A principal fonte que nos informa
sobre o batismo de Jesus são os evangelhos. Todos os quatro evangelistas
registram esse acontecimento o que realça a importância e relevância deste
acontecimento para os desdobramentos de suas narrativas. Ainda que João também
faça seu registro nos atentaremos nesse artigo para os relatos dos chamados
evangelistas sinótico (Mt 3.13-17; Mc 1.9-11; Lc 3.21-22) e dos três é Mateus
quem nos oferece mais detalhes.
A relevância deste acontecimento é
que ele demarca o inicio das atividades públicas de Jesus. Até este momento
Jesus era, aos olhos das pessoas, apenas o filho de José e Maria, carpinteiro por
profissão, morador da cidade de Nazaré (nazareno) na região da Galileia
(galileu). Mas a partir deste momento ele será Jesus Cristo – aquele que veio
para cumprir todo o programa profético do Messias.
O batismo de Jesus revela o mistério
da economia humana da salvação. No nascimento de Jesus temos o Deus que se manifesta
na carne, assumindo a plenitude de nossa humanidade. Mas no batismo temos a
manifestação da divindade de Jesus e de sua glória como do unigênito do Pai. Nesta
cena temos também pela primeira vez a manifestação da Trindade, prefigurada no
Primeiro Testamento e agora manifestada plenamente em Jesus. O Espírito Santo
desce sobre o Filho e, ao mesmo tempo, a voz do Pai ouve-se dos céus. Desta forma
como escreveu Crisóstomo: “O Senhor Jesus
Cristo é revelado para o mundo no Natal e no Batismo”.
Jesus foi batizado pelo seu
precursor João, o Batista, cujo ministério era o de preparar o caminho para o
Senhor. Foi realizado às margens do rio Jordão que tantas recordações traziam à
mente e ao coração dos judeus, pois foi aqui que liderados por Josué o povo
israelita atravessaram para tomarem posse da terra de Canaã. João Batista
estava pregando sua mensagem e batizando pessoas algum tempo antes, de maneira
que muitos foram batizados por ele naquele lugar, mas o batismo de Jesus é
acompanhado por sinais incomuns: uma voz do céu testifica “Este é o meu Filho” (Mt 3.17) e o Espírito Santo repousa sobre
Jesus na forma de uma pomba (Mt 3.16; Mc 1.10).
Imediatamente ao batismo o Espírito
Santo leva Jesus para o deserto onde ele será tentado (Mt 4.1-3). Após quarenta
dias (período completo) Mateus registra: “Então
o deixou o diabo, e os anjos vieram e O serviram” (Mt 4.11). Ao se submeter
ao batismo Jesus torna-se o modelo para todo cristão fazer o mesmo.
Analisando os Textos
Como entender o batismo de Jesus? João Batista
pregava a mensagem de arrependimento (conversão) e o batismo, como preparação
para chegada do Messias e do Reino dos céus (de Deus). Todavia, Jesus não tinha
pecado de maneira que não precisava se arrepender e ser batizado. Ele mesmo era
o Messias prometido.
O evangelista Mateus registra a
perplexidade do Batista: “Eu tenho
necessidade de ser batizado por ti, e tu vens a mim” (3.14). Mas Jesus o tranquiliza:
“Assim nos convém cumprir toda a justiça”
(3.15). O batismo torna-se o prelúdio da cruz. Ele tinha que cumprir “toda
justiça” para que se constituísse no sacrifício perfeito. Adão falhou em
cumprir “toda a justiça”, mas Jesus a cumpre em todos os seus detalhes, como vai
ensinar Paulo posteriormente – Ele se fez justiça por nós. A questão aqui é que
Jesus representa o ser humano e nele Deus inicia o processo da Nova Criação,
onde o ser humano será restaurado à imagem e semelhança do Criador. Desta forma
era necessário que Jesus cumprisse toda a Palavra de Deus. Jesus é a perfeita
conexão entre o Primeiro e o Segundo Testamento – submetendo-se ao batismo de
arrependimento, Jesus expressa Sua união com as pessoas, cujos pecados Ele
mesmo levaria sobre si no Calvário. Suzanne de Dietrich em seu comentário do
evangelho de Mateus interpreta muito coerentemente essa questão: “Somente mais tarde o profundo significado
desse ato pode ser compreendido – por esse ato Jesus se identificou com aqueles
que formavam o seu povo, assumiu a culpa deles e recebeu com eles e por eles o
batismo do arrependimento” (1961, p. 23).
Como mencionado o batismo de Jesus é
o testemunho público do inicio do seu ministério terreno e vai testemunhar até
a sua conclusão. Na derradeira semana enquanto caminhava pelas ruas de Jerusalém,
em contagem regressiva aos eventos da Sua Paixão, questionado pelas autoridades
religiosas judaicas com que autoridade Ele ensinava e fazia Seus sinais e
maravilhas, Jesus lhes responde com uma pergunta: com que autoridade João
batizava – do céu ou dos homens? Diante do silêncio de seus opositores Jesus se
retira sem lhes responder a pergunta que haviam feito (Mt 21.23-27; Mc
11.27-33; Lc 20.1-8). Aqui Jesus deixou claro que de uma mesma e única fonte emanava
a fonte de autoridade e poder do ministério de João e o dele – Deus.
