Ocasião
Para compreendermos qual foi o propósito de João, ao
escrever este quarto evangelho, é preciso que cuidadosamente examinemos as
circunstâncias em que ele se encontrava.
Quando ele começou a escrever sua narrativa dos
acontecimentos evangélicos, a situação da Igreja era bem diferente da época em
que os Sinóticos (Mt, Mc e Lc) foram escritos. Por volta do ano 100 d.C. a
Igreja havia se expandido de modo extraordinário, penetrando e se espalhando
por todo o território do Império Romano. Os judeus não mais se constituíam uma
maioria dentro das comunidades cristãs; os gentios (não judeus) predominavam em
número crescente.
O referencial desses novos cristãos não era mais o
judaico, mas sim o helênico. Deste modo, era preciso encontrar uma maneira de comunicar
as verdades imutáveis do Evangelho de modo que todos estes novos cristãos
pudessem claramente compreendê-lo e anuncia-lo a outros. A grande distinção
entre este Evangelho e os Sinóticos está justamente nesta questão
cultural-linguística.
João utiliza-se com muita propriedade de dois conceitos
amplamente conhecidos do pensamento grego, para transmitir a mensagem
evangélica. O primeiro era o conceito do “logos”, e o segundo era o conceito de
“dois mundos” (BARCLAY, 1974, p. 15-17).
Todavia, João não se deixou envolver pelas especulações filosóficas
gregas, mas tão somente percebeu neles como tão bem escreve Hull, “elementos que realçavam sua apresentação de
Cristo aos gregos, sem comprometer a integridade de sua mensagem” (1983, p.
233).
Há ainda um outro aspecto relevante, no que concerne às
circunstâncias em que foi escrito este evangelho – o avanço do gnosticismo para
dentro das comunidades cristãs.
Aproximadamente cinquenta ou sessenta anos havia se
passado desde os acontecimentos evangélicos. As comunidades cristãs estavam se
organizando e suas doutrinas fundamentais estavam sendo elaboradas. Ideais e
conceitos diferentes começavam a surgir e acabavam por se apropriarem dos
ensinos cristãos, então muito populares, confundindo e deturpando a mensagem
evangélica.
Em seu comentário, Barclay indica duas destes conceitos,
que mereceram atenção por parte de João, enquanto elabora seu narrativa: o
conceito demasiado elevado atribuído ao Batista; e os conceitos gnósticos que
se não ainda não tão complexo, ao menos em seus primórdios (1974, p. 19-23). O
comentarista bíblico Hendriksen também destaca a questão de João Batista e
acrescenta:
“incluso,
ao combate a algumas ideias errôneas sobre o Batista se pode considerar como
algo que contribui ao propósito principal do quarto Evangelho: fixar a atenção
dos leitores na transcendente grandeza de Cristo [20.30,31]” (1980, p. 35).
Evidente que os dois pontos até aqui mencionados são
parte do mosaico das razões pelas qual João escreve sua narrativa. Os
comentaristas não encontram um consenso único e unanime, como por exemplo Pack,
que afirma que o cenário religioso “para este livro é principalmente encontrado
no judaísmo palestino e no cristianismo primitivo” (1983, p. 23), descartando
quase por completo as questões ligadas ao pensamento helenista e gnóstico.
Proposito Central
O próprio evangelista resume seu proposito central:
Jesus,
pois, operou também em presença de seus discípulos muitos outros sinais, que
não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram escritos para que creiais
que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu
nome (20.30,31).
Nesta passagem destacam-se três palavras: “sinais, creiais
e vida. Segundo Tenney, estas palavras proporcionam uma organização lógica de
todo o livro: Nos sinais está a revelação de Deus; na fé está a reação que eles
estão preparados para produzir; na vida o resultado que a fé traz” (1972, p.
199).
De fato, João tinha em mente um público dividido em duas
categorias: o incrédulo que precisava ser confrontado com a verdade concernente
ao Senhor Jesus Cristo e compelido a crer Nele para salvação de sua vida; e o
cristão que carecia de ser fortalecido na sua fé, bem como ser aprofundado no
conhecimento da pessoa e obra de Jesus Cristo.[1]
Utilização livre desde que citando a fonte
Guedes,
Ivan Pereira
Mestre em Ciências da Religião.
me.ivanguedes@gmail.com
Outro Blog
http://historiologiaprotestante.blogspot.com.br/
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Referências
Bíblicas
BARCLAY, William. El Nuevo Testamento, v. 5. Buenos
Aires: La Aurora, 1974.
BONNET, Luis y SCHROEDER,
Alfredo. Comentário del Nuevo Testamento. Buenos Aires: La Aurora,
1974. [v. 5].
CARSON, D. A. Introdução
ao Novo Testamento. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2001.
HENDRIKSEN, GUILLERMO. Juan – comentário del Nuevo Testamento.
Michigan: Subcomission Literatura Cristiana de la Iglesia Cristiana Reformada,
1980.
HENDRIKSEN, William. Comentário
do Novo Testamento – João. São Paulo: Ed. Cultura Cristã,
2004. [v.1,].
HULL, W. E. Comentário bíblico Broadman, v. 9. Rio
de Janeiro: JUERP, 1983.
MCARTHUR, John. Comentário
Macarthur del Nuevo Testamento – Juan. Epanha: Kregel, 2011.
MICHAELS, J. Ramsey. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo – João.
São Paulo: Vida, 1994.
PACK, Frank. O Evangelho Segundo João. São Paulo:
Vida Cristã, 1983.
TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento – sua origem e análise.
2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 1972.
[1][1]
O comentarista Michaels entende ser “altamente improvável” a primeira
alternativa, fixando sua argumentação na segunda, pois, segundo ele, o conteúdo
do Evangelho assim o exige (1994, p. 26).
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