/beneplácito” e é uma palavra rara no vocabulário do NT. Podemos encontrá-la na oração de louvor de Jesus: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste às criancinhas; assim é, ó Pai, porque assim te aprouve” (Lc 10.21).
Este cântico está perfeitamente conectado com o cântico anterior (Benedictus) ao utilizar a palavra “paz” que é a última palavra do cântico de Zacarias e se conectará ao próximo cântico (de Simeão) através do termo “glória”, que Lucas retomara após a ressurreição no dialogo de Jesus com os dois discípulos de Emaús (Lc. 24.26).
Como característica literária de Lucas este terceiro cântico trás também o contraste céu/terra uma vez que o nascimento de Jesus implica que enquanto Deus é glorificado no céu aos homens na terra é oferecida a paz.
Esta paz somente é possível por causa da encarnação do Filho de Deus que haverá de por meio de seu sacrifício no calvário reconciliar (pacificar) o ser humano pecador com o Deus eterno (Rm 5.1,1; 2 Co 5.18-21).
Aos anjos resta apenas glorificarem a Deus nas alturas (céus), pois jamais tinham presenciado tamanha manifestação da bondade de Deus e/ou seu beneplácito para com aqueles aos quais elegeu por sua graça.
paz  aqui cantada será uma realidade tão somente na vida daqueles que são alvos desta graça salvadora de Deus (Is 26.3,12; Ag 2.9; Zc 9.10; Lc 1.78,79; Jo 14.27; 16.33; Rm 5.1; Ef 2.14,17; Co 1.20). A obra da reconciliação que estabelece a paz entre o pecador e Deus começa e se conclui unicamente na e pela graça divina, pois nenhum ser humano é merecedor ou pode alcança-la por seus próprios esforços.
Impactados por tão extraordinária mensagem os pastores deixam tudo (como faram posteriormente os discípulos) e vão verificar in loco este sinal anunciado. “Vendo-o, contaram a palavra que lhes fora dita a respeito do menino” (v.17). Ao compartilharem a mensagem eles tornam-se preceptores dos próprios discípulos que ao final receberão a grande comissão de irem e proclamarem a mensagem da reconciliação.
Ao registrar que “todos os que os ouviram ficavam maravilhados...” (v.18) e que eles “voltam, glorificando a Deus” (v.20) Lucas amplia e engloba seus leitores que também é chamado a glorificarem a Deus por tudo o que acabam de lhes ser compartilhado.
            Cada uma das composições da Cantata Natalina nos envolve em uma atmosfera de alegria e louvor. Louvam os personagens humanos: Zacarias, Isabel, Maria, os pastores, os anciões Simeão e Ana que somados às vozes angelicais formam o grande Coral. Esta atmosfera se manifesta nos lares, no campo e no templo – em todo lugar. Uma alegria que não pode ser contida e que extravasa e extrapola!
            O plano redentor de Deus está sendo manifestado e não há obstáculo que possa impedir sua concretização – nem toda maldade humana e nem o inferno inteiro podem se opor aos desígnios do Altíssimo. Por esta razão o jubilo não pode ser contido e permeia a todos através dos cânticos.
No Primeiro Testamento temos um conjunto de cento e cinquenta cânticos (Saltério/Salmos);[3] o último livro do cânon bíblico (Apocalipse) contém as mais extraordinárias composições hínica que extrapolam o tempo e espaço. As primeiras comunidades cristãs incorporaram desde os primeiros momentos os cânticos em suas reuniões e liturgias; os cristãos martirizados cantavam diante de seus algozes e da plateia ensandecida e seus cânticos penetravam aquelas mentes empardecidas e quebrantava aqueles corações enrijecidos pelo pecado e violência.
            Nestes dias turbulentos e onde aparentemente o mal parece ser incontido, como cristãos podemos a plenos pulmões entoarmos os cânticos que manifestam a glória e o poder do nosso Deus, pois o Natal é um testemunho perene de que Somos Mais do Que Vencedores por causa Daquele que nos amou!
Glória a Deus nos mais altos céus,
e paz na terra àqueles  a quem Deus quis derramar sua graça!”
            Na mesma proporção em que os cristãos pós-modernos perdem a capacidade de se emocionar e contemplar a glória de Deus e de apreender o valor imensurável da paz que emana da cruz, o cristianismo perde seu maior poder de atração e torna-se uma luz pálida no meio das tensas trevas que permeia a sociedade humana.
Glória que sobe do homem a Deus, da terra ao céu.
Paz que desce de Deus ao homem, do céu à terra.
Glória a Deus nos mais altos céus,
e paz na terra   a quem Deus quis derramar sua graça!”

O cântico dos anjos revela porque existe o Natal:
a glória de Deus e a nossa paz.

Precisamos urgentemente resgatar essa genuína mensagem do Natal!

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/

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Referências Bibliográficas
ASH, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas. Tradução Neyd V. Siqueira. São Paulo: Editora Vida Cristã, 1980.
BETTENCOURT, Estevão. Para Entender os Evangelhos.  Rio de Janeiro: Agir, 1960.
CARSON D. A., DOUGLAS, J. Moo & MORRIS, Leon. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1997.
CASALEGNO, Alberto. Lucas – a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Edições Loyola, 2003.
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado – versículo por versículo, v. II. São Paulo: Millenium, 1987.
________________________. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, v.3. São Paulo: Candeia, 1995.
LEAL, João. Os Evangelhos e a Crítica Moderna. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1945.
MORRIS, Leon L. Lucas – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 2008. [Série Cultura Cristã].
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento - sua origem e análise, 2a ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.


[1] Os mais antigos cânticos judaico-cristãos palestinos, os hinos das cartas de Paulo, nas quais Cristo é considerado o centro de todo o desígnio salvífico de Deus Fp 2.6-11; Ef 1.3-14; Cl 1.15-20), e o prólogo do Evangelho de João (Jo 1.1-18), cume da composição de hinos do Novo Testamento.
[2] Anjo é a palavra grega para “Mensageiro”. Eles aparecem desde cedo na Bíblia. Suas manifestações são chamadas de “angelofania”.
[3] Mas o gênero literário de “hino” não aparece somente no Saltério: encontramo-lo ao longo de toda a Bíblia, desde o Pentateuco (Dt 32), passando pelos Profetas anteriores (Jz 5; 1 Sm 2.1-10; 2 Sm 22) e posteriores (Is 12.1-6), segundo a terminologia hebraica, até chegar aos livros sapienciais (Jó, Cantares).

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