segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Alfa e Ômega: Seu Ensino no Apocalipse e sua Raiz Veterotestamentária

Introdução

A expressão “Eu sou o Alfa (Α) e o Ômega (Ω)”, encontrada no livro do Apocalipse (Ap 1,8; 21,6; 22,13), é uma das formas pelas quais o texto bíblico apresenta a identidade divina. Ao recorrer à primeira e à última letras do alfabeto grego, o autor comunica, de maneira simbólica, que Deus está presente desde o princípio até o fim de todas as coisas. Essa linguagem sugere atributos como plenitude, eternidade e soberania. O presente estudo busca compreender o significado teológico dessa expressão, relacionando-a com passagens do Antigo Testamento que ajudam a esclarecer sua origem e aprofundamento na tradição cristã (Rosner et al., 2000).

Totalidade Divina: Alfa e Ômega como Símbolo

A expressão “Eu sou o Alfa (Α) e o Ômega (Ω)”, presente no livro do Apocalipse (Ap 1,8; 21,6; 22,13), teria sido compreendida pelos primeiros leitores como uma afirmação simbólica da totalidade e soberania de Jesus Cristo. Ao recorrer à primeira e à última letras do alfabeto grego, o texto sugere que Cristo — e, por extensão, Deus — abrange todos os tempos e realidades, do princípio ao fim. Para comunidades cristãs do primeiro século, muitas vezes marcadas por perseguições e incertezas, essa linguagem oferecia consolo e esperança, reafirmando que o Senhor ressuscitado está presente em toda a história e a conduz com autoridade. A escolha dessas letras não apenas comunica abrangência temporal, mas também reforça a plenitude do ser divino revelado em Cristo. Este estudo propõe uma leitura teológica dessa simbologia, explorando suas raízes no Antigo Testamento e sua continuidade na revelação cristã (Rosner et al., 2000).

Raízes no Antigo Testamento: A Autodefinição de Yahweh

A conexão entre o livro de Isaías e o Apocalipse é uma das mais significativas no panorama bíblico, pois revela a continuidade da história da salvação iniciada no Antigo Testamento e reinterpretada à luz da revelação cristológica. As declarações proféticas sobre a soberania e eternidade de Yahweh — como “Eu sou o primeiro e eu sou o último; fora de mim não há Deus” (Is 44,6), “Eu sou o primeiro, eu sou também o último” (Is 48,12) e “Eu, o Senhor, sou o primeiro, e com os últimos eu sou o mesmo” (Is 41,4) — expressam a exclusividade e a supremacia de Deus sobre o tempo e a história (Bíblia Sagrada, 2011).

No Apocalipse, essas fórmulas são retomadas e aplicadas diretamente a Jesus Cristo, como se vê em Ap 1,8 e especialmente em Ap 22,13: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim”. Essa apropriação da linguagem de Isaías não é acidental, mas intencional, e comunica que o Cristo glorificado compartilha da mesma identidade divina revelada no Antigo Testamento (Jenni; Westermann, 1978).

Essa releitura cristológica carrega implicações teológicas profundas e determinantes. Ao aplicar a autodefinição de Yahweh a Jesus Cristo, o Apocalipse não apenas sugere, mas declara com autoridade sua plena divindade, sua perfeita igualdade com o Pai e seu domínio absoluto sobre toda a história. Cristo é apresentado como o Senhor soberano, aquele que não apenas participa da criação, mas que conduz o seu desfecho escatológico com poder e justiça. Essa identificação não é periférica: ela está no centro da teologia apocalíptica e reafirma, com vigor, a unidade da revelação bíblica e a continuidade da missão redentora de Deus desde o Antigo Testamento até sua consumação em Cristo (Hastings; Selbie, 2010).