Em duas ocasiões o Pai testemunha a
filiação de Jesus, no Batismo e na Transfiguração – “Este é o meu Filho amado, em quem tenho todo prazer” (Mt 3.17; Mc
1.11; Lc 3.22; Mt 17.5; Mc 9.7). Duas verdades realçam neste testemunho audível
do Pai: primeiro que por ocasião do batismo Jesus ainda não tinha provado Sua
fidelidade no deserto, nem no Seu ministério público, nem no Getsêmani e nem no
Calvário – “mas ninguém conhece o Filho
se não o Pai”. Segundo, a filiação de Jesus a Deus Pai é uma questão de
amor, por esta razão o evangelista João enfatiza o amor do Pai para com Jesus
(3.35; 10.17; 15.9,10; 17.23-24, 26). Desta mesma forma, a nossa filiação a
Deus é decorrente do fato que Ele nos ama, assim como amou seu próprio Filho.
Portanto, o batismo de Jesus e o nosso batismo é uma manifestação extraordinária
do imensurável amor de Deus para conosco em Cristo Jesus.
É interessante que Lucas coloca a
genealogia de Jesus entre a narrativa do batismo e da tentação no deserto. O
batismo resgata Jesus da simples genealogia humana “considerado filho de José” (Lc 3.23), para eleva-lo à sua real
condição eterna de “Filho amado de Deus”
(lc. 3.22). Não será o filho de José, mas o Filho de Deus que iniciara seu
ministério de salvação dos pecadores. A partir deste momento Jesus Cristo
torna-se o foco de toda narrativa evangélica.
É preciso enfatizar que Jesus sempre teve consciência de
quem ele era. Muitos comentaristas concluem desta passagem para afirmar,
equivocadamente, de que foi somente após o batismo que Jesus toma consciência
de sua divindade (Wellhausen, Loisy, entre muito outros), como se o batismo
transformasse Jesus em Messias ou que somente a partir daqui Jesus é investido
da identidade ou dignidade messiânica. Em nenhum momento os evangelistas deixam
transparecer qualquer destas afirmações, ao contrario, concordam unanimes de
que o batismo é tão somente a demarcação do inicio público do ministério
evangélico de Jesus. Tanto Mateus quanto Lucas deixa isso claro ao agregarem os
relatos dos acontecimentos sobrenaturais envolvendo o nascimento de Jesus. Por
outro lado o batismo de Jesus está relacionado ao seu comissionamento conforme
as credenciais dos profetas: deveria ser ungindo com o Espírito Santo, que se
manifestaria nele em toda plenitude; que Ele é o Filho eterno de Deus, igual em
sua natureza; que ele era o amado de Deus.
Ao se apresentar para o batismo Jesus demonstra toda sua
disposição de se submeter integralmente à vontade do Pai, porque “através do
batismo Ele se submeteu conscientemente, a estar computado entre os pecadores,
como se Ele mesmo fosse um pecador, e a receber o sinal exterior da purificação
daquela coisa má e aviltante na qual Ele não tinha parte” (SADLER, 1887, p.
35).
O batismo realça a auto humilhação
de Jesus, como tão bem apreendeu o apóstolo Paulo ao escrever sua carta aos
crentes filipenses (2.6-11), ou seja, o esvaziamento de toda Sua glória divina
para a salvação dos pecadores. Jesus que é sem pecado em Sua natureza e origem
divina, se expõe à kenosis tomando sobre si os nossos pecados. Isso não
significa que Ele se tornou um pecador, mas que ele voluntariamente assume
sobre Si todas as consequências do pecado: limitações físicas (fome, sede, cansaço)
e mortalidade. A nossa redenção inicia-se no nascimento e batismo e se conclui
na cruz e ressurreição de Jesus Cristo. Ele vence o pecado e a morte e nos estende
o privilégio incomparável da filiação divina – sermos feitos (chamados) filhos
de Deus.
Era necessário que Jesus assumisse
plenamente nossa humanidade, incluindo a morte, para que pudéssemos viver. O
pecado original (queda da raça humana) era um obstáculo intransponível, que
destruiu completamente qualquer comunicação com Deus direta ou indiretamente.
Portanto, para resgatamos o estado original de comunhão era necessário o “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”
(Jo 1.29). Em sua encarnação e nascimento Cristo “nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós” (Gl
3.13) e na Sua ressurreição somos elevados à dignidade de filhos de Deus.
No batismo temos a plena revelação
da divindade de Jesus Cristo e sua igualdade com o Pai e o Espírito, perfazendo
nosso ensino e fé na manifestação de um Deus Triúno.
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
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de João: Contexto Religioso
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