As correspondências de Paulo com a igreja estabelecida em Corinto
não foram das mais fáceis nem das mais agradáveis. Entre as comunidades
fundadas pelo apóstolo dos gentios, a de Corinto se destaca como uma das mais
problemáticas. As cartas revelam um tom que oscila entre a ternura pastoral e a
firmeza corretiva, sempre tendo o propósito de conduzir aqueles primeiros
cristãos coríntios a uma vida coerente com o evangelho.
Paulo estabelece essa igreja no transcorrer de sua segunda viagem
missionária (aprox. 49–52 d.C.), vindo de uma experiência um tanto frustrante
da cidade de Atenas, onde havia pregado (ou pelo menos tentado) no Areópago,
mas o resultado foi mínimo com as conversões de Dionísio e Dâmaris). Mas encontra animo e disposição em Corinto e
ali permanece por um período aproximado de um ano e meio (At 18.11), pregando o
evangelho e consolidando a essa comunidade cristã.
Foi nesse período que trabalhou como fazedor de tendas (seu ofício
aprendido na infância, pois todo menino judeu tinha que aprender uma
profissão), na companhia de um casal muito querido do apóstolo, Áquila e
Priscila, que haviam sido expulsos de Roma quando se intensificou a perseguição
contra os judeus. Também vieram somar ao esforço missionário de Paulo outros
dois membros da equipe enviada de Antioquia: Silas e Timóteo.
Mas a redação da Primeira Carta aos Coríntios acontece algum tempo
depois, entre 5 e 7 anos, conforme consenso de diversos comentaristas bíblicos.
Ocorre em um momento decisivo, quando Paulo planejava seguir para a Grécia e a
Macedônia, mas decidiu permanecer em Éfeso até a festa de Pentecostes (1 Co
16.5-8). Entretanto, circunstâncias adversas — incluindo uma onda forte de
oposição que se levantou contra ele (At 19.21–20.3) — o levaram a antecipar sua
partida. Diante de todo esse contexto histórico, estabeleceu-se o consenso de
que ele escreveu essa epístola no início do ano 57 d.C.
O longo tempo decorrido entre a elaboração e envio da carta e o início
das atividades missionárias de Paulo naquela cidade, revelam que o apostolo
mantinha cuidados pastorais com as comunidades por ele iniciadas. Calvino
entende que o tempo decorrido demonstra que Paulo, mesmo distante temporalmente,
continuava sentindo-se responsável por corrigir e instruir os coríntios,
reafirmando seu papel pastoral.
A cidade de Corinto
Quando entendemos a geografia da cidade e sua relevância logística,
entendemos a razão do esforço de Paulo em estabelecer nela uma forte comunidade
cristã.
Corinto era uma das cidades mais prósperas e conhecidas da Grécia
antiga. Situava-se em um ponto estratégico, no istmo (estreita faixa de terra
que liga duas áreas maiores e separa dois corpos de água) que conectava o
Peloponeso ao continente grego. Essa localização privilegiada fazia dela um
centro de passagem obrigatório tanto para o comércio terrestre quanto para o
marítimo.
A cidade se estendia por uma planície, ao pé do Acrocorinto, uma
colina imponente que servia como fortaleza natural e tinha relevância das diversas
religiões pagãs. Sua posição geográfica a transformava em um verdadeiro cruzamento
comercial, por onde circulavam mercadorias e pessoas vindas da Ásia em direção
à Europa e vice-versa.
Além da relevância econômica, Corinto também se transformara em um
caldeirão cultural e religioso. Essa mistura de riqueza, luxo e religiosidade
decadente deu fama à cidade como um lugar de excessos. A ponto de
pejorativamente se usar o termo “corintianizar” como sinônimo de libertinagem
e vida desenfreada. Escritores da época mencionam Corinto como um centro de devassidão.
Um dos cultos pagãos mais concorrido era o do templo de Afrodite, denominada de
deusa do amor sensual. Ao redor e nas dependências do próprio templo,
localizado no Acrocorinto, centenas de mulheres trabalhavam como prostitutas
sagradas, sustentadas em grande parte por estrangeiros que visitavam a cidade,
mas também uma grande parcela eram escravas e obrigadas a se submeterem à
exploração sexual e à idolatria.
Outro templo notável era o de Apolo, localizado na encosta norte do
Acrocorinto. Ele era venerado como deus da luz, da profecia, da poesia, da
música, da cura e da juventude, mas também associado a peste e à morte súbita. Seus
cultos tinham forte ligação com a adivinhação. O Oráculo de Delfos era
consultado por líderes e cidadãos para decisões políticas, militares e
pessoais.
Não sem razão o apostolo Paulo conclui da relevância de se
estabelecer uma igreja naquela cidade. De fato o desafio diante do apostolo era
tremendo e humanamente impossível, mas Paulo estava sendo conduzido pelo
Espírito Santo e portanto, não há impossíveis para Deus. O teólogo W. D.
Chamberlain pensando nos grandes desafios de Paulo, escreveu: “Se o
Evangelho pôde triunfar em Corinto, pode vencer em qualquer circunstância.”
Problemáticas da igreja de Corinto
Para melhor compreendermos as problemáticas desta igreja é preciso
levar em conta o contexto acima mencionado. Após sua fundação, e durante a
ausência de Paulo, começaram a surgir graves dificuldades, que podem ser vistas
no próprio conteúdo da correspondência.
1.
