sábado, 22 de fevereiro de 2025

Ur - Cidade de Origem de Abraão


Ur é uma das cidades antigas mencionada na Bíblia. Ela ocupa um lugar significativo na narrativa do Primeiro Testamento, pois somos informados de que Abraão viveu ali (alguns entende até que ele nasceu ali). Ela é mencionada quatro vezes na literatura veterotestamentária sendo a última uma réplica (Gênesis 11.28, 11.31 e 15.7; citado por Neemias 9.7).

A cidade de Ur foi originalmente fundada pelos sumérios, e tornou-se um importante centro urbano na Mesopotâmia (“entre rios” pois ficava entre dois importantes rios da época o Eufrates e o Tigre). No transcorrer do 1º e mais acentuadamente 2º milênio a.C., os caldeus, um povo semita que migrou para a região sul da Mesopotâmia, dominaram a região. Desta forma, ao ser denominada “Ur dos Caldeus,” o texto bíblico está fazendo referência a essa fase mais tardia da cidade, quando já estava sob influência caldeia. Atualmente é a atual região do Iraque. A região da Caldéia contém riquezas além da imaginação, e Ur era uma das cidades mais importantes. Alguns historiadores concluem que esta região excedia a terra do Egito e suas pirâmides. É nela que o patriarca Abraão é chamado por Deus (Yahweh), estabelecendo uma Aliança com ele, através da qual formará a nação de Israel e através dela moldará a História.

Em Gênesis 11.18 a cidade de Ur é citada pela primeira vez: "Enquanto seu pai Terá ainda estava vivo, Harã [irmão de Abraão] morreu em Ur dos Caldeus, na terra de seu nascimento". A narrativa deixa entender de que esta cidade era o lugar onde a família residia inicialmente.

Esta cidade era próspera, conhecida por seus avanços na arquitetura, literatura e religião. Era também um lugar profundamente enraizado no culto pagão, ali foi encontrada uma estrutura impressionante chamada Zigurate de Ur, que era dedicada ao deus patrono de Ur, Nanna (também conhecido como Sin, o deus da lua). Esses detalhes realçam a necessidade de Abraão de sair do meio dela, conforme a ordem de Deus. É importante destacar que é Yahweh quem vem ao encontro de Abraão e não o contrário, de maneira que se Deus não o chamasse ele continuaria absorvido pela idolatria estabelecida.

Como todas as civilizações Ur também perdeu sua pujança e caiu em um longo período de ostracismo. Mas sempre permaneceu como referência religiosa pagã. Somente no reinado do rei Nabucodonosor II, a cidade foi revitalizada, e o último rei da Babilônia, Nabonido, também se interessou pela cidade quando aumentou o tamanho do zigurate. Ciro, o Grande, da Assíria vai mantê-la como centro religioso, pois em sua estratégia de conquista de outros povos ele percebeu que a melhor maneira de cativá-los era mostrando respeito aos seus deuses (o que ele vai fazer com os judeus, autorizando eles a retornarem para Jerusalém e reconstruírem o templo). A revitalização de Ur manteve-se pelos durante o reinado Persa de Artaxerxes II.

Avançando na leitura da narrativa bíblica em (Gênesis 11.31) temos o início da longa jornada que Abraão irá percorrer, na realização da vontade de Deus. Incialmente ele está acompanhado do pai e seu sobrinho Ló, filho do irmão falecido, bem como de Sarai sua esposa. A sua partida de Ur demarca uma ruptura com seu passado e o início de um novo capítulo onde Deus vai lhe revelando ao longo dos anos.

O propósito inicial era viajarem até Canaã, mas por razão que o texto bíblico não esclarece, eles pararam em Harã, permanecendo ali até que seu pai Terá falecesse, o que por implicação podemos inferir que ali ficaram devido alguma enfermidade do pai. Pois logo após o falecimento do pai, Deus ratifica o chamado de Abraão que vai prosseguir o itinerário original até se estabelecer na geografia de Canaã.

