Provavelmente nenhum
outro espaço geográfico tem sido ao longo de milhares de anos tão relevante
quanto ao que hoje se denomina Palestina. A razão certamente não são suas
dimensões físicas visto que é uma faixa de terra limitada. Atualmente o Estado
de Israel é um pouco menor do que o Estado de Sergipe, possuindo 410 km de
comprimento (norte-sul, de Metula, no norte da Galileia, à Eilat), e 80 km de
largura (do mar Mediterrâneo ao rio Jordão), dando um total de vinte
mil quilômetros quadrados, algo muito menor do que os oito milhões de
quilômetros quadrados que o Brasil possui. Seu apogeu foi nos dias do reinado
de Davi e de Salomão, mas em termos de extensão e mesmo econômicos nunca chegou
próximo dos grandes impérios que sempre a rodeou e periodicamente a dominou.
A razão pela qual essa pequena região continua sendo nevralgicamente
sensível e em constante ebulição é sem duvida alguma relacionado à religião.
Tirando os primeiros capítulos de Genesis, após o chamado de Abraão e
principalmente após o êxodo do Egito, todos os eventos bíblicos se
desenvolveram neste espaço geográfico.
Em nenhum outro lugar desse planeta testemunhou-se tanto
da manifestação do poder e da glória de Deus. É aqui que Deus se revela
pessoalmente a um povo e comunica continuamente sua vontade através de seus
profetas; é nesse espaço territorial que Deus desenvolve seu plano salvífico; é aqui que Jesus nasce, vive, morre e ressuscita;
é aqui que se estabelece a primeira igreja cristã e daqui os discípulos saem
para anunciar ao mundo inteiro que Jesus Cristo é o Senhor e Salvador.
No transcorrer dos séculos este espaço geográfico recebeu
várias designações. Em cada nome se expressa uma realidade histórica – de uma
forma ou de outra podemos denomina-la a Terra
da Promessa.
Canaã
Este foi o primeiro nome dado e nos arremete aos dias
posteriores à construção da Torre de Babel, quando descendentes de Cam (três
filhos Cuxe, Mizraim e Pute), e netos de Noé, fixaram-se nesta região que muito
tempo depois seria dado em promessa a Abraão e seus descendentes. Essa região é
conhecida por sua fertilidade e riquezas naturais de maneira que os cananeus
multiplicaram-se e estabeleceram uma vigorosa civilização, não necessariamente
um império, pois cada povo tinha sua própria autonomia e governo. Eram povos
violentos e cruéis e desenvolveram práticas religiosas absurdas.[1]
Na língua hebraica Canaã significa: “habitante
de terras baixas”, de maneira que os canaanitas preferiam as planícies.
Os diversos povos que habitavam Canaã chegaram a dominar grandes áreas que iam
do Mediterrâneo ao Jordão. Para os israelitas, após o êxodo do Egito, Canaã
passou a ter uma conotação poética, pois estava diretamente relacionada à
promessa de Deus de que lhes daria “... uma terra boa e ampla, terra que emana leite e
mel” (Ex 3.8).
Terra dos Amorreus
Essa denominação é uma das mais antigas e pode ser
encontrada tanto no Primeiro Testamento como nos escritos extra bíblico. É um
dos mais antigos nomes da Terra Santa (Gn 48.22). O nome “amorreu” aparece registrado
entre os filhos de Cam (Gn 10.6, 15, 16; 1Cr 1.13, 14), mas, em outras partes,
este termo, sempre no singular no texto hebraico, é usado coletivamente para a
tribo cananéia que descendeu do amorreu original.
Quando o sobrinho de Abraão foi raptado por uma invasão
liderada pelo rei Elão, em coalizão com mais três reis de Canaã, foram três
amorreus que moravam em Hebron, ou nas cercanias, que se confederaram com
Abraão e perseguiram e derrotaram os reis invasores, resgatando Ló. (Gn 14).
Mas no capítulo seguinte Deus avisa a Abraão que, quando a medida dos Amorreus
finalmente ‘se
completasse’, os descendentes de Abraão voltariam para Canaã, vindo
de uma terra estrangeira, e tomariam posse da terra dos Amorreus (Gn 15.13-21).