Partidarismo
Interno. A igreja acabou por produzir um emaranhado de facções,
ao redor de nomes e figuras conhecidas. Alguns exaltavam Apolo, admirado por
sua eloquência e erudição (1 Co 1.12; 3.4; cf. At 18.24–19.1). Outros diziam
ser seguidores de Pedro, um dos apóstolos originais. Havia também os que se declaravam
de Cristo, rejeitando qualquer liderança humana. Essas divisões apenas corroía a
unidade e o testemunho da igreja.
2.
Imoralidade
Crescente. Muitos cristãos, ainda pressionados por uma
cultura de imoralidade, voltaram a práticas antigas. Paulo tem que tratar com
firmeza casos de pecados graves, como a imoralidade sexual (1 Co 5).
3.
Disputas
Legais Públicas. Os membros da igreja estavam
levando suas disputas aos tribunais seculares (1 Co 6), expondo a comunidade ao
escárnio público.
4.
Deturpação
Cúlticas. A própria Ceia do Senhor havia se transformado
em banquetes descontrolados, onde alguns se excediam, enquanto outros passavam
necessidade (1 Co 11.17-34).
5.
Questões
práticas. O apostolo aproveita a carta para responde
dúvidas sobre casamento e celibato (cap. 7), alimentos sacrificados a ídolos
(cap. 8), e sobre o papel das mulheres no culto (cap. 11.2-16).
6.
Dons
espirituais. Paulo utiliza três capítulos 12 a
14 para esclarecer sobre o que é e a relevância dos dons espirituais, mostrando
que ninguém é dono do dom e que a diversidade deveria servir para edificação,
não para competição.
7.
A
ressurreição. No capítulo 15, o apostolo
esclarece as dúvidas e corrige o ceticismo sobre a realidade e a natureza da
ressurreição, reafirmando sua centralidade na fé cristã.
Examinado tão rapidamente o conteúdo desta epistola é assustador de
como ela é tão pouco valorizada em sua integralidade e pregada exaustivamente
nos púlpitos contemporâneos. Este silêncio é profundamente revelador. Como se
não se levantar essas questões hoje, significa que estas problemáticas não
existam. É muito provável que a pujança de Igreja tem perdido sua força,
justamente porque não tem tratado as suas próprias problemáticas.
Fontes de informação de Paulo
O apostolo Paulo nunca trabalhou. Se ele estava ausente por um
tempo longo, como sabia os detalhes acima referido. Ele recebeu relatos de
diferentes fontes.
·
Paulo
tinha uma boa rede de colaboradores - Timóteo, Tito, Silas e Lucas - que percorriam
as igrejas estabelecidas e traziam notícias delas.
·
Uma
família - a casa de Cloé (1 Co 1.11), procurou Paulo e lhe informou sobre
várias desta questões que estavam permeando a igreja de Corinto.
·
Até
mesmo uma possível delegação da igreja, composta por Estéfanas, Fortunato e
Acaico (1 Co 16.17), estiveram com Paulo relatando-lhe os ocorridos após a
ausência do apostolo.
Com fortes indícios, porém sem comprovação histórica, Paulo indica
que já havia escrito uma carta anterior (agora perdida) e talvez feito uma
visita breve à cidade. E pessoalmente ele enviou Timóteo (1 Co 4.17; 16.10) e, posteriormente
Tito, seus colaboradores próximos, em diferentes momentos. Tudo isso demostra o
cuidado pastoral constante do apóstolo com a comunidade de Corinto.
Portanto, esta Primeira Carta aos Coríntios não é apenas um
documento histórico, mas um retrato vivo da luta da igreja cristã em meio a uma
sociedade complexa e corrompida. O apostolo deixa claro que o Evangelho não deve
sucumbir diante das pressões cotidianas e nem se amalgamar com as culturas ou
moralidade frouxa, liberal e lasciva da sociedade onde esteja inserida, mas deve
ser um agente de transformação de vidas independente do contexto.
Corinto, apesar de ser conhecida pela seu paganismo e depravação
escancarada, veio a se constituir em palco da manifestação da graça de Deus. E
o testemunho daquela igreja continua sendo um lembrete. onde o pecado se
multiplica, a graça de Deus deve abundar ainda mais (Rm 5.20).
Cartas
ou Epístolas?
http://reflexaoipg.blogspot.com.br/2016/07/cartas-ou-epistolas.html
NT -
As Epístolas Paulinas: Introdução Geral
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Epístolas
Paulinas: Data e Autoria Conservadores e Liberais
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Epístolas
Paulinas: Romanos (Tema e Propósito)
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Gálatas:
Introdução Geral
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Introdução
Geral NT
http://reflexaoipg.blogspot.com/2016/01/nt-introducao-geral.html
Referências Bibliográficas
BRAY, Gerald L.; ODEN, Thomas C. 1-2 Corinthians: Volume 7 (Ancient
Christian Commentary on Scripture). Downers Grove: InterVarsity Press, 1999.
CALVIN, John. Commentary on Corinthians – Volume 1 – Enhanced
Version (Calvin’s Commentaries Book 39). [S.l.]: Calvin’s Commentaries, 1848.
BAILEY, Kenneth E. Paul
Through Mediterranean Eyes: Cultural Studies in 1 Corinthians. Downers
Grove: InterVarsity Press, 2011.
BRAY, Gerald L.; ODEN, Thomas C. 1-2
Corinthians: Volume 7 (Ancient Christian Commentary on Scripture). Downers
Grove: InterVarsity Press, 1999.
CALVIN, John. Commentary on Corinthians –
Volume 1 – Enhanced Version (Calvin’s Commentaries Book 39). [S.l.]:
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MORRIS, Leon. Coríntios 1. Série
Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1981.
KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios.
São Paulo: Cultura Cristã, 2003.


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