Muito interessante que os escritores bíblicos posteriores irão tratar Harã como ponto de partida de Abraão em direção à terra de Canaã. Estevão em sua argumentação e exposição no confronto com os religiosos judeus na sinagoga faz está citação: “Então ele [Abraão] saiu da terra dos caldeus [Ur] e habitou [no sentido de residir] em Harã. E dali, morto seu pai, mudou-o para esta terra em que agora habitais [Canaã/Judeia]" (Atos 7.4). A coerência textual se mantém, visto que Harã tornou-se lugar da "família" e a "casa de seu pai", mas ele prosseguiu dali em direção à terra que Deus haveria de mostrar-lhe.

Portanto, quando ele envia seu servo Eliezer (Gênesis 24.4 e ss) a buscar uma esposa para Isaque, que fosse de sua parentela (descendência de seu pai), não poderia tê-lo enviado se não para Harã (norte da Mesopotâmia), pois não havia mais parentes em Ur (ao sul). Da mesma forma, quando Josué faz referência geográfica de Abraão como tendo vindo de "além do Eufrates" (Josué 24.2), refere-se a Harã e não a UR, pois é a partir da primeira que o patriarca prosseguiu para Canaã. Portanto, ainda que os críticos de plantão (mormente racionalistas pós sec. XVIII), não encontram argumentos textuais contraditórios, a não ser distorcendo o sentido simples da narrativa bíblica.

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Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

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Referências Bibliográficas

ADAMS, J. McKee. A Bíblia e as civilizações antigas. Rio de Janeiro: Dois Irmãos, 1962.

ARCHER JR., G. L. Merece Confiança o Antigo Testamento? 3. ed. São Paulo, SP: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 2008.

ARNOLD, Bill T. e HESS, Richard. S. História do antigo Israel: Uma introdução ao tema e às fontes. Tradução Sonia Ribeiro Alves e Soraya Imon de Oliveira. Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2020.

BRIGHT, John. História de Israel. Tradução Euclides Carneiro da Silva. São Paulo: Ed. Paulinas, 1978.

CHAMPLIN, Russell Norman. Enciclopédia de bíblia, teologia e filosofia. São Paulo: Hagnos, 2006 [1991].

FOHRER, G. História da Religião de Israel. São Paulo, SP: Academia Cristã, 2006.

MONEY, Netta Kemp de. Geografia Histórica do Mundo Bíblico. São Paulo, SP: Editora Vida.

RIVER, Charles (Editors). Ur: História e Legado da Antiga Capital Suméria.  2017.

THOMPSON, John Arthur. A bíblia e a arqueologia – quando a ciência descobre a fé. São Paulo, SP: Editora Vida Cristã, 2004.
TIDWELL, J. B. & PIERSON, Carlos C. La geografia bíblica. Espanha: Editorial Mundo Hispano, 2003.
UNGER, Merril F. Arqueologia do Velho Testamento. São Paulo: Batista Regular, 1980.

  


domingo, 16 de fevereiro de 2025

O Discipulado de Abrão - Seu Chamado (12.1-9)

 


O genuíno discipulado inicia-se no exato momento em que somos chamados por Deus, através da ação do Espírito Santo. E este curso perdura por toda a nossa vida, até o final. Vamos então acompanhar todo o processo e toda a caminhado de Abrão[1] em seu discipulado, que se inicia com seu chamado por Deus lá na cidade de Ur dos Caldeus e perdurará por todos os anos de sua vida até seu sepultamento em Canaã.

Abrão, como Noé, marca um novo começo, bem como um retorno ao plano original de Deus de abençoar "todos os povos da terra" (cf. 1.28). Abrão é representado como um novo Adão e sua semente como um segundo Adão. Aqueles que o "abençoam", Deus abençoará; aqueles que o "amaldiçoam", Deus amaldiçoará. O modo de vida e que antes era marcado pela "árvore do conhecimento do bem e do mal" (2.17) e pela arca (7.23b), agora é marcado pela identificação com Abrão e sua semente. A identidade da semente de Abraão será um dos temas principais das narrativas seguintes, não apenas do Primeiro quanto do Segundo Testamento.