Alguns estudiosos interpretam que o termo “amorreus”,
conforme mencionado em Gênesis 15.16 e Gênesis 48.22, representa os povos de
Canaã como um todo, pois os amorreus parecem ter sido a tribo principal
ou dominante em Canaã, na época do Êxodo israelita
do Egito. (cf. Dt 1.6-8, 19-21, 27; Js 24.15, 18; Jz 6.10.) Outro exemplo desta
supremacia dos Amorreus está nos relatos feitos em Números 14.44, 45 e Deuteronômio
1.44, onde no primeiro é mencionado que os “amalequitas” e “cananeus” impuseram
aos israelitas a sua primeira derrota militar, mas quando Moisés faz a
recapitulação desse mesmo evento, em Deuteronômio, ele diz que os “amorreus”
impuseram esta derrota.
Terra dos Hebreus
De conformidade com a árvore genealógica de Sem, os israelitas
são descendentes de Heber ((Gn 21.24-25; 11.14-17; 1Cr 11.18-19, 25). Certamente
que este designativo deriva do facto consumado da ocupação de Canaã pelos
hebreus. O território judaico, por esse motivo, era conhecido como a Terra dos
Hebreus, um designativo que os distinguiam dos demais povos (Ex 2.7,11,13; 21.2;
Dt l5.12; Jr 34.9). Foi vivendo de forma itinerante nesta região que os patriarcas
(Abraão, Isaque e Jacó) lançaram os fundamentos da fé no Único e Verdadeiro Deu
e os altares de pedra por eles erigidos ao longo de todo seu percurso se constituía
em um testemunho permanente desta crença.
Em Gênesis 14.13 fala-se de "Abraão,
o hebreu", como indicando que ele vinha de "além do
rio Eufrates" (Gn.15.18) ou de "Além do Rio"
( Js 24.2,14; cf. Nm 24,24; 2Sm 10.16; 1Rs 14.15; Is 7.20). No período Persa a expressão
"além do Rio" tornou-se o título oficial da 5a satrapia que englobava
a Síria,
a Fenícia,
a Palestina
e Judá
(1Rs 4.24; Esd 4.10; 5.3).[2]
Terra de Israel
Apesar de ser um denominativo
escasso (1Sm 13.19; Ez 7) ele se constituiu em uma antonomásia de toda a região
canaanita ocupada pelos israelitas, que já referido teve seu ápice geográfico nos
dias de Davi e Salomão e que posteriormente foi sendo delimitado até a
destruição do Reino do Norte (Israel-Samaria) pelos assírios e posteriormente a
invasão e exílio babilônico do Reino do Sul (Judá-Jerusalém). O estado de Israel,
modernamente, reivindica como sua nomenclatura oficial no seio das nações
independentes e soberanas.
Terra de Israel se constitui em um
epónimo do nome do patriarca Jacó: "Teu nome não será mais Jacó, mas Israel, porque
lutaste com Deus e com os homens, e venceste" (Gn 32.29). A
designação de Israel como referencia à totalidade do território das doze tribos
em contraste com o território dos cananeus e filisteus aparece em 1Samuel 13.9.
Todavia, é preciso fazer uma distinção entre o nome
Israel como se referindo politicamente ao Reino do Norte, cuja capital era Samaria[3] e
o nome Israel com conotação eminentemente religiosa, após o Exílio babilônico,
onde passou a referendar um Israel qualitativo, centralizado no culto/adoração
de Javé, em conformidade com o padrão estabelecido na Torá. Acentuadamente a
partir de Esdras o nome Israel adquiriu dimensões religiosas como o verdadeiro
detentor das promessas feitas a Jacó, o Israel Eleito de Deus.[4] Somente
aqueles que observavam na íntegra e fielmente a Lei de Moisés se constituem
verdadeiros israelitas e aptos para receberem as promessas divinas.[5]
Terra de Judá
Após as sucessivas vitórias e expulsão dos povos
cananeus, Josué efetua a divisão do território conquistado. À tribo de Judá couberam
as terras ao Sul de Canaã. Esta região ficaria conhecida como a Terra de Judá
(Mt 2.6; Cf. Mq 5.1) originalmente indicando o território ocupado pela tribo de
Judá (Js 15.1-12; Jz 1.1-18), entre Jerusalém e Hebrom, cidades às quais foram nomeadas
em Josué 15.20-63. Por suas configurações geográficas veio receber a alcunha de
“montanhas de Judá" (Lc 1.65). Depois do cisma israelita lideradas pelas
tribos ao Norte, ocorrido em 931 a.C., a designação passou a incluir também as
terras habitadas pela tribo de Benjamim, que permaneceu aliada à Judá.
