A expressão “Eu sou o Alfa (Α) e o Ômega (Ω)”, encontrada no livro do
Apocalipse (Ap 1,8; 21,6; 22,13), é uma das formas pelas quais o texto bíblico
apresenta a identidade divina. Ao recorrer à primeira e à última letras do
alfabeto grego, o autor comunica, de maneira simbólica, que Deus está presente
desde o princípio até o fim de todas as coisas. Essa linguagem sugere atributos
como plenitude, eternidade e soberania. O presente estudo busca compreender o
significado teológico dessa expressão, relacionando-a com passagens do Antigo
Testamento que ajudam a esclarecer sua origem e aprofundamento na tradição
cristã (Rosner et al., 2000).
Totalidade
Divina: Alfa e Ômega como Símbolo
A
expressão “Eu sou o Alfa (Α) e o Ômega (Ω)”, presente no
livro do Apocalipse (Ap 1,8; 21,6; 22,13), teria sido compreendida pelos
primeiros leitores como uma afirmação simbólica da totalidade e soberania de
Jesus Cristo. Ao recorrer à primeira e à última letras do alfabeto grego, o
texto sugere que Cristo — e, por extensão, Deus — abrange todos os tempos e
realidades, do princípio ao fim. Para comunidades cristãs do primeiro século,
muitas vezes marcadas por perseguições e incertezas, essa linguagem oferecia
consolo e esperança, reafirmando que o Senhor ressuscitado está presente em
toda a história e a conduz com autoridade. A escolha dessas letras não apenas
comunica abrangência temporal, mas também reforça a plenitude do ser divino
revelado em Cristo. Este estudo propõe uma leitura teológica dessa simbologia,
explorando suas raízes no Antigo Testamento e sua continuidade na revelação
cristã (Rosner et al., 2000).
Raízes
no Antigo Testamento: A Autodefinição de Yahweh
A
conexão entre o livro de Isaías e o Apocalipse é uma das mais significativas no
panorama bíblico, pois revela a continuidade da história da salvação iniciada
no Antigo Testamento e reinterpretada à luz da revelação cristológica. As
declarações proféticas sobre a soberania e eternidade de Yahweh — como “Eu sou
o primeiro e eu sou o último; fora de mim não há Deus” (Is 44,6), “Eu sou o
primeiro, eu sou também o último” (Is 48,12) e “Eu, o Senhor, sou o primeiro, e
com os últimos eu sou o mesmo” (Is 41,4) — expressam a exclusividade e a
supremacia de Deus sobre o tempo e a história (Bíblia Sagrada, 2011).
No
Apocalipse, essas fórmulas são retomadas e aplicadas diretamente a Jesus
Cristo, como se vê em Ap 1,8 e especialmente em Ap 22,13: “Eu sou o Alfa e o
Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim”. Essa apropriação da
linguagem de Isaías não é acidental, mas intencional, e comunica que o Cristo
glorificado compartilha da mesma identidade divina revelada no Antigo
Testamento (Jenni; Westermann, 1978).
Essa
releitura cristológica carrega implicações teológicas profundas e determinantes.
Ao aplicar a autodefinição de Yahweh a Jesus Cristo, o Apocalipse não apenas
sugere, mas declara com autoridade sua plena divindade, sua perfeita igualdade
com o Pai e seu domínio absoluto sobre toda a história. Cristo é apresentado
como o Senhor soberano, aquele que não apenas participa da criação, mas que
conduz o seu desfecho escatológico com poder e justiça. Essa identificação não
é periférica: ela está no centro da teologia apocalíptica e reafirma, com
vigor, a unidade da revelação bíblica e a continuidade da missão redentora de
Deus desde o Antigo Testamento até sua consumação em Cristo (Hastings; Selbie,
2010).