Este capítulo doze é o Coração de todo o Pentateuco – tudo que foi escrito antes e tudo que será escrito depois se fundamenta neste chamado de Abrão. Ele é o ponto convergente das Promessas de Deus, de que enviaria um descendente da mulher para esmagar a cabeça da Serpente/Satanás.

A que tipo de Deus servimos? Ele muda de ideia? Ele promete e depois se esquece? Ou é o Deus fiel e cumpridor da Aliança, imutável, onisciente e soberano sobre todas as coisas – passadas, presente e futuras? A resposta desta questão implica em que tipo de Fé temos.

Todos nós temos escolhas a fazer e quão imensamente importante são estas escolhas: Devo aceitar a palavra de Deus? Creio de fato e de verdade que a Vontade de Deus é boa, santa e perfeita?

Que Deus fale conosco por meio de Sua palavra e que Seu glorioso nome seja sempre louvado!

Verso 1 - Ora, o Senhor havia dito a Abrão: Em sua argumentação Estêvão declara que essa Promessa havia sido feita [inicialmente] a Abrão quando ele estava na Mesopotâmia, antes de morar em Harã (Atos 7.2-4).

Portanto, Gênesis 12.1-3 resgata à memória de Abrão uma promessa que Deus já lhe havia comunicada anteriormente. Deus repetiu a promessa agora que seu pai (Terá cf. Gn 11.26-27; 31) estava morto e Abrão está sendo compelido a uma obediência mais completa.

Sua obediência parcial (saiu de Ur e estacionou em Harã[2]) não retirou a promessa de Deus. Em vez disso, significava que o cumprimento da promessa foi adiado até que Abrão estivesse pronto para fazer o que o Senhor lhe disse para fazer.

Lembrete: Se Deus retirasse sua promessa de salvação, antes que estivéssemos prontos...nenhum de nós entraria no céu.

 Abrão certamente se tornara um gigante da fé, e se constituirá no pai/modelo dos crentes (Gálatas 3.7); No entanto, ele ainda tinha um enorme percurso até realmente entender o propósito de Deus e se submeter plenamente à vontade de Deus. Temos que olha para ele com um exemplo de crescimento na fé e na obediência, que são os pilares de todo discipulado cristão. O momento da conversão é quando a semente plantada será regada e cuidada pela ação graciosa do Espírito Santo, até que possa germinar, crescer e produzir os frutos decorrentes da nova vida. O chamado e a vida de Abrão, suas vitórias e fracassos, tornam-se um exemplo real e prático deste genuíno discipulado de Deus. Ele, como todo crente, vai aprender na Caminhada; nos tropeços; na falta de Fé... Assim como Abrão, estamos aprendendo a Crer/Confiar/Depender da Soberania e Providência de Deus. E da mesma forma com que Deus pacientemente esperou e conduziu Abrão; Ele também espera e conduz a nossa vida.

E semelhantemente aos discípulos no barquinho no mar da Galileia somos crentes de pequena fé...intimidados pelas ondas e ventos violentos que jogam a nossa vida de um lado para outro...e muitas vezes gritamos...Vamos Morrer!

Mas então Deus vem ao nosso Encontro...faz sossegar a nossa alma...

Às vezes entramos em Crise como Asafe (Sl 73); ou duvidamos como Tomé (João 20.24-25) ou até mesmo o negamos...muitas vezes...como Pedro (Lc 22.54-62).

Às vezes coramos de vergonha por causa de nossos pecados como Daniel (9.8); e temos que confessar como Davi: “Pois eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado está sempre diante de mim” (Sl 51.3-4).

E como o ap. Paulo temos que declarar: “Porque o que faço não aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o que aborreço isso faço” (7.15-19).

Deus chamou Abrão não porque ele fosse melhor do que seus semelhantes;

Deus o chamou unicamente por causa de Sua Graça ... nunca foi por méritos de Abrão, simplesmente porque ele não os tinha.