Exatamente por se isolar ao sul Judá tenha sido
inicialmente a menos relevante das tribos estabelecidas; somente com a ascensão
de Davi, afirma-se a "casa de Judá" (2Sm 2.4,7,10 e 11) e Judá é efetivamente
inserida na história do povo hebreu.
O Reino do Norte nunca mais foi reconstituído, mas após o
cativeiro babilônico, em 538 aC., o povo de Judá retorna à sua herança, sob o
comando de Zorobabel.[6] Os
personagens históricos desta reconstrução nacional judaica são Neemias, Esdras,
o sumo sacerdote Josué e os profetas Ageu, Zacarias e Malaquias. A partir
destes acontecimentos históricos os descendentes de Abraão passaram a ser
conhecidas como Terra de Judá, e, seus habitantes, ainda que advindos de todas
as demais tribos, passaram a serem denominados de judeus.
Somente depois do levante liderados pelos Macabeus e que constituiu
o Reino dos Hasmoneus,[7] é
que os judeus ocuparam novamente o território geográfico israelita. Mas logo os
romanos conquistaram a região deram-lhe o nome de Província da Judéia, que já
vinha da tradição helenística.
Judeia
Estando debaixo do governo romano o
Senado nomeou Herodes com poder real a província tripartite (Judeia, Samaria,
Galileia), que se constitui no pano de fundo da geografia política do Segundo
Testamento. A partir daí, o termo Judeia (Judaea) passou a ter uma dimensão
mais restrita, voltando, praticamente, a referendar as fronteiras da antiga
tribo de Judá.
Terra Prometida
Quando Deus chamou Abraão fez-lhe uma promessa de que sua
descendência haveria de receber uma terra abundante e que ali se constituiria
em uma grande nação (Gn 12.1-4). Após a saída do Egito e posterior conquista
liderada por Josué os descendentes de Abraão tomaram posse de Canaã, que no
coração e alma dos hebreus se constituía na Terra Prometida aos seus pais. Essa
designação tem alimentado os corações dos judeus por todos os séculos.
Terra Santa
O profeta Zacarias pela perspectiva escatológica declara
que “o Senhor possuirá a Judá como sua porção na terra santa, e ainda escolherá
Jerusalém” (Zc 2.10-12), para estabelecer seu Reino Eterno. Aqui está o cerne
de toda disputa envolvendo está pequena região do mapa mundial. Para os judeus a
“Terra Santa” se constitui em herança de seus antepassados e o fundamento de
suas esperanças escatológicas; para os cristãos a “Terra Santa” é o berço do
cristianismo e de sua mensagem de salvação; para os povos árabes,
trata-se de um lugar sagrado e centro de sua fé mulçumana.
Palestina
Esse é um nome extra bíblico sendo uma forma adjetivada
do hebraico vem do latim “Palâestina”,
do grego noXaiotivrj (yr,), é uma forma de “Pelesheth” (Terra dos Filisteus). Os
filisteus eram ferrenhos adversários dos hebreus e causaram muitas dificuldades
a Saul e a Davi. Essa designação ocorre desde os dias do historiador Flávio
Josefo que cognominou todo o território
israelita de Palestina. E assim foi até a fundação do Estado de Israel em 12 de
maio de 1948.
Já dentro do período cristão, após uma grande revolta
judaica liderada por Bar Kokeba, chamada de 2ª guerra judaica (135 dC.), o
imperador Adriano renomeou o país de “Syria Palaestina” em lugar de Judéia, que
vinha desde os dias de Herodes. Evidente que o intuito era quebrar o espírito
nacionalista e revoltoso dos judeus fazendo desaparecer o próprio nome. Não
bastasse isso, a cidade de Jerusalém foi completamente destruída e reconstruída
com o nome pessoal de “Aelia Capitolina”, dentro do modelo e estrutura típica da
arquitetura urbana romana.