Continuidade
Teológica: De Yahweh ao Cristo Glorificado
A
apropriação da fórmula “Alfa (Α) e Ômega (Ω)” por Cristo no livro do Apocalipse
(Ap 22.13, ARC) revela uma continuidade teológica entre o Deus de Israel e o
Cristo glorificado. Ao aplicar a si mesmo títulos tradicionalmente associados a
Yahweh, Cristo é apresentado como o juiz escatológico e como aquele que
participa da natureza eterna e soberana de Deus. Essa identificação é
corroborada por outras passagens do Novo Testamento que atribuem a Cristo
funções criadoras e sustentadoras do cosmos, como João 1.3, Hebreus 1.2 e
Colossenses 1.15–17 (Bíblia Sagrada, Almeida Revista e Corrigida, 2011).
O
uso de títulos divinos por Cristo no Apocalipse não se limita a uma linguagem
simbólica; trata-se de uma escolha teológica deliberada. Cristo é descrito como
co-eterno com o Pai, o que implica uma cristologia elevada e aponta para uma
compreensão trinitária implícita da divindade (DeMoss; Miller, s.d.).
Essa
continuidade entre Yahweh e o Cristo glorificado constitui um dos eixos
centrais da teologia do Apocalipse. Ao aplicar a Cristo os títulos divinos do
Antigo Testamento, o texto reafirma sua identidade como o Deus eterno e
soberano. Cristo é apresentado como a plena manifestação da natureza divina,
compartilhando da mesma essência e autoridade do Pai, e conduzindo a história à
sua consumação redentora (Hastings; Selbie, 2010).
Implicações
Cósmicas e Escatológicas
A
expressão “Alfa (Α) e Ômega (Ω)”, no contexto do Apocalipse, simboliza a
universalidade do domínio divino. Ao ser aplicada tanto a Deus quanto a Cristo,
ela comunica que ambos transcendem a criação e exercem soberania sobre toda a
realidade, inclusive sobre o destino final da humanidade. Essa linguagem
reforça a ideia de que o início e o fim da história estão sob o governo do Deus
eterno revelado em Cristo.
Em
seu comentário DeMoss e Miller observam que a linguagem escatológica do
Apocalipse tem como propósito central apresentar Cristo como o eixo da história
redentora, desde a criação até o juízo final. A fórmula “Alfa e Ômega”
sintetiza essa abrangência, conectando os extremos da narrativa bíblica e
reafirmando que Cristo é aquele por meio de quem todas as coisas têm origem e
consumação (DeMoss; Miller, s.d.).
Conclusão
Essa identificação entre Cristo e Yahweh é ainda mais significativa quando
considerada à luz das repetidas declarações “Eu sou” (ἐγώ εἰμι) nos Evangelhos,
especialmente em João. Expressões como “Eu sou o pão da vida” (Jo 6.35), “Eu
sou a luz do mundo” (Jo 8.12), “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11.25) e
“Antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo 8.58, ARC) revelam uma autocompreensão
de Jesus profundamente enraizada na linguagem teofânica do Antigo Testamento.
No Apocalipse, essa mesma voz ressurreta declara: “Eu sou o Alfa e o Ômega” (Ap
22.13, ARC), retomando e ampliando essas afirmações com uma ênfase escatológica
e cósmica. Assim, as declarações “Eu sou” funcionam como um fio teológico que
une a revelação de Deus em Cristo desde sua encarnação até sua glorificação,
reforçando a continuidade entre o Deus de Israel e o Senhor da Igreja.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
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Referências
Bibliográficas
DEMESS,
Matthew S.; MILLER, J. Edward. Zondervan Dictionary of Bible
and Theology Words. Grand Rapids, MI: Zondervan Academic, s.d.
HASTINGS,
James; SELBIE, John A. (Ed.). A Dictionary of the Bible:
Dealing with its Language, Literature, and Contents, Including the Biblical
Theology. Piscataway, NJ: Gorgias Press, 2010.
JENNI,
Ernst; WESTERMANN, Claus. Diccionario Teológico Manual del
Antiguo Testamento. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1978.
ROSNER,
Brian S.; ALEXANDER, T. Desmond; GOLDSWORTHY, Graeme; CARSON, D. A. (Ed.). New
Dictionary of Biblical Theology: Exploring the Unity and Diversity of Scripture.
Downers Grove, IL: IVP Academic, 2000.
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