Deus nos chama pelo nome...unicamente por causa de Sua graça...

A fé de Abrão é decorrente da promessa de Deus... e não o contrário. Observe quantas vezes Deus diz que eu vou fazer nesses versos. Gênesis capítulo 12 é sobre os planos de Deus. Nos primeiros três versos Deus promete a Abrão uma terra, uma nação e uma bênção. É Deus, não Abrão, quem vai fazer essas coisas acontecerem!

Não é Abrão, não sou eu e não é você...

Para uma terra que Eu vou te mostrar: Depois de afirmar que queria que Abrão deixasse sua terra e seus parentes, Deus prometeu a Abrão uma terra.

Deus será o GPS de Abrão...a fé é a certeza do que ainda não pode ser visto...convicção das coisas que ainda haverão de acontecer...

Tomé precisou ver para crer...

Abrão creu sem ver...

Farei de você uma grande nação: Deus prometeu fazer uma nação de Abrão. Sua esposa Sara é estéril  ... mas será por meio dela que Abrão gerara filhos e netos [veremos está História na Caminhada de seu discipulado] e tantos descendentes, o suficiente para formar uma grande nação.

Veremos que 70 pessoas entram Egito - Jacó o neto dele e sua família ... e milhares sairão depois de 430 anos.

E engrandecerei o seu nome: Deus prometeu abençoar Abrão e engrandecer o seu nome. Provavelmente não há nome mais honrado na história do que o nome de Abrão, que é honrado por judeus, muçulmanos e cristãos.

Abençoarei os que vos abençoareme amaldiçoarei aquele que vos amaldiçoar: A história bíblica deixa bem claro está verdade.

Do mesmo modo que muitos tentaram destruir Israel e falharam; muitos hoje tentam destruir a Igreja ... mas igualmente tem falhado.

Em ti serão benditas todas as famílias da terra: Não só foi prometida bênção a Abrão, mas Deus também prometeu fazer dele uma bênção, até o ponto em que todas as famílias da terra seriam abençoadas. Essa promessa incrível foi cumprida no Messias que veio da linhagem de Abrão. A bênção de Deus a Abrão não foi por causa dele, ou mesmo por causa da nação judaica que viria existir. Foi para o mundo inteiro, para todas as famílias da terra por meio de Jesus Cristo.

Vejamos o que o ap. Paulo nos ensina: “E a Escritura, prevendo que Deus justificaria os gentios pela fé, pregou o evangelho a Abraão de antemão, dizendo: ‘Em ti serão benditas todas as nações’. Então, aqueles que são da fé são abençoados com a fé de Abraão” (Gl 3.8-9).

Igualmente no Apocalipse: “E eles cantaram uma nova canção, dizendo: ‘Tu és digno [Cordeiro/Cristo glorioso] de tomar o livro e abrir seus selos; porque foste morto e pelo teu sangue nos resgataste para Deus, de toda tribo, língua, povo e nação (Ap 5.9). A obra de Jesus alcançara todos os grupos de pessoas na terra...e somente então virá o fim.

No chamado de Abrão temos a visão missionária de Deus e o propósito da aliança de Abraão. Eles deveriam olhar além de si mesmos, para todas as nações, para todas as etnias, para todas as famílias da terra. “Lá, você vê, estava o caráter missionário da semente de Abraão, se eles o tivessem reconhecido. Deus não os abençoou apenas para si mesmos, mas para todas as nações: ‘Em ti serão benditas todas as famílias da terra’” (Spurgeon).

Você e eu fomos Chamados para que?

VAMOS ORAR!

 

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Guedes, Ivan Pereira

Mestre em Ciências da Religião.

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Referências Bibliográficas

ARANA, Adnrés Ibánez. Para compreender o livro do Gênesis. Tradução Pedro Lima Vasconcellos. São Paulo: Paulinas, 2003.

CONSTANCE, M. T. M. Explorer’s Bible Study: Genesis. 2000.

