Cada
um dos evangelistas descreve a crucificação e morte de Jesus incluindo suas
particularidades.
Os
três evangelistas sinóticos registram estes acontecimentos dando destaque aos
aspectos mais vistosos e sobrenaturais: o rasgar do véu no Templo de Jerusalém,
a ressurreição dos mortos, a multidão que bate no peito, as trevas em pleno
dia. O evangelista João é mais discreto e prefere um comentário sucinto e
modesto: "do lado transpassado de
Jesus saem sangue e água".
Enquanto
os três primeiros utilizam o centurião romano como testemunhar ocular da
divindade de Jesus: "Verdadeiramente
este homem era filho de Deus", o evangelista João prefere fazer a
citação do profeta Zacarias: "Olharão
para aquele que transpassaram" (Zc 12.10), apontando para a grande
realidade de todo verdadeiro cristão, que terá de contemplar, compreender e
crer no Crucificado, para serem
salvos.
Outra
característica da narrativa do quarto evangelho é que João se faz conciso em
acontecimentos essenciais e prolixo no que poderíamos classificar como aspectos
secundários. Sua linguagem é na verdade totalmente simbólica.
A Realeza de Jesus (João 19.17-22)
Nesta
primeira cena ele resume o que os outros destacam e centraliza a atenção do
leitor na pequena placa colocada acima da cabeça de Jesus: "Jesus Nazareu, o rei dos judeus"
(19.19). É uma declaração da realeza de Jesus trilíngue (romana, grega e
judaica), que ilustra a proclamação universal do Evangelho. A ironia
joanina é vista no fato de que esta declaração contraria todos os
esforços que a liderança judaica, política e religiosa, havia feito para
deturpar a pessoa de Jesus.
A Túnica (João19.23-24)
Somente
João faz uma distinção entre as vestes que foram repartidas e a túnica que foi
sorteada entre os soldados (19.24). O termo "dividir" e "divisão"
(shisma,
no grego) no texto joanino está sempre impregnado de um significado tenso,
relacionado à divisão do povo em relação a Jesus (7.43; 9.16; 10,19; 21.11).
João chama atenção que o Crucificado é o Rei universal e o ponto convergente
para toda a humanidade. É à Cruz e ao Crucificado que o crente em todos os
tempos e lugares serão atraídos ("atrairei
todos a mim") e pela fé serão feitos UM Nele!! Quando esta verdade é relegada ou
simplesmente esquecida, o Evangelho empobrece e perde seu dinamis distintivo.
A Mãe e o Discípulo Amado (João 19.25-27)
Em
meio a todas as atrocidades e violência que envolvem estes acontecimentos,
temos aqui uma das cenas mais terna e belíssima da preocupação de Jesus para
com Maria. O termo "mulher"
é rico em seu veio veterotestamentário e faz um link
precioso com a cena do primeiro milagre realizado em Caná (2.1-11). Tanto Maria
quanto os discípulos são reais e históricos, mas aqui desempenham também uma
função simbólica e representativa. Nem Maria e nem o discípulos são
identificados pelos respectivos nomes próprios. Eles representam a Comunidade
cristã que haverá de surgir após o Pentecostes e que terá a marca
distintiva da solidariedade e do amor.
Tudo Está Consumado (João 19.28-30)
O verbo
utilizado por João trás a ideia de algo que foi COMPLETADO
e, portanto, não há mais nada a ser feito. A morte de Jesus não é o "fim" de sua história, de sua vida,
mas a Sua morte é a concretização plena de todo o propósito Redentivo de Deus
para salvar o pecador. É o cumprimento pleno de toda a Revelação do Antigo
Testamento. A promessa feita por Deus em Gênesis cumpre-se literalmente no Crucificado
Nazareu!
Ao
declarar "tenho sede" (19.28) Jesus retoma o aspecto
básico da vida humana. Ele é
plenamente humano e plenamente divino. Aquele que é a Fonte da Vida
pede água - que figura contrastante maior poderia ter utilizado o evangelista?
Então
declara Jesus: "Entrego meu espírito" (19.30). Jesus morre
e aqui temos o aspecto de sua exterioridade. Ele morre consciente, a iniciativa
é dele desde o principio até o fim "entrego meu espírito". Jesus conclui sua
obra em serena consciência e se dá voluntariamente, na maior ilustração e
modelo para todo verdadeiro cristão. O
crente econômico e que vive para si mesmo é anticristo.
O Significado
O verso 19.35 é o centro de toda esta narrativa de
João. Aqui ele faz uma referência explicita
à fé
e perfaz uma transição entre a narrativa dos acontecimentos e a sua
interpretação à luz das Escrituras (AT).
Aqui
temos a afirmação categórica da humanidade de Jesus (sangue e água) e o seu
significado salvífico. A linguagem figurada utilizada por João jamais deixou de
ser interligada pelos acontecimentos históricos e concretos. Sua mensagem não é
mitológica ou mística. Sua mensagem cristã evangélica esta relacionada aos dois
níveis: da factualidade e do simbolismo.
O
verbo tão caro nesta narrativa "ver"
permeia o texto. É tanto factual, pois as pessoas estão vendo os
acontecimentos, mas também se relaciona diretamente à fé - ver,
contemplar, crer. Há três camadas deste
"ver-crer":
- o "ver" dos soldados, que veem, mas não
compreendem absolutamente nada do que esta acontecendo (veem, mas não creem);
- o "ver" histórico daqueles que
testemunham de forma ocular os acontecimentos e compreendendo creem.
- o "ver" da fé, que ainda firmado em fatos
históricos, não são oculares aos acontecimentos - identificados na profecia de
Zacarias "olharão" no aspecto futuro - o nosso
tempo.
Para
João todos aqueles, como ele que "viram" e "creram"
quer como testemunhas oculares ou não, devem agora se constituir em testemunhas
deste "ver". E o testemunho é verdadeiro,
genuíno, não confundido com os falsos ou aparentes "ver"
possíveis.
Portanto,
todo aquele que diz "ver-crer",
mas cala-se ou acovarda-se em testemunhar, é um falso crente e continua ainda
na cegueira espiritual. A consequência imediata e compulsiva do que
genuinamente "vê e
crê" é de proclamar esta verdade evangélica a todas
pessoas em todos os lugares em todos os tempos, pois esta é a função da
testemunha.
Utilização
livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre
em Ciências da Religião.
Universidade
Presbiteriana Mackenzie
me.ivanguedes@gmail.com
Outro
Blog
Historiologia
Protestante
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências Bibliográficas
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