“Portanto, assim como Deus regenera apenas os eleitos com uma semente incorruptível para sempre — de modo que a semente de vida semeada em seus corações jamais pereça — assim também Ele sela firmemente neles o dom de Sua adoção, para que seja estável e seguro.” (Institutas, 3.2.11)
João Calvino, nas Institutas da Religião Cristã, apresenta a doutrina da adoção como uma expressão profunda da graça divina: um dom irrevogável que nos permite chamar Deus de “Pai” com plena confiança. Essa filiação não é apenas um status legal (justificação), mas uma realidade espiritual garantida pela regeneração operada pelo Espírito Santo e selada com sua presença constante.
A doutrina da adoção cristã ocupa lugar central no pensamento bíblico teológico de Calvino. Para ele, ninguém ousaria chamar Deus de “Pai” por iniciativa própria. Tal liberdade só é possível porque, em Cristo, fomos feitos filhos pela graça soberana. A adoção é um dom divino, não uma presunção humana. O Espírito Santo, ao efetivar em nós a regeneração, sela essa filiação de modo firme e irrevogável, de maneira que o novo nascimento e a adoção constituem realidades permanentes na vida dos eleitos. Uma vez adotados, somos filhos de Deus para sempre. Isso não significa que não pecaremos mais, pois ainda carregamos nossa natureza pecaminosa. É por essa razão que Davi pode ser chamado o “homem segundo o coração de Deus”, mesmo tendo um prontuário espiritual revelador de seus muitos pecados, porém nada diferente dos nossos.
Ao refletir sobre essa verdade, Sinclair B. Ferguson segue exatamente a trilha aberta por Calvino. Em sua teologia da adoção, Ferguson não descreve nossa relação com o Pai como um mero convite externo, mas como uma introdução real e eficaz à família de Deus. Não éramos apenas estrangeiros — estávamos mortos em nossos delitos e pecados. Portanto, não poderíamos responder a um simples convite; antes, Deus nos vivificou, nos uniu a Cristo e nos trouxe para dentro de Sua própria casa. O Espírito de adoção não apenas nos chama, mas testifica em nosso interior que pertencemos ao Pai, sustentando nossa identidade filial com segurança e esperança.
Encontramos uma maravilhosa ilustração desta verdade na parábola contada por Jesus de um filho pródigo, que se afasta voluntariamente do seu pai e desperdiça tudo que tinha. Então caindo em si o jovem - não volta para casa reivindicando direitos - ao contrário, retorna com a perspectiva mínima de ser recebido, quando muito, como um mero empregado. Mas o pai corre ao seu encontro, cobre-o de graça e o reintegra como filho, devolvendo-lhe vestes, anel e sandálias — símbolos claros de filiação plena, não de uma posição servil. Aquele rapaz que se contentaria com um trabalho, recebe do pai filiação; ele que buscava apenas a sobrevivência; recebe a reconciliação. O cerne da parábola mostra que a adoção não é uma promoção moral, uma mudança de hábitos, mas uma decisão soberana do Pai que reintroduz o rebelde ingrato, no círculo do amor filial.
Portanto, há uma convergência de pensamento entre Calvino, Ferguson e o próprio Cristo:
· A adoção é resultante da eleição eterna em Cristo.
· A regeneração é o meio pelo qual somos preparados para participar dessa filiação.
· O Espírito Santo é o selo permanente que garante nossa pertença à família divina.
· E a autêntica vida cristã, nos reconcilia e pacífica com Deus, é vivenciada a partir da certeza de que fomos inseridos, reintegrados e estabelecidos como filhos - não como servos contratados - na casa do Pai.
De maneira que, a ousadia de podermos chamar Deus de Pai, não nasce da iniciativa ou esforço humano, mas da ação divina totalmente graciosa que nos insere plenamente à família celestial. Somos filhos não por mérito pessoal, mas pela graça que emana da cruz; não por esforço pessoal, mas pelo ato de adoção eterna do Pai, plenamente realizada pelo Filho e efetivamente aplicada pelo Espírito. Como o filho pródigo restaurado, não vivemos para conquistar um lugar na casa — vivemos porque já recebemos esse lugar, por pura e imutável misericórdia.
“Contemplem que amor tão extraordinário o Pai nos concedeu: fomos feitos dignos de ser chamados filhos de Deus — e não apenas chamados, mas realmente o somos” (1 João 3:1).
Não se trata de uma promessa futura, mas de uma realidade aqui e agora.
Utilização livre desde que citando a fonteGuedes, Ivan PereiraMestre em Ciências da Religião.me.ivanguedes@gmail.comOutro BlogHistoriologia Protestante
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