GRONINGEN, Gerard Van. Criação e consumação – o reino, a aliança e o mediador. V. 1. Tradução Denise Meister. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

KIDNER, Derek. Gênesis – introdução e comentário. São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundo Cristão, 1991.

LAW, Henry. O evangelho em Gênesis. São Paulo: Editora Leitor Cristão, 1969.



[1] Somente no capítulo 17 o seu nome será alterado por Deus para Abraão.

[2] Harã, também transcrita como Arã, fica localizada na região da Mesopotâmia, atualmente no sudeste da Turquia.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Personagens Bíblicos: Quem Foi Abigail?



Abigail é uma daquelas figuras bíblicas raramente mencionada ou estudada do Antigo Testamento. De fato, há muitas histórias bíblicas que deixam os leitores desnorteados. Mas quando olhamos pelo prisma da Providência de Deus conseguimos aperceber de que apesar das limitações de seus personagens e das particularidades da narrativa, é possível encontrarmos aspectos positivos de sabedoria, coragem e devoção a Deus.

Temos duas mulheres chamadas Abigail conhecidas na família de Davi, cada uma desempenhando papéis importantes na história bíblica. A esposa de Nabal que estamos abordando e uma irmã do próprio Davi.

Abigail, esposa de Nabal

Ela aparece pela primeira vez na narrativa de 1 Samuel 25 onde é apresentada como a esposa de Nabal, um homem rico, mas arrogante e tolo. A palavra hebraica nabal indica mais do que um "simplório inofensivo, mas indica alguém que é radicalmente materialista e egocêntrico. Em contraste o nome da esposa, Abigail (אֲבִיגַיִל em hebraico), significa "alegria de meu pai" ou "fonte de alegria". Desta forma os nomes, dentro desta estrutura literária, revelam muito mais do que uma superficial leitura da história sugere.

Davi está naquele período de andarilho (1 Samuel 25) entre a perseguição implacável do rei Saul (1 Samuel 24) e a morte posterior do rei (1 Samuel 26-31). Por algum tempo ele esteve acampado no monte Carmelo e ali conviveu pacificamente com os pastores que cuidavam dos rebanhos de Nabal, inclusive os preservando de ataques de bandidos ou invasores.

Mas Davi não está mais naquela região e com a aproximação da festa da Páscoa, ele envia um pequeno grupo de homens para solicitar educada e gentilmente que Nabal pudesse ceder alguns animais (lembrando que Nabal possui enormes rebanhos) para que Davi e seus homens pudessem igualmente celebrarem a Páscoa e se alimentarem (lembrando um pouco dos discípulos enviados por Jesus para os preparativos da última Ceia).

Mas Nabal, ainda que fosse descendente da tribo de Calebe, não apenas recusou a solicitação de Davi, como escarneceu dele e o desafiou: quem pensa que é esse Davi, um fugitivo do rei Saul. Da boca do insensato/tolo não saem palavras construtivas (Pv 17.7). Os mensageiros enviados por Davi retornam e narram as palavras de Nabal, o que ascendeu a ira e indignação de Davi, que marcha imediatamente para confrontar e demonstrar a Nabal quem era ele.

É neste contexto de pré-guerra e eminente massacre, que vai resplandecer o caráter e sabedoria da então esposa dele – Abigail.

Abigail vai ao Encontro de Davi

Ao tomar conhecimento das atitudes impensadas do marido, uma característica natural dele, Abigail, tendo consciência do grande perigo iminente, age rapidamente. De imediato prepara um generoso banquete, do que tinha de melhor em casa, bem como muitos suprimentos e sai com seus servos ao encontro de Davi. Ao encontrá-lo com seus soldados prontos para a confrontação, antes de qualquer coisa ela se humilha e apela para a misericórdia de Davi. Ela o lembra de seu chamado divino e da importância de evitar derramamento de sangue desnecessário. Seu discurso, marcado pela humildade e sabedoria, convence Davi a abandonar seu plano de vingança. Mais do que isso Davi a abençoa, por conseguinte, toda sua família. Aqui Abigail vivencia o ensino de Provérbios de uma mulher cheia de sabedoria e do Espírito de Deus “abre a boca para falar com sabedoria; a instrução na fidelidade está na sua língua” (31.26).