Continuidade Teológica: De Yahweh ao Cristo Glorificado

A apropriação da fórmula “Alfa (Α) e Ômega (Ω)” por Cristo no livro do Apocalipse (Ap 22.13, ARC) revela uma continuidade teológica entre o Deus de Israel e o Cristo glorificado. Ao aplicar a si mesmo títulos tradicionalmente associados a Yahweh, Cristo é apresentado como o juiz escatológico e como aquele que participa da natureza eterna e soberana de Deus. Essa identificação é corroborada por outras passagens do Novo Testamento que atribuem a Cristo funções criadoras e sustentadoras do cosmos, como João 1.3, Hebreus 1.2 e Colossenses 1.15–17 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida, 2011).

O uso de títulos divinos por Cristo no Apocalipse não se limita a uma linguagem simbólica; trata-se de uma escolha teológica deliberada. Cristo é descrito como co-eterno com o Pai, o que implica uma cristologia elevada e aponta para uma compreensão trinitária implícita da divindade (DeMoss; Miller, s.d.).

Essa continuidade entre Yahweh e o Cristo glorificado constitui um dos eixos centrais da teologia do Apocalipse. Ao aplicar a Cristo os títulos divinos do Antigo Testamento, o texto reafirma sua identidade como o Deus eterno e soberano. Cristo é apresentado como a plena manifestação da natureza divina, compartilhando da mesma essência e autoridade do Pai, e conduzindo a história à sua consumação redentora (Hastings; Selbie, 2010).

Implicações Cósmicas e Escatológicas

A expressão “Alfa (Α) e Ômega (Ω)”, no contexto do Apocalipse, simboliza a universalidade do domínio divino. Ao ser aplicada tanto a Deus quanto a Cristo, ela comunica que ambos transcendem a criação e exercem soberania sobre toda a realidade, inclusive sobre o destino final da humanidade. Essa linguagem reforça a ideia de que o início e o fim da história estão sob o governo do Deus eterno revelado em Cristo.

Em seu comentário DeMoss e Miller observam que a linguagem escatológica do Apocalipse tem como propósito central apresentar Cristo como o eixo da história redentora, desde a criação até o juízo final. A fórmula “Alfa e Ômega” sintetiza essa abrangência, conectando os extremos da narrativa bíblica e reafirmando que Cristo é aquele por meio de quem todas as coisas têm origem e consumação (DeMoss; Miller, s.d.).

Conclusão
Essa identificação entre Cristo e Yahweh é ainda mais significativa quando considerada à luz das repetidas declarações “Eu sou” (ἐγώ εἰμι) nos Evangelhos, especialmente em João. Expressões como “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35), “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12), “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11.25) e “Antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo 8.58, ARC) revelam uma autocompreensão de Jesus profundamente enraizada na linguagem teofânica do Antigo Testamento. No Apocalipse, essa mesma voz ressurreta declara: “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap 22.13, ARC), retomando e ampliando essas afirmações com uma ênfase escatológica e cósmica. Assim, as declarações “Eu sou” funcionam como um fio teológico que une a revelação de Deus em Cristo desde sua encarnação até sua glorificação, reforçando a continuidade entre o Deus de Israel e o Senhor da Igreja.

 

Utilização livre desde que citando a fonte

Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

me.ivanguedes@gmail.com

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Referências Bibliográficas

DEMESS, Matthew S.; MILLER, J. Edward. Zondervan Dictionary of Bible and Theology Words. Grand Rapids, MI: Zondervan Academic, s.d.

HASTINGS, James; SELBIE, John A. (Ed.). A Dictionary of the Bible: Dealing with its Language, Literature, and Contents, Including the Biblical Theology. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2010.

JENNI, Ernst; WESTERMANN, Claus. Diccionario Teológico Manual del Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978.

ROSNER, Brian S.; ALEXANDER, T. Desmond; GOLDSWORTHY, Graeme; CARSON, D. A. (Ed.). New Dictionary of Biblical Theology: Exploring the Unity and Diversity of Scripture. Downers Grove, IL: IVP Academic, 2000.

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