sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Paulo - 1 Coríntios: Contexto Histórico Geográfico

As correspondências de Paulo com a igreja estabelecida em Corinto não foram das mais fáceis nem das mais agradáveis. Entre as comunidades fundadas pelo apóstolo dos gentios, a de Corinto se destaca como uma das mais problemáticas. As cartas revelam um tom que oscila entre a ternura pastoral e a firmeza corretiva, sempre tendo o propósito de conduzir aqueles primeiros cristãos coríntios a uma vida coerente com o evangelho.

Paulo estabelece essa igreja no transcorrer de sua segunda viagem missionária (aprox. 49–52 d.C.), vindo de uma experiência um tanto frustrante da cidade de Atenas, onde havia pregado (ou pelo menos tentado) no Areópago, mas o resultado foi mínimo com as conversões de Dionísio e Dâmaris).  Mas encontra animo e disposição em Corinto e ali permanece por um período aproximado de um ano e meio (At 18.11), pregando o evangelho e consolidando a essa comunidade cristã.

Foi nesse período que trabalhou como fazedor de tendas (seu ofício aprendido na infância, pois todo menino judeu tinha que aprender uma profissão), na companhia de um casal muito querido do apóstolo, Áquila e Priscila, que haviam sido expulsos de Roma quando se intensificou a perseguição contra os judeus. Também vieram somar ao esforço missionário de Paulo outros dois membros da equipe enviada de Antioquia: Silas e Timóteo.

Mas a redação da Primeira Carta aos Coríntios acontece algum tempo depois, entre 5 e 7 anos, conforme consenso de diversos comentaristas bíblicos. Ocorre em um momento decisivo, quando Paulo planejava seguir para a Grécia e a Macedônia, mas decidiu permanecer em Éfeso até a festa de Pentecostes (1 Co 16.5-8). Entretanto, circunstâncias adversas — incluindo uma onda forte de oposição que se levantou contra ele (At 19.21–20.3) — o levaram a antecipar sua partida. Diante de todo esse contexto histórico, estabeleceu-se o consenso de que ele escreveu essa epístola no início do ano 57 d.C.

O longo tempo decorrido entre a elaboração e envio da carta e o início das atividades missionárias de Paulo naquela cidade, revelam que o apostolo mantinha cuidados pastorais com as comunidades por ele iniciadas. Calvino entende que o tempo decorrido demonstra que Paulo, mesmo distante temporalmente, continuava sentindo-se responsável por corrigir e instruir os coríntios, reafirmando seu papel pastoral.

A cidade de Corinto

Quando entendemos a geografia da cidade e sua relevância logística, entendemos a razão do esforço de Paulo em estabelecer nela uma forte comunidade cristã.

Corinto era uma das cidades mais prósperas e conhecidas da Grécia antiga. Situava-se em um ponto estratégico, no istmo (estreita faixa de terra que liga duas áreas maiores e separa dois corpos de água) que conectava o Peloponeso ao continente grego. Essa localização privilegiada fazia dela um centro de passagem obrigatório tanto para o comércio terrestre quanto para o marítimo.

A cidade se estendia por uma planície, ao pé do Acrocorinto, uma colina imponente que servia como fortaleza natural e tinha relevância das diversas religiões pagãs. Sua posição geográfica a transformava em um verdadeiro cruzamento comercial, por onde circulavam mercadorias e pessoas vindas da Ásia em direção à Europa e vice-versa.

Além da relevância econômica, Corinto também se transformara em um caldeirão cultural e religioso. Essa mistura de riqueza, luxo e religiosidade decadente deu fama à cidade como um lugar de excessos. A ponto de pejorativamente se usar o termo “corintianizar” como sinônimo de libertinagem e vida desenfreada. Escritores da época mencionam Corinto como um centro de devassidão. Um dos cultos pagãos mais concorrido era o do templo de Afrodite, denominada de deusa do amor sensual. Ao redor e nas dependências do próprio templo, localizado no Acrocorinto, centenas de mulheres trabalhavam como prostitutas sagradas, sustentadas em grande parte por estrangeiros que visitavam a cidade, mas também uma grande parcela eram escravas e obrigadas a se submeterem à exploração sexual e à idolatria.

Outro templo notável era o de Apolo, localizado na encosta norte do Acrocorinto. Ele era venerado como deus da luz, da profecia, da poesia, da música, da cura e da juventude, mas também associado a peste e à morte súbita. Seus cultos tinham forte ligação com a adivinhação. O Oráculo de Delfos era consultado por líderes e cidadãos para decisões políticas, militares e pessoais.

Não sem razão o apostolo Paulo conclui da relevância de se estabelecer uma igreja naquela cidade. De fato o desafio diante do apostolo era tremendo e humanamente impossível, mas Paulo estava sendo conduzido pelo Espírito Santo e portanto, não há impossíveis para Deus. O teólogo W. D. Chamberlain pensando nos grandes desafios de Paulo, escreveu: “Se o Evangelho pôde triunfar em Corinto, pode vencer em qualquer circunstância.”