Imaginemos por alguns instantes uma igreja cujos membros são caracterizados pelas virtudes reveladas aqui na pessoa de Abigail. Quantas desavenças, intrigas e rupturas eclesiásticas não seria evitada. Quantas vidas não seriam preservadas e abençoadas. Por outro lado, quantas vidas cristãs destruídas e arrebentadas por atitudes como a de Nabal e reações de represálias, como as iniciais de Davi.

Os argumentos de Abigail para mudar o rumo da prosa e ação de Davi foram simples e diretos. O lembrou de seu chamado, de sua unção como futuro rei, das prerrogativas que ele deveria cultivar ali e que deveriam nortear suas atitudes quando assumisse o trono de Israel. Palavras de sabedoria, bom senso, sem qualquer ranço de maldade ou segundas intenções.

Nabal não era um bom marido. Na maioria das vezes rude e quantas vezes ela havia visto suas reações, como está, iracundas e impensadas. Era, diferentemente da esposa, destituído de sabedoria e bom sendo. Arrogante, prepotente e violento, uma fórmula altamente explosiva e destrutiva. E sabendo disto tudo Abigail interveio de maneira sutil, sem alarde, prudentemente, demonstrando ser uma mulher com conhecimento e discernimento.

Esta primeira parte da história nos coloca diante de três personagens que podem refletir o que somos de fato e de verdade:

Nabal representa a nossa natureza humana decaída, centrada nas ações e reações carnais. Ele é apresentado em relação às suas posses.

Abigail é o modelo positivo de um crente que se reveste com o manto da sabedoria e humildade, que utiliza seu conhecimento para edificar seu lar e abençoar sua família e as pessoas. Ela é apresentado em relação ao seu caráter, o que implica que o que somos é mais importante do que qualquer riqueza que venha a obter.

E Davi nos ensina, que mesmo os melhores crentes, podem dar vazão à ira e indignação e correr o risco de transcender seu chamado cristão para amar e perdoar. Mas Davi é um crente de verdade e ouvindo as argumentações de Abigail repensa suas ações e em vez de amaldiçoar a vida dela e dos demais, incluindo Nabal, torna-se um canal de bênção para eles.

A pergunta que precisamos fazer é: a quem nos assemelharemos? Qual destes personagens nos representa de fato e de verdade?

O casamento de Abigail com Davi (1 Samuel 25.39-42)

Mas a história de Abigail não terminou ali. Deus que tudo acompanhou vai honrar suas palavras e atitudes sábias.

Ao contrário da esposa Nabal vai sofrer as consequências de suas palavras e ações. Pouco tempo depois ele morreu e a narrativa deixa claro que foi um ato de juízo da parte de Deus. Os poderosos e tolos deste mundo perecerão e tudo que adquiriram, muitas vezes com terror, não lhes servira de absolutamente nada.

A história de Abigail é registrada aqui para ilustrar que a sabedoria é mais poderosa do que a grandeza e as riquezas, e é mais desejável. Nabal morre, mas Abigail não apenas continua a viver, como é grandemente abençoada por Deus.

Davi tomou conhecimento de que Abigail havia ficado viúva e casou-se com ela e deste relacionamento conjugal vai nascer um filho chamado Quileabe (2 Samuel 33) ou Daniel (1 Crônicas 3.1) com ele. Aqui temos ao menos dois detalhes interessante:

Primeiro, visto que a bênção da maternidade era altamente considerada no antigo Israel, tanto que a falta de filhos era considerada uma maldição (1 Samuel 1). Não se encontra registro de filhos do casamento de Nabal e Abigail, de maneira que o narrador dá a entender que Abigail foi abençoada, com a gestação, em seu relacionamento com Davi.