Somente em 359 com a reorganização do império romano sob
a liderança de Constâncio, desdobra-se a região em duas províncias: “Palaestina”
e “Palaestina Salutaris”, sendo esta segunda a englobar o antigo território da
Judeia [bíblica].[8]
Para colocar um pouco mais de tempero, em 409, o
imperador Teodósio fez um novo desdobramento da região: Palaestina Prima
(Idumeia, Judeia, Samaria e parte da Pereia); Palaestina Secunda (Planíce de
Estrelão, Galileia, Galaunítida e parte de Decápole) e Palaestina Tertia
(Negev, Sinai, Arabath e parte da Arábia). Desta forma quando os grandes
estudiosos cristãos (Pais da Igreja) fazem referência à terra de Jesus e dos
judeus a denominam de Palestina, a antiga terra de Canaã.
Após conquistarem essa região os árabes a nomearam de “Urdun”
(distrito do Jordão), mas não vingou, pois o nome Palestina já estava
consolidado. Desta forma, os árabes denominados "Palestinianos"
herdaram um nome anacrónico, mas premonitoriamente hostil em relação aos judeus
(hebreus). É preciso deixar claro que eles, étnica e religiosamente, são árabes e
muçulmanos, portanto, não possuem qualquer ligação com os primitivos filisteus
dos quais, por um viés político, receberam o nome e, pelo qual, reivindicam a
"Pátria Palestinense".
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes, Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
ABBAGNANO,
Nicola (1901-1990). Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª
edição brasileira coordenada e revista por Alfredo Bossi; revisão da tradução
dos novos textos Ivone Castilho Benedetti, 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
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J. McKee. A Bíblia e as civilizações antigas. Rio de Janeiro:
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Claudionor Corrêa de. Geografia bíblica. Rio de Janeiro: CPAD,
1987
KRESTSCHMER,
K. História dela geografia. 3ªed. Barcelona: Editorial Labor,
1942
MORA,
José Ferrater. Diccionario de filosofía (A-K), 5ª ed. Buenos
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ROCHA,
Genylton Odilon Rêgo da. Geografia clássica – uma contribuição para
história da ciência geográfica. Presença - Revista de Educação,
Cultura e Meio Ambiente, dez. nº 10, vol. I, 1997 (Universidade Federal de
Rondônia). Disponível em: http://www.revistapresenca.unir.br/artigos_presenca/10genyltonodilonregodarocha_geografiaclassicaumacontribuicaoprahistoriadaciencia.pdf.
Acesso em 04/08/2014.
[1] Das fontes extras bíblicas temos nos
manuscritos encontrados nas “Fontes de Mari” a primeira referência ao nome de “Canaã”
numa carta datada do séc. AC.
[2] O Reino do Norte, Israel, já não
existia mais, pois tinha sido extinguido pelo Império Assírio.
[3] Após o cisma israelita, a
nomenclatura passou a designar apenas as terras ocupadas pelas tribos do Norte,
comandadas pelo idólatra Jeroboão.
[4] Por esta razão quando se faz romaria
evangélica àquela região se diz: vamos à terra de Israel.
[5] Os essênios formaram sua comunidade
eremita centrados nesta interpretação e se autodenominando de o “Verdadeiro
Israel”.
[6] No período Persa Judá (Yehud) tornou-se o nome da província
persa da 5 a satrapia (Ed 4.10; 5.3).
[7] Esse é o nome genérico com que
ficaram conhecidos na história os reis da dinastia judaica oriunda de Simão
Macabeu, desde João Hircano a Hircano II (143-43 aC.), cf. JOSEFO, Flávio.
Antiquitates Judaicae, 11.111; 12.265.
[8] O teólogo
e líder cristão Jeronimo tinha convicção de que a Palestina do seu tempo era o
sucedâneo e correspondia a antiga Judeia, conforme seu comentário do profeta
Ezequiel 27.17.
Muito bom!
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