Nos primeiros capítulos de Gênesis (1–11), Deus se revela ao mundo
mostrando quem Ele é e, ao mesmo tempo, revelando quem nós somos. Esses
capítulos explicam por que o mundo está em desordem, porque a humanidade está
perdida e sem direção: não é apenas uma questão social ou política, mas, em sua
essência, espiritual. O pecado rompeu nossa relação com Deus, conosco mesmos e
com a criação. Em Gênesis 3, vemos a raiz da nossa condição: o pecado
trouxe maldição sobre toda a criação. E, ao avançarmos para o capítulo 4
e seguintes, percebemos que a situação não melhora — a humanidade continua
marcada pela queda. João Calvino em seu comentário de Gênesis vai nesta mesma direção
ao comentar os capítulos 3–4 como a revelação da gravidade do pecado e da sua
propagação inevitável, ele conclui que a ruptura com Deus não apenas afeta a
relação espiritual, mas também corrompe a vida humana e a criação.
Fomos criados como seres de adoração, feitos para encontrar nosso
propósito em Deus. Como declarou Agostinho de Hipona: “Fizeste-nos para Ti,
e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em Ti.” Desta forma,
manter a alienação de Deus, é cultivar uma vida permanece vazia e sem direção, pois
somente n’Ele encontramos descanso e significado.
O problema é que quando não buscamos n’Ele o nosso valor e
significado, acabamos procurando em outras coisas. Essas buscas podem até
trazer satisfação momentânea, mas no fim deixam nossas almas vazias e falidas. Calvino
em suas Institutas (livro I, cap. 1) declara afirmativamente que a sabedoria
que gera vida espiritual e norteia toda a existência humana está na junção
entre o conhecimento de Deus (sua majestade, santidade e graça) e o
conhecimento de nós mesmos (nossa fragilidade, dependência e necessidade de
redenção), de maneira que qualquer conhecimento ou teologia que ignore essa
relação se torna ilusório ou enganoso.
Gênesis 4 nos mostra que a depravação não ficou restrita a Adão e
Eva, mas se espalhou para seus filhos e descendentes. Miller elabora uma
análise concentrada nos três primeiros capítulos de Gênesis, demonstrando que revelam
a estrutura fundamental da existência humana: criados à imagem de Deus,
chamados à comunhão e à obediência. Para ele o pecado original produz uma
espiral de alienação: primeiro contra Deus, depois contra si mesmo, e
finalmente contra o próximo. De maneira que Gênesis 4 é a continuação lógica da
queda: o ser humano, afastado de Deus, inevitavelmente se volta contra o
próximo.
A relevância destes 11 primeiros capítulos de Gênesis é que ele se
constitui em uma ferramenta hermenêutica para interpretarmos corretamente os
próximos capítulos (e porque não dizer o restante de toda a Escritura) que se
inicia com Abraão como desdobramento da promessa de Gênesis 3.15 — o
descendente da mulher que esmagaria a cabeça da serpente — que através da
Aliança que Deus estabelecerá com ele, começará a tomar forma, apontando para a
vinda do Messias. De maneira que, desde a queda, a humanidade não melhorou;
pelo contrário, mergulhou cada vez mais fundo na corrupção. Mas, em meio a essa
escuridão, resplandece a promessa da vinda de Cristo.
O nascimento de Caim trouxe decepção: em vez de ser um salvador,
tornou-se assassino de seu irmão Abel. A perseguição aos servos de Deus aparece
já nas primeiras páginas das Escrituras. À primeira vista, parece que Satanás
venceu novamente. Mas não! A morte de Abel não interrompe a linhagem da
promessa.
“Tornou Adão a conhecer sua mulher, e ela deu à luz um filho, a
quem pôs o nome de Sete, porque, disse ela: Deus me deu outro filho em lugar de
Abel, porquanto Caim o matou” (Gn 4.25). E “A
Sete também nasceu um filho, a quem pôs o nome de Enos. Foi nesse tempo que os
homens começaram a invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26).
Assim como Eva teve sua esperança renovada com o nascimento de
Sete, também nós, em meio às decepções da vida, podemos ser reabastecidos pela
esperança eterna que vem da graça de Deus. O Senhor nunca deixa que a falsa
vitória de Satanás prevaleça.
Sete representa um novo começo, uma nova linhagem marcada pela fé.
É a descendência da promessa que culmina em Cristo Jesus. E essa nova
espiritualidade é descrita assim: “Naqueles dias, as pessoas começaram a
invocar o nome do Senhor” (Gn 4.26). Invocar o nome do Senhor é a marca dos
que pertencem a Ele. Não são folhas secas levadas pelo vento, mas árvores
plantadas junto às águas, que dão fruto em abundância.
Vivemos em dias sombrios, espiritualmente e moralmente. Por isso,
nossa primeira e mais importante atitude deve ser esta: entrar na presença de
Deus e invocar o Seu nome. O apóstolo Paulo escreveu: “À igreja de Deus que
está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus e chamados para serem seu
povo santo, juntamente com todos os que, em toda parte, invocam o nome de nosso
Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.” (1Co 1.2). Invocar o nome do
Senhor é a identidade do cristão. É a nossa esperança, é a nossa vitória.
Oração
Senhor,
obrigado porque, mesmo em meio à queda e à depravação humana, Tu manténs viva a
promessa da salvação. Ensina-nos a invocar o Teu nome com fé e esperança,
lembrando que em Cristo temos uma nova identidade e uma vitória eterna. Amém.
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Referências Bibliográficas
AGOSTINHO, Santo. Confissões.
São Paulo: Paulus, 1997.
CALVINO, João. Comentário sobre Gênesis.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009.
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã.
São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2006.
MILLER, Monica Migliorino. In the
Beginning: Critical Lessons for Our World from the First Three Chapters of
Genesis. Steubenville: Emmaus Road Publishing, 2001.
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