Segundo: que ao se casar com Abigail, Davi estabelece um elo político relevante para os próximos anos em que terá que reinar sobre as doze tribos, pois Abigail faz parte do clã calebita de Judá e será justamente em Hebrom, capital do território calebita, que Davi será ungido rei.

Para Reflexão

Viva com Sabedoria – todo crente é desafiado a vivenciar a genuína sabedoria em todos os seus relacionamentos. A começar no casamento no que tange o relacionamento conjugal e na criação e condução dos filhos. Tiago em sua carta ensina de que se nos falta sabedoria, podemos livremente pedir a Deus, que nos dará liberalmente.

Seja um Pacificador - o papel desta mulher é o modelo do que como crentes devem ser. Ela interveio para evitar conflitos, demonstrando o valor de se buscar a paz e a reconciliação, ainda que tenha que se humilhar. Jesus disse que somos chamados para sermos pacificadores e que quando agimos assim, somos bem-aventurados.

Confie em Deus Sempre – é impossível não visualizarmos a confiança de Abigail na justiça de Deus e em Sua proteção, no transcorrer de toda a narrativa. Apesar das atitudes tolas do marido, ela permanecesse confiando em Deus e age de forma sábia (a tolice do outro não justifica a minha própria tolice).  A Sociedade vive tola e loucamente, mas como cristãos somos chamados para vivermos na plena convicção de que Deus sempre está no controle, independente das circunstâncias.

 

A Providência de Deus – como facilmente nos esquecemos de que Deus sempre agirá providencialmente em todas e quaisquer circunstâncias da nossa vida. Diferentemente de Abigail nossa tendência é entrar em desespero como os discípulos, que forma posteriormente repreendidos por Jesus: pessoas de pouca fé! Nesta narrativa em nenhum momento vemos uma Abigail desesperada, mas calma e inteligentemente ela providencia uma solução para o problema sério que surgiu. Assim como Deus usou a vida dela para evitar que Davi pecasse, e preservou toda a sua família, Deus continua usando pessoas, como eu e você, para abençoar e preservas vidas.

O Juízo de DeusAssim como podemos contemplar a graça e misericórdia de Deus sobre Abigail e o próprio Davi, também podemos contemplar a manifestação da ira e juízo de Deus sobre a arrogância e estupidez humano emaranhada em seus delitos e pecados. O livro de Apocalipse é a ilustração final e definitiva desta verdade da Graça que preserva e salva a Igreja e o Juízo de Deus que é derramada sobre todo o mal deste mundo.

Relação com o Senhor Jesus – é linda a percepção que o texto nos proporciona de contemplarmos nas ações de Abigail as ações de Jesus Cristo como nosso Advogado junto ao Pai. Da mesma forma com que Abigail intercede em favor de sua família, Jesus intercede em favor dos crentes, garantindo sua salvação e reconciliação com Deus (1 João 2.1).

Uma outra característica dela que expressa em grau, gênero e número o caráter de Cristo é a genuína humildade dela diante de Davi. Característica que os discípulos tiveram, e nós temos, de apreenderem. Somos chamados não para sermos servidos (infelizmente não é isso que vemos), mas para servir (Mateus 20:28).

Conclusão

A história de Abigail é um quadro magnifico que precisa ser contemplado periodicamente com calma e atenta observação, para percebemos seus detalhes e nuances. Essa mulher é um perfeito modelo para todo crente vivenciar uma vida cristã autêntica, e não artificial e religiosa. Abigail é uma crente que produz figos e não apenas folhas; que vivencia a fé e não apenas acredita; que se coloca em lugar de outros e não vive apenas em função de si mesma. Como o apostolo Paulo ela podia tranquilamente dizer: “sede meus imitadores, assim como sou de Cristo”.

 

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Referências Bibliográficas
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BALDWIN, Joyce G. Introdução e Comentário Bíblico 1 e 2 Samuel. São Paulo: Vida Nova [Série Cultura Bíblica].
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