Problemáticas da igreja de Corinto

Para melhor compreendermos as problemáticas desta igreja é preciso levar em conta o contexto acima mencionado. Após sua fundação, e durante a ausência de Paulo, começaram a surgir graves dificuldades, que podem ser vistas no próprio conteúdo da correspondência.

1.     Partidarismo Interno. A igreja acabou por produzir um emaranhado de facções, ao redor de nomes e figuras conhecidas. Alguns exaltavam Apolo, admirado por sua eloquência e erudição (1 Co 1.12; 3.4; cf. At 18.24–19.1). Outros diziam ser seguidores de Pedro, um dos apóstolos originais. Havia também os que se declaravam de Cristo, rejeitando qualquer liderança humana. Essas divisões apenas corroía a unidade e o testemunho da igreja.

2.     Imoralidade Crescente. Muitos cristãos, ainda pressionados por uma cultura de imoralidade, voltaram a práticas antigas. Paulo tem que tratar com firmeza casos de pecados graves, como a imoralidade sexual (1 Co 5).

3.     Disputas Legais Públicas. Os membros da igreja estavam levando suas disputas aos tribunais seculares (1 Co 6), expondo a comunidade ao escárnio público.

4.     Deturpação Cúlticas. A própria Ceia do Senhor havia se transformado em banquetes descontrolados, onde alguns se excediam, enquanto outros passavam necessidade (1 Co 11.17-34).

5.     Questões práticas. O apostolo aproveita a carta para responde dúvidas sobre casamento e celibato (cap. 7), alimentos sacrificados a ídolos (cap. 8), e sobre o papel das mulheres no culto (cap. 11.2-16).

6.     Dons espirituais. Paulo utiliza três capítulos 12 a 14 para esclarecer sobre o que é e a relevância dos dons espirituais, mostrando que ninguém é dono do dom e que a diversidade deveria servir para edificação, não para competição.

7.     A ressurreição. No capítulo 15, o apostolo esclarece as dúvidas e corrige o ceticismo sobre a realidade e a natureza da ressurreição, reafirmando sua centralidade na fé cristã.

Examinado tão rapidamente o conteúdo desta epistola é assustador de como ela é tão pouco valorizada em sua integralidade e pregada exaustivamente nos púlpitos contemporâneos. Este silêncio é profundamente revelador. Como se não se levantar essas questões hoje, significa que estas problemáticas não existam. É muito provável que a pujança de Igreja tem perdido sua força, justamente porque não tem tratado as suas próprias problemáticas.

Fontes de informação de Paulo

O apostolo Paulo nunca trabalhou. Se ele estava ausente por um tempo longo, como sabia os detalhes acima referido. Ele recebeu relatos de diferentes fontes.

·        Paulo tinha uma boa rede de colaboradores - Timóteo, Tito, Silas e Lucas - que percorriam as igrejas estabelecidas e traziam notícias delas.

·        Uma família - a casa de Cloé (1 Co 1.11), procurou Paulo e lhe informou sobre várias desta questões que estavam permeando a igreja de Corinto.

·        Até mesmo uma possível delegação da igreja, composta por Estéfanas, Fortunato e Acaico (1 Co 16.17), estiveram com Paulo relatando-lhe os ocorridos após a ausência do apostolo.

Com fortes indícios, porém sem comprovação histórica, Paulo indica que já havia escrito uma carta anterior (agora perdida) e talvez feito uma visita breve à cidade. E pessoalmente ele enviou Timóteo (1 Co 4.17; 16.10) e, posteriormente Tito, seus colaboradores próximos, em diferentes momentos. Tudo isso demostra o cuidado pastoral constante do apóstolo com a comunidade de Corinto.

Portanto, esta Primeira Carta aos Coríntios não é apenas um documento histórico, mas um retrato vivo da luta da igreja cristã em meio a uma sociedade complexa e corrompida. O apostolo deixa claro que o Evangelho não deve sucumbir diante das pressões cotidianas e nem se amalgamar com as culturas ou moralidade frouxa, liberal e lasciva da sociedade onde esteja inserida, mas deve ser um agente de transformação de vidas independente do contexto.

Corinto, apesar de ser conhecida pela seu paganismo e depravação escancarada, veio a se constituir em palco da manifestação da graça de Deus. E o testemunho daquela igreja continua sendo um lembrete. onde o pecado se multiplica, a graça de Deus deve abundar ainda mais (Rm 5.20).

 

Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências Bibliográficas

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BAILEY, Kenneth E. Paul Through Mediterranean Eyes: Cultural Studies in 1 Corinthians. Downers Grove: InterVarsity Press, 2011.

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MORRIS, Leon. Coríntios 1. Série Introdução e Comentário. São Paulo: Edições Vida Nova, 1981.

KISTEMAKER, Simon. 1 Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

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